Carla Ruas
Direto de Washington (EUA)
O ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) Thomas Drake, 56 anos, revelou ao Terra que o Brasil pode ser alvo de espionagem econômica. Durante entrevista feita em Washington, Drake disse que as informações coletadas pelos EUA podem ter sidos usadas para motivos que vão além da ameaça terrorista.
Edward Snowden e a espionagem da NSA
Drake trabalhou durante dez anos como consultor técnico da empresa Booz Allen Hamilton– a mesma que empregava Edward Snowden, que revelou por meio da imprensa como o governo americano usava programas que permitem consultar os registros de ligações e extrair informação de servidores de gigantes da internet em todo mundo. Em 2001, Drake virou funcionário da própria NSA, chegando ao alto cargo de executivo sênior, com amplo acesso aos programas de coleta de dados.
Desiludido com a má gestão da agência e o comprometimento da privacidade dos americanos, ele começou a vazar informações secretas ao Congresso e depois à imprensa. Por este motivo, em 2007, foi forçado a renunciar e em seguida foi acusado de espionagem – o primeiro de oito casos até hoje no governo Barack Obama. Em 2011, Drake fez um acordo e foi condenado apenas por mau uso do sistema de computadores, cumprindo um ano de liberdade condicional.
Hoje, Drake acredita que pagou um preço alto pela sua indiscrição. Há dois anos trabalha vendendo computadores porque não consegue outro emprego. Por outro lado, se orgulha de ter inspirado Snowden a revelar novos segredos e está escrevendo um livro sobre a NSA. Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
Terra – Você trabalhou para a NSA por quase 20 anos. O que você sabe sobre os programas de espionagem revelados por Edward Snowden?
Thomas Drake – Eu ainda trabalhava na NSA quando o Prism (monitoramento de dados feitos pelos serviços da internet) foi implementado. O programa estava na fase de desenvolvimento. Mas você tem que entender que esses programas de vigilância secreta começaram bem antes do Prism. Eles começaram logo depois dos atentados de 11 de setembro com o programa Stellar Wind, no qual eu trabalhei. Logo depois dos atentados terroristas, acho que foi 4 de outubro, o presidente Bush assinou uma diretiva secreta, que nunca se tornou pública, autorizando a NSA a entrar em acordos secretos com empresas de telecomunicação para obter informações privadas através de telefones, e-mail, uso da internet e de cartões de crédito – as pessoas ainda não sabem a extensão do programa de coleta de dados sobre cartões de crédito. Então os programas revelados por Snowden são uma continuação desse sistema, só que ainda mais poderosos.
Terra – Você passou a trabalhar na sede da NSA exatamente no dia 11 de setembro de 2001. Como o ataque da Al-Qaeda mudou a postura da agência com relação ao respeito à privacidade?
Drake – Os ataques terroristas mudaram a conversa completamente. Você tem que entender que a NSA tinha informações sobre os atentados e não compartilhou com o governo. Então eles se sentiram muito culpados. Se o governo tivesse tomado medidas com base nessas informações, poderia ter prendido os terroristas e evitado os ataques. Mas a NSA não compartilhou, em parte por causa da burocracia, e em parte porque eles não sabiam o que fazer com essas informações. Então, depois do 11 de setembro, a agência recebeu milhões de dólares do Congresso para melhorar o seu sistema e ficou completamente obcecada em recolher a maior quantidade de informação possível. Sem se importar com leis ou a privacidade dos cidadãos.
Terra – Que tipo de informação a NSA tinha sobre os atentados de 11 de setembro?
Drake – Os nomes de pessoas possivelmente envolvidas, endereços de casas, transcrição de comunicações… e nada disso foi compartilhado. E esse é um dos motivos pelos quais aconteceram os atentados. O governo falhou. E a NSA teve papel fundamental neste erro. Eu testemunhei sobre isso no Congresso durante as investigações sobre os atentados do 11 de setembro.
Terra – Você acredita que esse erro levou a NSA a expandir seus programas de espionagem nos países estrangeiros?
Drake – A filosofia da NSA é a seguinte: no exterior eles sempre fizeram tudo o que quiseram. Só que antes, buscavam informações apenas de estrangeiros e tinham que ter um bom motivo. Agora, a NSA quer acesso aos dados de qualquer cidadão. E isso é uma violação dos direitos de privacidade dos cidadãos americanos e de outros países. O Brasil é um exemplo disso, a Alemanha é outro. E eles estão fazendo isso através de acordos com agências internacionais desses países ou acordos entre as empresas de telecomunicação dos Estados Unidos com as desses países. Após os atentados, o governo também começou a usar os programas de espionagem contra seus próprios cidadãos, o que vai contra a quarta emenda da nossa Constituição. E naquela época nem existiam as leis que de alguma forma tornaram isso legal. Para a NSA, todo mundo é suspeito.
Terra – De acordo com o jornalista do The Guardian Glen Greenwald, o Brasil é um alvo prioritário para a NSA. O que eles querem com o Brasil?
Drake – O Brasil é um país em ascensão. É uma potência econômica na América. E os Estados Unidos sempre tiveram essa sensação de que a América do Sul faz parte do nosso quintal. Além disso, as novas reservas de petróleo fazem parte desse interesse. Aliás, este é um dos segredos mais profundos sobre o qual ninguém quer falar: espionagem econômica (informação financeira, econômica ou tecnológica). O governo americano diz que não faz espionagem econômica como a França ou a China. Mas a verdade é que a NSA está profundamente envolvida com espionagem econômica. Eu não posso provar isso que estou falando, porque estou fora da agência já faz um tempo. Mas quando eu saí da NSA, eles tinham todas as ferramentas para realizar espionagem econômica. E é muito claro para mim que quando se amplia programas de vigilância, não só se obtém mais informações, como as usa para outros fins.
Terra – Como a espionagem econômica se justifica sob a desculpa da ameaça terrorista?
Drake – Bem, ela se justifica de forma indireta. Lembra que a NSA é obcecada em recolher todo o tipo de informação possível. E os terroristas têm de usar recursos financeiros e vários meios para poder agir. O problema é que quando se tem acesso a toda essa informação, é conveniente utilizar para outros fins. E este é o segredo mais profundo que eu acredito ainda precisa ser divulgado: A NSA está aproveitando ao máximo o seu sistema de vigilância, que é global, e nós ainda não vimos toda a extensão deste uso.
Terra – O que você acha que a NSA pode fazer com este tipo de informação?
Drake – Bem, isso abre muitas oportunidades. Essas informações podem dar um entendimento profundo sobre a economia de outro país e assim ajudar na sua própria acensão econômica. Embora eu não tenha provas de que isso aconteceu. Mas se neste processo eles violarem as leis de outros países pouco lhes importa. Eles não se importam com estrangeiros. Você tem que lembrar do tipo de atitude que eles têm.
Terra – O que você pensa sobre Edward Snowden? Há muitos paralelos entre você e ele?
Drake – Eu fui o primeiro desta leva de delatores e denunciantes. O soldado Bradley Manning foi preso um mês depois de eu ter sido acusado de espionagem. E há outras pessoas que atualmente estão cumprindo pena por serem delatores do governo. Eu sofri retaliação por ter reclamado da NSA dentro do sistema legal e por falar com uma repórter depois que esgotei todos os canais internos. Snowden viu a minha história como um exemplo – especialmente porque ele tinha documentação atual sobre o que se tornou um sistema de vigilância extraordinariamente grande usado de forma rotineira. Então ele teve que fugir dos Estados Unidos para ter qualquer esperança de liberdade.
Terra – Você insistiu que nos comunicássemos através de e-mails criptografados. Por que tomou essa precaução?
Drake – Eu tenho que assumir que alguém está lendo meus e-mails por causa do que eu passei. E eu quero tornar esta leitura um pouco mais difícil para a NSA, usando criptografia. Eles estão interessados em mim porque eu posso confirmar as acusações de Snowden sobre as bases desses programas e como eles evoluíram ao longo do tempo. Além disso, quando falo com repórteres eu sei que todos eles de alguma forma estão sendo vigiados pelo governo. Até mesmo você.
Espionagem americana no Brasil
Matéria do jornal O Globo de 6 de julho denunciou que brasileiros, pessoas em trânsito pelo Brasil e também empresas podem ter sido espionados pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency – NSA, na sigla em inglês), que virou alvo de polêmicas após denúncias do ex-técnico da inteligência americana Edward Snowden. A NSA teria utilizado um programa chamado Fairview, em parceria com uma empresa de telefonia americana, que fornece dados de redes de comunicação ao governo do país. Com relações comerciais com empresas de diversos países, a empresa oferece também informações sobre usuários de redes de comunicação de outras nações, ampliando o alcance da espionagem da inteligência do governo dos EUA.
Ainda segundo o jornal, uma das estações de espionagem utilizadas por agentes da NSA, em parceria com a Agência Central de Inteligência (CIA) funcionou em Brasília, pelo menos até 2002. Outros documentos apontam que escritórios da Embaixada do Brasil em Washington e da missão brasileira nas Nações Unidas, em Nova York, teriam sido alvos da agência.
Logo após a denúncia, a diplomacia brasileira cobrou explicações do governo americano. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou que o País reagiu com “preocupação” ao caso.
O embaixador dos Estados Unidos, Thomas Shannon negou que o governo americano colete dados em território brasileiro e afirmou também que não houve a cooperação de empresas brasileiras com o serviço secreto americano.
Por conta do caso, o governo brasileiro determinou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) verifique se empresas de telecomunicações sediadas no País violaram o sigilo de dados e de comunicação telefônica. A Polícia Federal também instaurou inquérito para apurar as informações sobre o caso.