Nota DefesaNet
Coup d´Presse – DefesaNet retoma a exposição de artigos estapafúrdios produzidos pelos jornais O Globo Folha de São Paulo e em especial o Estado de São Paulo. Aqui tem um pequeno Coup d´Presse. O Editor |
Felipe Frazão
O Estado de São Paulo
13 Junho 2021
BRASÍLIA – O governo Jair Bolsonaro alterou a composição do Ministério da Defesa, dando mais protagonismo ao Exército na cúpula do órgão, em detrimento da Marinha e da Aeronáutica. Pela primeira vez na história há um desequilíbrio no topo da estrutura tríplice da pasta, que na semana passada completou 22 anos. Nos principais cargos não há mais nenhum almirante ou brigadeiro.
Em jogo está a influência sobre o destino de verbas para o setor militar, que neste ano somaram R$ 103 bilhões, conforme dados atuais do Painel do Orçamento Federal. Com a atual composição, o Exército passará a exercer o poder de influenciar também revisões no andamento dos projetos estratégicos das três Forças. Criada em 1999 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, numa fusão dos antigos ministérios do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, a Defesa ficou, a princípio, sob a chefia de um ministro civil. Um acordo tácito entre militares e autoridades do governo garantiu o poder não-militar na área e evitou o predomínio de uma força sobre as demais.
Essa tradição começou a ser quebrada há três anos, quando o presidente Michel Temer nomeou o general Joaquim Silva e Luna ao posto de ministro, e agora, no mandato de Bolsonaro, com a decisão de retirar representantes das forças Naval e Aérea dos postos de destaque do segundo escalão.
O atual titular da Defesa, Walter Braga Netto, ele próprio general de Exército da reserva, decidiu que os ocupantes dos dois principais cargos subordinados a ele agora vestem a farda verde-oliva. Atualmente, o secretário-geral, segundo posto na hierarquia, é o general de Brigada da reserva Sérgio José Pereira, homem de confiança do ministro. Pereira substituiu em abril o almirante de Esquadra Almir Garnier Santos, nomeado por Bolsonaro como comandante-geral da Marinha. Já o posto de chefe do Estado-Maior Conjunto, outro cargo de destaque, é ocupado pelo general da ativa Laerte de Souza Santos. Ele substituiu em maio o tenente-brigadeiro do Ar Raul Botelho, que passou à reserva da FAB.
As Forças faziam um revezamento nos cargos de segundo escalão – uma tradição que ainda vale para outros postos, como a chefia da Escola Superior de Guerra (ESG), atualmente a cargo da Marinha. Nos bastidores da pasta, a decisão de Braga Netto provocou insatisfações entre oficiais superiores da Marinha e da Aeronáutica. As duas Forças têm apenas integrantes em cargos de terceiro escalão e assessorias ao ministro.
Braga Netto quebrou o equilíbrio fino entre as três Forças Armadas no ministério ao assumir o cargo em 31 de março. Ele entrou como homem de confiança do presidente para intervir na crise política que resultou na inédita demissão de toda a antiga cúpula militar. O pivô da insatisfação de Bolsonaro teria sido justamente o antigo Comando do Exército, sua força de origem, de quem cobrava demonstrações de apoio.
“Nunca aconteceu isso antes. É evidente que gera desconforto na correta relação de equilíbrio entre as Forças”, afirma o ex-ministro da Defesa e ex-deputado Aldo Rebelo. “A preocupação sempre existiu para evitar que uma Força prevalecesse sobre as outras nas demandas por recursos para custeio e para projetos estratégicos.”
A Defesa passou por algumas alterações para impor o controle civil sobre militares e moderar disputas, ao longo da história recente. Entre elas, a criação no governo Luiz Inácio Lula da Silva do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, em 2010, quando se instituiu também documentos como a Política de Defesa Nacional, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Brando de Defesa Nacional.
A pasta possui, desde 2013, três cargos-chave: ministro de Estado, secretário-geral e chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Essas são as posições de maior prestígio e poder político na direção da política de Defesa. O último a ser criado foi o de secretário-geral, no governo Dilma Rousseff, como tentativa de dar maior representação civil ao ministério e balancear a influência militar do chefe do Estado-Maior Conjunto, sempre um oficial da ativa.
A Secretaria-Geral da Defesa centraliza a discussão sobre os recursos e coordena as demais secretarias da pasta: de Orçamento e Organização Institucional, de Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto; de Produtos de Defesa; Programa Calha Norte; Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia. Já o Estado-Maior Conjunto coordena as chefias de Assuntos Estratégicos; de Operações Conjuntas; e de Logística e Mobilizações.
Se comparada a funções de outros ministérios, o secretário-geral é uma espécie de secretário executivo, o segundo na linha de importância. A única diferença é que, na ausência do ministro da Defesa, por lei o cargo de ministro deve ser exercido por um dos três comandantes das Forças Armadas.
Até a gestão do ex-ministro Fernando Azevedo e Silva, general de Exército da reserva, nunca uma só Força dominou todos os três cargos como agora.
Desde o fim do governo Temer, revezavam-se nesses cargos um almirante e um brigadeiro, dando representatividade às Forças Naval e Aérea, já que a cabeça do ministério havia sido devolvida a um militar após 19 anos.
Ao Estadão, um almirante da ativa familiarizado com os bastidores da Defesa disse, sob anonimato para não violar o Estatuto Militar, que a falta de representação é sim motivo de queixas e foi a principal mudança promovida por Braga Netto. Ele argumenta que o domínio do Exército não é saudável e rompeu com uma tradição de revezamento nos cargos e com a busca por paridade.
No fim do governo Temer, quando o ministro era o atual presidente da Petrobrás, general de Exército da reserva Joaquim Silva e Luna, os cargos também eram repartidos: o chefe do Estado-Maior era o almirante de Esquadra Ademir Sobrinho, enquanto o secretário-geral era o tenente brigadeiro do Ar Carlos Augusto Amaral Oliveira.
Último ministro civil, Raul Jungmann manteve como secretário-geral o próprio Silva e Luna, e Sobrinho como Estado-Maior Conjunto. Antes dele, os ex-ministros do governo Dilma Rousseff Aldo Rebelo e Jaques Wagner só alteraram o secretário-geral. O general de Exército José Carlos de Nardi permaneceu durante todo o período como chefe do Estado-Maior Conjunto.
Em 2015, Aldo Rebelo nomeou Silva e Luna seu secretário-geral, em substituição à última civil a passar pelo cargo, a enfermeira Eva Maria Dal Chiavon, assessora de Jaques Wagner no Senado. Antes dela, o cargo foi exercido pelo advogado Ari Matos Cardoso, quando de sua criação pelo ex-ministro Celso Amorim, em 2013.
Procurado, o ministro da Defesa não havia se manifestado até a conclusão desta edição.
Em março, os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica foram demitidos em conjunto, em uma situação inédita na história do País, o que gerou uma crise na relação entre Forças Armadas e o Planalto. A reunião que selou a mudança na cúpula militar foi comandada pelo general Braga Netto, que havia assumido o posto de ministro da Defesa no lugar do também general da reserva Fernando Azevedo e Silva.
A ordem para todas essas mudanças partiu do presidente Jair Bolsonaro, que dispensou Azevedo e Silva sob o argumento de que precisava da tropa alinhada com o governo. Foram nomeados como novos comandantes das Forças Armadas o General-de-Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Exército), o Almirante-de-Esquadra Almir Garnier (Marinha) e Tenente-brigadeiro-do-Ar Carlos de Almeida Batista Jr. (Aeronáutica).
Ao escolher os novos comandantes, Bolsonaro não respeitou o critério da antiguidade no Exército e na Marinha, mas o princípio foi obedecido na Aeronáutica. Em uma tentativa de apaziguar os ânimos, o presidente apostou em uma solução intermediária e avalizou a seleção de nomes apresentada por Braga Netto.