Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense
Tomo o título da coluna emprestado do penúltimo capítulo do livro O Gene Egoísta, do darwinista Richard Dawkins (Companhia das Letras). Ele contesta uma velha afirmação do beisebol, tão popular nos Estados Unidos como em Cuba, de que os bons rapazes terminam em último.
Na política, também é muito comum o sujeito achar que o bom rapaz terminará por último. O ardil, a dissimulação, a esperteza e a falta de escrúpulos parecem ser a regra do jogo predominante. Na verdade, a expressão “os fins justificam os meios” está por trás das maldades e de quase tudo que deu errado na política, inclusive os malfeitos. Vale tudo para o governante conquistar e manter seu poder.
Mas voltemos aos bons rapazes. Segundo Dawkins, o ser humano é um grande arranjo biológico, uma espécie de máquina de sobrevivência de um gene egoísta reprodutor da espécie. Para isso, porém, também precisa ser altruísta, cooperar com os demais integrantes da espécie para não entrar em extinção.
É aí que os bons rapazes podem acabar em primeiro. Para explicar o raciocínio, Dawkins faz uma analogia com os pássaros de uma mesma espécie, mas com comportamentos distintos: os trapaceiros, os trouxas e os rancorosos, todos em luta com piolhos alojados na cabeça, que poderiam exterminar a espécie.
Caso existissem somente trapaceiros e os trouxas, a espécie seria extinta, porque somente o segundo cataria os piolhos alheios, o que não seria suficiente para manter o equilíbrio ecológico. Os trapaceiros não catam piolho de ninguém, nem podem removê-los da própria cabeça; com a redução da população de trouxas, todos acabariam extintos. Quando entram em cena os rancorosos, a situação se modifica.
São pássaros que ajudam uns aos outros de maneira mais ou menos altruísta, mas que se recusavam a colaborar com os indivíduos que se recusaram a ajudá-los. Por essa razão, os rancorosos conseguem transmitir mais genes às gerações seguintes do que os trouxas (que ajudavam os indivíduos indiscriminadamente e por isso eram explorados) e também que os trapaceiros (que, implacáveis, tentavam explorar todo mundo e acabaram por se anular uns aos outros). Com o chamado altruísmo recíproco, a população de trouxas diminui e os trapaceiros acabam com a sobrevivência ameaçada pelo isolamento.
Estamos vivendo um momento darwinista da política brasileira. A crise tríplice que o país atravessa — ética, política e econômica — pôs em xeque a sobrevivência das principais lideranças políticas nacionais e de um sistema de poder que parecia inexpugnável.
O impeachment da presidente Dilma Rousseff em pleno curso, as agruras do governo interino de Michel Temer e o inferno que se abre para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a maioria de seus aliados ilustram esse cenário. Nas eleições municipais, por exemplo, assistiremos a uma grande batalha entre rancorosos, trouxas e trapaceiros. São milhares de candidatos a prefeito e a vereador a desenhar o futuro da política brasileira.
As regras do jogo
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva virou réu pela primeira vez, acusado de obstruir a Operação Lava-Jato. Não foi uma decisão do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, que investiga o suposto envolvimento do petista com as empreiteiras Odebrecht e OAS, protagonistas do escândalo da Petrobras.
O ex-presidente da República contratou uma banca de advogados na Inglaterra para denunciar Moro no Comitê de Direitos Humanos da ONU, alegando perseguição política. Mas quem acolheu a denúncia foi o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília, que transformou em réus Lula, o ex-senador Delcídio do Amaral, o banqueiro André Esteves e mais cinco pessoas, por tentativa de obstrução da Operação Lava-Jato. Petistas já temem a prisão do ex-presidente da República.
O que aconteceu foi o seguinte: Delcídio Amaral fez acordo de delação premiada, depois de ser pego em flagrante tentando evitar a delação premiada do ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró. Esse instituto legal inverteu a lógica do “dilema do prisioneiro”, na qual a melhor estratégia era negar participação em qualquer ato criminoso, e não acusar o parceiro ou confessar. Essa era a regra do jogo no mundo da corrupção política. Por causa dela, os trapaceiros sempre levavam a melhor.
A delação premiada fez com que confissão e a traição passassem a ser mais vantajosas. É aí que os trouxas e os rancorosos têm uma chance de levar a melhor na política, porque os bons rapazes (e moças) da Operação Lava-Jato — juízes, promotores e delegados — começaram a virar o jogo.