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AZEDO – O recado de Cícero


Luiz Carlos Azedo
Publicado Correio Braziliense 30 Ago 2015

Marco Túlio Cícero (106 a.C.- 43 a.C.) foi um notável estadista, filósofo e administrador romano, que estudou na Grécia, onde esteve exilado. Apesar de ter sido eleito consul em 63 a.C., não foi um político pragmático. No auge de seu prestígio, trombou com Pompeu, Júlio César e Crasso e teve que se exilar novamente.



Com a morte de Cesar, denunciou as pretensões ditatoriais de Marco Antônio. E apoiou Otávio, filho de Cesar, na guerra entre ambos. Os dois, porém, se uniram contra ele, e Cícero acabou condenado à morte. A cabeça e as mãos decepadas do filósofo foram expostas no Fórum romano, cujas ruínas podem ser vistas até hoje na cidade de Roma.



Cícero era indeciso, vaidoso, subestimou seus oponentes e exagerou as virtudes dos amigos. Não compreendeu a ausência de mecanismos asseguradores da lei e da ordem e o controle dos exércitos no Império Romano. Sua honestidade, patriotismo e capacidade intelectual, porém, reservaram-lhe um lugar no altar da história, quando nada por debelar a conspiração de Catilina para assumir o poder e opor-se a Marco Antônio, no fim da vida, em defesa da República.



Legou ao Ocidente conceitos como “qualidade”, “individual”, “indução”, “elemento”, “definição”, “noção”, “infinidade” etc. Uma dezena de suas obras ajudaram a preservar a cultura greco-romana, algumas das quais influenciaram profundamente a ética cristã e a moral laica moderna.



É dele uma conhecida citação sobre a administração pública: “O orçamento nacional deve ser equilibrado. As dívidas devem ser reduzidas, a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada. Os pagamentos a governos estrangeiros devem ser reduzidos se a nação não quiser ir à falência. As pessoas devem, novamente, aprender a trabalhar, em vez de viver por conta pública”.



A presidente Dilma Rousseff deveria ouvir os conselhos de Cícero. Com o país mergulhado na recessão, com a inflação ainda alta, uma crise cambial mascarada e o desemprego, o anúncio de que o governo pretende recriar a CPMF surpreendeu os políticos da própria base do governo e grandes empresários que apoiam o governo.



O Palácio do Planalto dá sinais de que ensaia uma espécie de tango argentino, ou seja, uma guinada populista para atender às reivindicações dos movimentos sociais comandados pelos petistas. O mea-culpa do começo da semana foi substituído pela radicalização do discurso contra a oposição.



No Ceará, Dilma voltou a fantasiar a realidade e difundir uma visão maniqueísta sobre o país. Disse que há uma “minoria” de “pescadores de águas turvas” que apostam no “quanto pior, melhor”. E voltou a prometer o que é incapaz de cumprir: “Mas nós vamos ter clareza de afirmar não só que o Brasil é um país forte, mas também que vai crescer e vai superar as dificuldades que tem, que são momentâneas”, acrescentou.



O bumerangue



No mesmo dia, o IBGE divulgou que o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 1,9% no segundo trimestre de 2015, em relação aos três meses anteriores, e o país entrou na chamada “recessão técnica”, que ocorre quando a economia registra dois trimestres seguidos de queda. De janeiro a março deste ano, o PIB teve baixa de 0,7% (dado revisado).



Em relação ao segundo trimestre de 2014, a baixa foi ainda mais profunda, de 2,6%, a maior desde o primeiro trimestre de 2009, quando o recuo também foi de 2,6%. Em valores correntes, o PIB no segundo trimestre do ano alcançou R$ 1,43 trilhão. Na análise dos setores, todos registraram queda, puxada pela indústria, que teve retração de 4,3%, pela agropecuária, de 2,7%, e pelos serviços, de 0,7%.



O dólar fechou a semana em R$ 3,58, o que terá impacto na inflação, e o Banco Central divulgou que as contas de todo o setor público, incluindo o governo, estados, municípios e empresas estatais, registraram nova deterioração em julho. Houve deficit primário (receitas menos despesas, sem contar os juros) de R$ 10,01 bilhões. Ou seja, o governo gasta muito mais do que arrecada. O ajuste fiscal está indo para o ralo.



Quando a CPMF deixou de ser cobrada, em 2008, o governo aumentou a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos de 8% para 15%; agora, Congresso aprovou nova subida, para 20%, como forma de compensar essa perda. O IOF também subiu imediatamente após a CPMF ser extinta em janeiro em 2008 e hoje arrecada cerca de 30 bilhões de reais por ano. Ou seja, não houve perda de arrecadação por causa do fim da CPMF.



O que fez a economia desandar foi a chamada “nova matriz econômica”, uma sucessão de decisões equivocadas da presidente Dilma para manter o país no reino da fantasia e se reeleger. Agora, a inclusão da nova CPMF no Orçamento de 2016 é mais um imbróglio político, numa hora em que o Palácio do Planalto perdeu seu principal articulador político e corre o risco de perder o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que se opôs à iniciativa.



Setores empresariais que se posicionaram contra o impeachment da presidente da República estão contra o novo imposto, os líderes do PMDB e da oposição também. Dilma pretende lançar governadores e prefeitos contra o Congresso, para aprovar a volta da CPMF, mas se esquece de que a mobilização dos demais entes federados pode se voltar contra o Palácio do Planalto, como um bumerangue.

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