Janaína Figueiredo
O plano era ativar três centros de sublevação militar contra o governo do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, às véspera do Natal. Por isso, o nome original da operação era Trilogia, e incluía ações no estado de Bolívar, na fronteira com o Brasil, em algum ponto marítimo e em um terceiro local próximo da Colômbia.
Por alguma razão que várias fontes consultadas para reconstruir o que até agora foi considerado apenas um levante e roubo de armas num quartel a 230 quilômetros de Roraima, apenas um dos grupos seguiu à risca o que estava previsto.
Como aconteceu em 30 de abril passado, quando muitos acharam que Maduro seria alvo de um levante militar decisivo, o plano natalino não prosperou, e atualmente vários dos participantes estão na clandestinidade dentro da Venezuela.
Outros cinco, após passarem alguns dias escondidos na comunidade indígena Taurepang, em Roraima, esperam a tramitação do seu pedido de refúgio no Brasil e estão sob proteção da Operação Acolhida, em Boa Vista.
As fontes consultadas, todas envolvidas de alguma maneira numa história cinematográfica, afirmam que na noite de 24 de dezembro militares da Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb) entraram em território brasileiro nas operações de buscas dos que consideram responsáveis por um “ataque terrorista”. Os cinco foragidos estavam escondidos na comunidade Taurepang e não foram encontrados.
Membros da comunidade alertaram o Exército brasileiro e, após dias de tensão e temor de que os militares sublevados fossem entregues a seu país, o governo do presidente Jair Bolsonaro informou que os cinco haviam solicitado refúgio ao Brasil.
Ou seja, o governo brasileiro decidiu não entregar os militares às autoridades venezuelanas, e depois disso passou a ser acusado pelo Palácio de Miraflores de “estabelecer perigoso precedente de proteção a pessoas que cometeram delitos flagrantes contra a paz e a estabilidade de outro Estado”.
Do lado da oposição venezuelana, a sensação foi de alívio, e muitos lembraram que militares considerados traidores correm o risco de morrer nos calabouços dos serviços de inteligência do país, como aconteceu com o capitão da Marinha Rafael Acosta, falecido em meados deste ano.
Brasília avisada
Segundo uma das fontes, antes de o Brasil informar que os militares desertores e que participaram da invasão ao Batalhão de Infantaria de Selva Mariano Montilla, localizado a 230 quilômetros da fronteira, estavam solicitando refúgio, houve comunicações de alto nível entre o Itamaraty e o “governo encarregado” do presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó.
Embora o governo brasileiro tenha informado que os desertores foram encontrados em operações de patrulha na fronteira, a verdadeira história seria bem diferente. Segundo as mesmas fontes, o Exército brasileiro foi informado por indígenas sobre a presença dos militares venezuelanos que, finalmente, foram resgatados na última quinta-feira, dia 26.
Onde foi o ataque
O ataque ao quartel Mariano Montilla contou com a participação de 16 pessoas, que roubaram uma quantidade não confirmada de armas. Tampouco se sabe o que aconteceu com o material bélico — fala-se em mais de 100 fuzis — quando os militares sublevados fugiram. Uma operação paralela pretendia assaltar o Esquadrão de Cavalaria Motorizada de Santa Elena, cidade próxima à fronteira com o Brasil, mas os desertores enfrentaram forte reação armada e não conseguiram chegar até lá.
Em ambos os casos, os militares sublevados contaram e contam com o apoio de comunidades indígenas, que ontem realizaram um pronunciamento e disseram estar sendo ameaçadas pelo governo de Maduro.
— Sabemos que nove indígenas que participaram da sublevação estão presos. Deve ficar claro que o que ocorreu não foi um ataque terrorista, e sim uma tentativa de levante contra um governo que muitos já não reconhecem — disse uma fonte, muito próxima das comunidades indígenas venezuelanas.
Essa mesma fonte lembrou que um dos estopins da mais recente crise que enfrenta o governo Maduro em seus quartéis foi a presença de militares russos na região, segundo informaram meios de comunicação locais. Essa presença teria provocado profundo mal-estar.
Incursão em Roraima
Para algumas fontes, o verdadeiro objetivo do ataque seria começar a construção do que chamam de “uma força superior” que atuaria em operações futuras, mais ousadas. O plano seria, para estas fontes, iniciar uma ofensiva de militares desertores contra Maduro partindo do Sul do país. Um plano que, para muitos, continua de pé.
Nos choques da véspera do Natal, pelo menos um militar morreu. Uma parte das armas foi recuperada. Em áudios divulgados pelo site venezuelano El Pitazo, alguns dos envolvidos no plano disseram que militares da Fanb operaram em território brasileiro na noite de 24 de dezembro.
As relações entre Brasil e Venezuela vivem em permanente estado de tensão desde que Bolsonaro assumiu o poder e reconheceu a “presidência interina” de Guaidó, que termina no próximo domingo, caso ele não seja reeleito para o comando da Assembleia Nacional. Em Brasília, a embaixada, ainda sob comando de Maduro, está em crise, com mais de dez ex-funcionários brasileiros demitidos e ameaçando entrar na Justiça com um processo trabalhista.