Alexa Salomão
André Lara Resende é considerado um dos economistas mais brilhantes e inquietos do Brasil. Doutor em Economia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, uma das instituições mais conceituadas dos Estados Unidos, destacou-se pela vasta produção acadêmica, mas também pelo requintado gosto por cavalos puro- sangue e por pilotar carros de corrida. No serviço público, foi um dos pais do Plano Cruzado e do Plano Real. Negociou a dívida externa e presidiu o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social. Na atividade privada, trabalhou no mítico banco Garantia e foi sócio do Matrix, onde fez fortuna. Agora, aos 62 anos e distante das turbulências do mercado financeiro e da gestão pública, o filho do escritor mineiro Otto Lara Resende dedicase à reflexão. Em seu livro Os Limites do Possível questiona verdades estabelecidas sobre o desenvolvimento econômico. Na entrevista abaixo, na semana em que o Banco Central tem nova reunião para definir a taxa básica de juros, Lara Resende defende que, se o governo não controlar os gastos, vai pressionar os juros e levar o País a um ciclo de crescimento medíocre.
O governo e o Banco Central devem adotar medidas mais enérgicas para controlar a inflação, que já supera o teto da meta?
Seria preciso corrigir o mix equivocado de políticas: reduzir os gastos correntes do governo e os estímulos à demanda. Em contrapartida, estimular a oferta (de moeda) e os investimentos. Como não estou mais no dia a dia do mercado, não gosto de fazer projeções de valores, mas o Banco Central demorou para reagir e, ainda que com uma correção de rumo a partir de agora, a tendência é de alta dos juros.
O que vai ocorrer se o governo insistir em manter os gastos?
Veremos o agravamento da pressão inflacionária e do déficit da conta corrente do balanço de pagamentos, o que obrigará o Banco Central a subir a taxa de juros, para não perder o controle da inflação. O resultado desse mix perverso – que foi opção do governo – é a valorização cambial, o desestímulo ao investimento, a desindustrialização e o baixo crescimento.
O cenário é tão ruim assim?
Não dá para prever o futuro, mas as coisas não estão bem encaminhadas. Aliás, estão piorando. Temos uma política macroeconômica malfeita. A partir de 2008, o PT adotou um projeto anacrônico. O curioso é que ele é parecido com o do regime militar. Esse projeto está levando ao crescimento medíocre. O governo usou o pretexto da crise financeira nos países avançados para aumentar o gasto público e dar estímulos ao consumo. Um grave equívoco, pois temos uma insuficiência histórica de poupança. Deveríamos ter aumentado o investimento em educação e eminfraestrutura, para estimular a produtividade. Se após a crise de 2008 fosse para fazer política macroeconômica anticíclica (conjunto de medidas que em período de retração econômica incluem redução de tributos, aumento do crédito e do gasto público para ativar a economia), a opção correta teria sido baixar os juros, e não aumentar os gastos. Aumento de gasto se justifica quando há uma contração da demanda, o que efetivamente ocorreu nos países avançados, mas não aqui. Fomos momentaneamente atingidos via comércio internacional, mas nosso problema é falta de poupança, não insuficiência de consumo
O governo aposta na nova rodada de concessões públicas para atrair investidores e reativar a economia. Qual é a sua projeção para os investimentos?
Ao que tudo indica, os investimentos vão ser muito abaixo do que se esperava. As concessões poderiam despertar atenção, mas a opção do governo por definir rentabilidades incompatíveis com os riscos, o ambiente regulatório hostil e, sobretudo, as mudanças de regras a posteriori, desenham um quadro desanimador para os investidores. E investimento direto em baixa e déficit em conta corrente em alta é sinal de problemas à frente.
Em dezembro de 2009, o Cristo Redentor decolava na capa da ‘The Economist’. Por que o Brasil foi de queridinho a país de segunda categoria entre os investidores em tão pouco tempo?
Como é da psicologia humana, que os mercados refletem, há exageros tanto na euforia quanto no pessimismo. O Brasil é um país de grandes possibilidades, mas que tem ainda sérios e conhecidos problemas. Perdemos, é verdade, uma grande oportunidade. O otimismo do mundo em relação ao Brasil, num momento em que as economias avançadas se viam em grande dificuldades, deveria ter sido aproveitado para nos consolidar como uma economia integrada à dinâmica do mundo globalizado. Deveríamos ter aproveitado a oportunidade para investir mais e melhor, sobretudo na infraestrutura e na educação, principais fatores determinantes da produtividade. Mas, infelizmente, não o fizemos. Preferimos aumentar os gastos do governo e dar estímulos fiscais à demanda, contribuindo para agravar a nossa estrutural insuficiência de poupança. Espantamos o investimento estrangeiro de longo prazo, com a falta de estabilidade das regras, com uma regulação barroca e discriminatória, com uma política macroeconômica incompetente e a opção por um capitalismo de Estado anacrônico.
O sr. tem proposto uma discussão, digamos, mais sofisticada sobre o que é crescimento econômico. Qual modelo de crescimento seria o ideal agora?
É preciso rever e adaptar o conceito de desenvolvimento, que hoje não deve mais estar baseado exclusivamente no aumento da produção doméstica e do consumo de bens materiais. Não faz sentido olhar apenas o porcentual do PIB. O projeto de desenvolvimento do século 21 deve levar em conta as evidências de que o bemestar depende da qualidade de vida, cujos elementos fundamentais são o sentido de comunidade e a confiança nos concidadãos, a saúde, o tempo com a família e os amigos e a ausência de stress emocional. As grandes propostas totalizantes ideológicas deixaram de fazer sentido. A ideia de rever o projeto de desenvolvimento está na essência da discussão atual. É o tema do momento. Os países mais avançados já perceberam isso. Nós não precisamos chegar ao patamar deles para fazer essa revisão. Desenvolvimento hoje é qualidade de vida, algo que a população já intuiu, como demonstram as recentes manifestações de ruas, mas que ainda não encontrou uma formulação clara. Hoje o que importa são questões concretas, relativas ao cotidiano, à eficiência administrativa. É preciso rever um Estado que absorve 36% da renda nacional, mas investe menos de 3% e consome grande parte dos recursos para sua própria operação. O Estado não pode continuar a ser percebido como um expropriador ilegítimo de uma fatia expressiva da renda da sociedade, sem contrapartida de serviços à altura, como um criador de dificuldades em todas as esferas da vida.
Qual será o impacto das demandas populares na condução da economia, ainda mais em véspera de eleição?
As ruas pediram seriedade e eficiência do Estado, não benefícios e vantagens. São demandas de quem amadureceu. Mas o governo corre o risco de não compreender, de continuar a tratar a população como primitiva e imatura, que pode ser cooptada por gestos demagógicos, o que agravaria o desequilíbrio das contas públicas, a insuficiência de poupança e investimento, que está na base do desempenho medíocre da economia.
O sinal de recuperação nos Estados Unidos mostra que o mundo está entrando em um novo ciclo?
É sempre difícil fazer previsões. Decretar o fim de um ciclo e o início de uma nova era é missão para os historiadores, com o benefício do olhar retroativo, mas parece haver um certo consenso de que a grande crise financeira de 2008 encerrou um período de excessivo otimismo em relação à capacidade de autorregulação dos mercados. Encerrou também, com certeza, a falsa impressão de que se tinha chegado à fórmula perfeita de condução da política macroeconômica, capaz de pôr fim à instabilidade cíclica das economias, de que se tinha chegado à era da “Grande Moderação”. A economia americana parece estar se recuperando, depois de mais tempo do que se imaginava e de doses maciças de estímulos monetários, num experimento inédito, cuja reversão, apenas anunciada para ter início no próximo ano, já causou grande turbulência nos mercados financeiros mundiais. Não me parece que a recuperação americana esteja consolidada. O desemprego caiu, mas continua alto, muita gente abandonou o mercado de trabalho e saiu das estatísticas de desemprego. Tenho a impressão de que vai passar por um ciclo semelhante ao do Japão desde o fim da bolha imobiliária, há já quase duas décadas. Como a economia e a sociedade são mais flexíveis, pode ser que o ciclo de estagnação seja menos prolongado.
Como ficam a Europa, os países emergentes e o Brasil?
A Europa ainda está um passo atrás dos Estados Unidos. A moeda única, adotada sem a integração financeira e fiscal, por economias com produtividades muito díspares, levou a um desequilíbrio entre elas, que foram explicitados de forma dramática com o fim da bolha financeira em 2008. Sem a capacidade de ajustes cambiais entre elas, atreladas à política monetária única do Banco Central Europeu, o ajuste deve vir primordialmente da redução do gasto público e da redução de salários nos países menos competitivos. É umprocesso extremamente longo e penoso. A alternativa para os países periféricos seria abandonar a moeda única, ao menos transitoriamente, algo que, embora seja tecnicamente possível, tem altos riscos econômicos e políticos. Os mercados emergentes foram beneficiados. Com as taxas de juros próximas de zero no mundo desenvolvido, o capital se redirecionou para as economias emergentes, onde havia boas oportunidades. O Brasil foi beneficiado. O influxo de capitais foi tal que provocou a valorização do real. Nos últimos meses assistimos à reversão do quadro e, como a economia brasileira não cresce como se esperava, os equívocos da política macroeconômica ficam evidentes.