Nota DefesaNet
Há uma obsessão fálica com o assunto “Inteligência” em parte da mídia (ligada ao Juiz Sérgio Moro) e no Supremo Tribunal Federal. Os motivos são vários, podendo ser listados:
– A Famosa interferência do Presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal e o impedimento doeste de nomear o próprio diretor Geral. Assim como a tentativa de obstruir a ação da ABIN. – Ação de do Ministro Moraes de proteger a equipe de Moro na Polícia Federal. Esta equipe foi treinada e praticamente responde aos interesses do Departamento de Justiça do Estados Unidos assim como o ex-Ministro Moro. – Outro ponto importante é a ação de tentar cegar o Governo Brasileiro.
Entre outras questões que DefesaNet tratará oportunamente. Infelizmente este artigo tem uma base na área de Guerra Eletrônica do Exército Brasileiro, que tem sistematicamente negado-se a dar seguimento à implementação de sistemas compatíveis para o Governo Federal de enfrentar o espectro de Guerra Eletrônica atual no Planalto Central.
O Editor |
Fábio Leite
Patrick Camporez
Crusoé
15 Outubro 2021
Na onda do desejo de Jair Bolsonaro de ter um sistema de inteligência eficiente a seu serviço, os órgãos oficiais registram investimentos recordes na área e se equipam com tecnologia de ponta que inclui até satélites de vigilância e software invasivos
A obsessão de Jair Bolsonaro com o aparato de inteligência do governo ficou escancarada na fatídica reunião ministerial de abril do ano passado, aquela mesma que levou à demissão do então ministro Sergio Moro, em meio à pressão do presidente para interferir na Polícia Federal. Naquele dia, Bolsonaro cobrou mais eficiência dos serviços oficiais de informações. Disse que eles deveriam municiá-lo, seguindo o padrão de seu “sistema particular de informações”. A intenção estava clara. Enquanto Bolsonaro pedia mais empenho, uma parte do sistema já funcionava de acordo com as suas conveniências. A Agência Brasileira de Inteligência, vinculada ao gabinete presidencial e comandada por um fiel aliado, por exemplo, movia-se para tentar livrar o senador Flávio Bolsonaro das acusações de desvio de dinheiro na Assembleia Legislativa fluminense.
A ação em favor do filho 01 do presidente levou parlamentares a questionar no Supremo Tribunal Federal a atuação da chamada “ABIN paralela”, como ficou conhecido o aparato informal montado nas franjas dos órgãos oficiais por auxiliares da confiança de Bolsonaro. Em resposta, a corte deu nas últimas semanas um duro recado contra o uso político dos serviços de informação do governo, que, como o leitor verá nesta reportagem, tiveram seus orçamentos turbinados na atual administração.
Por unanimidade, os ministros do Supremo decidiram restringir o compartilhamento de informações dos 48 órgãos públicos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência, o Sisbin, com o serviço secreto comandado pelo delegado Alexandre Ramagem e subordinado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, do general Augusto Heleno. Na prática, o voto proferido pela relatora Cármen Lúcia confere uma interpretação mais clara à lei que criou a ABIN, em 1999. O texto endossado pelos demais magistrados no julgamento virtual determina que a agência comprove o “interesse público” dos seus pedidos aos demais órgãos do SISBIN, impede o compartilhamento de comunicações telefônicas sem autorização judicial e obriga o registro de todos os dados compartilhados no sistema do órgão, para identificar possíveis casos de desvio de finalidade.
Essas determinações ocuparam apenas meia lauda das 27 páginas redigidas pela ministra. A maior parte do voto foi dedicada a narrar os riscos que o abuso de poder do sistema de inteligência do governo impõem à democracia. “Inteligência é atividade sensível e grave do estado. ‘Arapongagem’ não é direito, é crime. Praticado pelo estado é ilícito gravíssimo. O agente que adotar prática de solicitação e obtenção de dados e conhecimentos específicos sobre quem quer que seja fora dos estritos limites da legalidade comete crime”, escreveu Cármen Lúcia, no trecho mais incisivo de seu voto. “Faz-se necessária a explicitação do papel a ser exercido pelas atividades de inteligência na ordem democrática, à luz dos preceitos constitucionais, enfatizando-se o interesse público de sua atuação e repreendendo-se qualquer possibilidade de cooptação partidária dos respectivos órgãos para finalidades pessoais ou perseguição de oponentes políticos”, prosseguiu a ministra.
A necessidade de impor regras claras ao uso do aparelho estatal de inteligência não se restringe a casos pontuais de desvio de finalidade que já vieram a público, como o uso de agentes da ABIN para compilar dados sobre desvio de verbas e compra irregulares feitas por governadores e prefeitos durante a pandemia, revelado por Crusoé em maio, logo após o início da CPI que empareda Bolsonaro no Senado. No atual governo, na onda do desejo do presidente por mais informações sensíveis, o setor foi significativamente incrementado, tanto do ponto de vista operacional como financeiro. Desde a posse de Bolsonaro, em 2019, onze órgãos públicos foram incluídos no Sisbin, o sistema criado juntamente com a ABIN, há 21 anos, para compartilhamento de dados de inteligência.
Entre os órgãos que passaram a integrá-lo estão a Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, o Departamento Nacional de Trânsito, o Denatran, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio, o Ministério da Educação, e a Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça, criada em 2019 por Sergio Moro para facilitar a cooperação entre as polícias no combate a organizações criminosas – o setor é o mesmo que, na gestão de André Mendonça no Ministério da Justiça, foi usado para elaborar um dossiê sobre professores de universidades públicas que se opõem ao governo.
Responsável por abastecer o presidente da República com informações estratégicas para proteger o estado, a ABIN tem sido prestigiada pelo Planalto desde que o vereador Carlos Bolsonaro, filho 02 do presidente, emplacou Alexandre Ramagem no comando da agência, em junho de 2019. Logo no ano seguinte, o primeiro em que orçamento foi elaborado pelo próprio governo Bolsonaro, a ABIN desembolsou 112,5 milhões de reais nas chamadas “ações de inteligência” – uma alta de 32% em relação à soma empenhada em 2019, em valores corrigidos pela inflação. Isso em pleno período de pandemia.
As vacas gordas chegaram, também, aos serviços de inteligência das Forças Armadas, que também têm sido bastante demandados pelo governo. O Ministério da Defesa registrou empenhos de 10,4 milhões de reais em “ações de caráter sigiloso” – o maior gasto com esse tipo específico de despesa desde 2014. Os gastos do serviço secreto militar extrapolam as despesas sigilosas. Apenas em 2020, o Centro de Inteligência do Exército empenhou 26,6 milhões de reais. Já o da Marinha assinou despesas na ordem de 2,5 milhões de reais.
A bonança do setor de inteligência, que contrasta com os cortes nas contas de órgãos chaves do governo, como os ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, também se refletiu nas despesas com diárias e passagens dos agentes em “ações de inteligência”. Só a ABIN gastou 4 milhões de reais no primeiro ano da pandemia, em que viagens em geral foram reduzidas por causa do isolamento social adotado na maior parte do Brasil e em vários países do mundo.
No ano passado, a agência também movimentou 8,6 milhões de reais com “serviços de caráter secreto ou reservado” e mais 18 milhões com a aquisição de “equipamento e material sigiloso” – com direito a contratos com empresas secretas no exterior. Nesses casos, informações detalhadas sobre quem são os fornecedores contratados ou mesmo sobre o objeto dos contratos são mantidas em segredo, sob a justificativa de que é preciso resguardar a “segurança da sociedade e do estado”.
Com as burras cheias, e o aval do governo para gastar, o setor tem ampliado suas ambições. Escudada sob o guarda-chuva do sigilo, a ABIN procurou a empresa israelense NSO Group para negociar a compra do Pegasus, um sistema de espionagem que é considerado um dos mais invasivos do mundo, por permitir que seus operadores acessem, sem autorização judicial, dispositivos eletrônicos de qualquer cidadão.
A tecnologia permite que telefones sejam invadidos e espionados sem que o usuário precise clicar em algum arquivo infectado – a despeito das tratativas, a agência garante que não chegou a adquirir o sistema. Nas mãos de governos autoritários de outras partes do mundo, o programa foi usado para espionar mais de 50 mil pessoas, entre políticos, ativistas, líderes religiosos e jornalistas, segundo reportagem publicada em julho por grandes jornais europeus e americanos.
Em 2020, os centros de inteligência das três Forças Armadas empenharam um total de 9,3 milhões de reais em favor da empresa norte-americana Verint, que fornece aparelhos usados na obtenção de “inteligência para dispositivos móveis”. Os pagamentos são intermediados pela Comissão Naval Brasileira em Londres e pela Comissão do Exército em Washington, um braço da força militar usado para fazer aquisições de produtos e equipamentos no exterior. Os investimentos alcançam outras áreas da inteligência federal.
A SEOPI, aquela secretaria do Ministério da Justiça que fez o dossiê sobre os professores, adquiriu por 6 milhões de reais um sistema forense de extração de dados de telefones celulares apreendidos. O sistema permite que investigadores obtenham todos os dados armazenados por uma pessoa em plataformas como WhatsApp, Google e Facebook, incluindo o histórico de localização, mensagens, áudios, fotos e listas de contatos.
Já a Polícia Federal investiu 49 milhões de reais na contratação de serviços da empresa americana Planet Labs, para ter acesso a imagens de satélites pelo período de um ano. A justificativa inicial era monitorar desmatamentos e queimadas, mas o escopo se revelou muito maior. A teia de pequenos satélites em órbita, que produzem imagens de altíssima resolução, também pode ser usada para monitorar pessoas e empresas. A tecnologia pode, por exemplo, verificar, dia após dia, o entra e sai de veículos e pessoas em uma residência comum.
A tecnologia possibilita a cobertura de todo o planeta, desviando até das manchas de chuva. A contratação ocorreu sem licitação, sob o argumento de que a empresa entrega um serviço único, que nenhuma outra oferece. O acesso ao sistema também foi disponibilizado para a ABIN. Os agentes podem consultar as imagens de qualquer ponto de interesse, acionando um programa em seus celulares. Peritos da PF ouvidos por Crusoé afirmam que, “se o serviço cair em mãos erradas“, pode ser facilmente usado para arapongagem ilegal.
Com verbas federais, órgãos de inteligência e de segurança que costumam abastecer a ABIN com informações também vêm se fartando. No Distrito Federal, a Polícia Civil tenta desde o ano passado modificar um convênio firmado em 2018, com o Ministério da Justiça, para adquirir sistema de espionagem com custo estimado de 6,3 milhões de reais. O sistema GI2-S é usado para localizar aparelhos de celular com precisão e permite a interceptação de ligações, mensagens de texto e até a ativação à distância do microfone dos dispositivos do alvo, para escuta ambiental.
“O recurso de escuta permite ao usuário do GI2 ativar o microfone do dispositivo do alvo e ouvir secretamente nas imediações”, diz um trecho do expediente encaminhado pela corporação ao Ministério da Justiça. A compra só não foi adiante porque tinha que ser feita mediante licitação. A proposta observa que estados como Espírito Santo e São Paulo já compraram o sistema e “têm feito uso bem-sucedido da ferramenta”.
A ampliação dos investimentos e a aquisição de equipamentos de ponta embutem o risco de uso político do sistema e preocupa especialistas. “Se, por um lado, é muito bem-vinda a aquisição dessas tecnologias, por outro lado, eu tenho certeza de que isso, ao chegar aqui, será desvirtuado por uma comunidade criminosa que opera à margem dos serviços secretos”, diz o tenente-coronel André Soares, ex-analista de contra-inteligência da ABIN. “É fundamental que haja uma capacidade de investigação bastante sofisticada nas forças policiais para atuarem contra crimes. No entanto, existe uma grande possibilidade de que esses meios possam ser usados para fins escusos, como alguns sinais já vêm sendo apontados nos últimos governos”, concorda Alcides Peron, pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo.
A instância que deveria fiscalizar o trabalho de espionagem do governo é a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência. O colegiado, no entanto, pouco se reuniu desde que Bolsonaro chegou ao poder. Em agosto, Augusto Heleno e Alexandre Ramagem chegaram a ser ouvidos por parlamentares em audiência secreta, mas pouco foi esclarecido, por exemplo, sobre a atuação da “ABIN paralela” de Bolsonaro. Os dois disseram apenas que a agência executa suas atribuições legais e que as acusações de desvio de finalidade são “fantasiosas”.
Para Lucas Rezende, professor do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, o crescimento sem controle da capacidade de inteligência, em um governo militarizado e pouco transparente como o de Jair Bolsonaro, representa uma ameaça à privacidade e às garantias individuais. “Os serviços de inteligência brasileiros não saíram ainda da lógica da ditadura militar. Eles seguem militarizados, sem nenhuma transparência para a sociedade e sob uma lógica de investigação da própria população brasileira, não de ameaças externas. Os avanços significativos que ocorreram para ampliar a transparência retrocederam de forma muito acelerada sob o atual governo”, afirma Rezende.
Em tempo: depois que Alexandre Ramagem e sua turma se apossaram da ABIN, e a Polícia Federal também passou ao controle de delegados tidos como leais a Bolsonaro, não houve mais qualquer registro de queixas do presidente quanto ao desempenho dos serviços oficiais de informação.
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