Luiz Carlos Azedo
Colunista do Correio Braziliense
O governo Temer aprovou praticamente tudo o que quis no Congresso, e recuperou o controle das finanças públicas. Os sinais da economia são positivos, pois a inflação entrou numa espiral descendente significativa. Mas está perdendo o controle de segurança pública, cuja responsabilidade principal é dos estados. Depois da crise dos presídios do Maranhão, Amazonas e Roraima, depara-se agora com uma grave crise no Espírito Santo.
O jurista italiano Norberto Bobbio dizia que todo governo, mesmo o pior, é a forma mais concentrada de poder. Quando nada nele funciona, as tarefas essenciais do Estado são mantidas: arrecadar, normatizar e coagir. Quando um governo perde a capacidade de manter a ordem pública, deixa de ser um governo ruim para ser desgoverno. É o que está acontecendo no Espírito Santo e pode se generalizar.
É paradoxal a situação capixaba (cujo governo aparentemente fez o dever de casa fiscal), que ameaça se alastrar para o Rio de Janeiro (cujo governo faliu ética e financeiramente), onde uma greve da PM teria consequências, digamos, “iraquianas”. Não é a primeira vez que policiais militares se amotinam, isso aconteceu nos governos FHC e Lula, mas é a primeira vez que o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e a Força Nacional intervêm num estado, como agora, e não acontece nada.
Os amotinados continuam aquartelados, embora 600 militares já tenham voltado a trabalhar. Já passou a hora de entrar no quartel-general da Polícia Militar do Espírito Santo, em Maruípe, para restabelecer a disciplina da tropa.
A negociação é conduzida pelas autoridades estaduais, que empurram a situação com a barriga porque há mais de 3 mil homens das tropas federais substituindo a PM. Estão convencidos de que uma intervenção do Exército pode resultar numa tragédia. Conversa fiada. Não existe um precedente, desde a Revolução Constitucionalista de 1932, de tropas estaduais se confrontarem com o Exército.
A Constituição estabelece a subordinação hierárquica das polícias militares ao Exército, em casos excepcionais, exatamente porque a antiga Força Pública de São Paulo rivalizava com as tropas da União em poderio bélico. Não serão os militares capixabas que cometerão a loucura de patrocinar um confronto dessa espécie, ainda mais com a maioria da população revoltada com seu comportamento irresponsável e perverso.
Alguma coisa de muito estranha acontece. O governador Paulo Hartung, que reassumirá o governo amanhã, faz um discurso com começo, meio e fim, quanto ao ajuste fiscal e ao respeito à disciplina e à ordem, mas tergiversa quando fala do atual comando da Polícia Militar, que perdeu o controle da situação.
O quartel-general de Maruípe continua sendo o reduto dos amotinados, que ameaçam reagir a tiros, caso o Exército disperse o grupo de mulheres que protestam à sua porta. É uma situação desmoralizante, que se alastra para vários quartéis do Rio de Janeiro.
O presidente Michel Temer determinou o envio de tropas na segunda-feira, mas manteve distância regulamentar da crise a semana toda, como todo velho político que mergulha quando a onda quebra. Somente na sexta-feira, pela primeira vez, se manifestou oficialmente. Sua nota é conciliadora, mas, se não for levada em conta — como parece que não será —, sua autoridade sairá desgastada.
Ontem (11FEV2017), o ministro da Defesa, Raul Jungmann, desembarcou no Espírito Santo com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Reuniu-se com as autoridades do governo local e depois deu uma boa entrevista. Palavras ao vento, porque o estado-maior do motim continua o faz de conta em Maruípe.
A fortuna
Uma das características de Temer é a fleuma. Maquiavel, porém, dizia que nem sempre a prudência é uma virtú. Em determinadas circunstâncias, a fortuna exige certa dose de audácia.
A aposta do governo nas reformas da Previdência e trabalhista, por exemplo, são iniciativas audaciosas no terreno do combate à crise fiscal e da retomada do crescimento. Mas enfrentam reações das corporações encasteladas no Estado, entre as quais, os oficiais das polícias militares.
Essa resistência ao ajuste fiscal não existe apenas no Espírito Santo. Imaginemos que a tática das “paisanas” venha a ser adotada em todo o país, como já acontece no Rio de Janeiro, e que o comportamento das tropas também se repita, o que felizmente ainda não aconteceu.
Qual será a saída para o impasse? Cada um que imagine a resposta, vamos apenas contextualizá-la: a elite política do país nunca esteve tão desgastada, com o Congresso desmoralizado e vários ministros citados nas delações premiadas da Operação Lava-Jato. O que garante o Estado democrático de direito no Brasil não são seus líderes, é o funcionamento de suas instituições políticas.
A nossa elite política afronta a sociedade com atitudes e decisões voltadas exclusivamente para seus próprios interesses, num momento em que o bem comum deve falar mais alto. É aí que está o perigo de os governos serem volatilizados, como no Espírito Santo.
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