A Alemanha e a Noruega manifestaram contrariedade com a proposta do governo de Jair Bolsonaro de alterar a estrutura de governança e o destino dos recursos do Fundo Amazônia, o programa de financiamento à proteção da maior floresta tropical do mundo. Os europeus também rejeitaram as insinuações do governo brasileiro de que há indícios de irregularidades em contratos do fundo.
O Fundo Amazônia foi criado em 2008 majoritariamente com doações da Alemanha e da Noruega, responsáveis por 99% dos 3,3 bilhões de reais que já foram repassados. A verba é administrada por uma equipe montada para cumprir essa tarefa dentro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os projetos financiados têm como objetivo a redução do desmatamento e da emissão de gases de efeito estufa.
Em uma carta enviada aos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, os dois governos europeus defenderam o atual modelo de gestão e afirmaram que nenhuma das "auditorias financeiras ou de impacto que foram realizadas revelou qualquer ato ilegal ou de má gestão de recursos do fundo".
"Esperamos que o BNDES continue a administrar o fundo e a aprovar os projetos planejados, de acordo com os entendimentos e diretrizes existentes. Nós também acreditamos que o aperfeiçoamento da eficiência, impacto e transparência do fundo podem ser abordados dentro da atual estrutura de governança", diz a carta, que foi assinada pelos embaixadores Georg Witschel, da Alemanha, e Nils Gunneng, da Noruega.
O documento foi encaminhado no dia 5 de junho aos ministros brasileiros e revelado nesta terça-feira (11/06) pelo portal G1 e pelo jornal O Estado de S. Paulo.
A declaração dos embaixadores foi uma resposta aos planos do ministro Ricardo Salles de alterar a estrutura do Fundo Amazônia e aumentar a participação do governo na gestão.
No fim de maio, Salles encaminhou um documento formalizando uma proposta para permitir que os recursos possam ser usados para indenizar proprietários que vivem em áreas incluídas em unidades de conservação da Amazônia. Hoje, pelas regras do fundo acordadas pelos três países, isso não é permitido.
Salles defendeu ainda mudanças na composição e regras do Comitê Orientador do fundo (Cofa) para aumentar a participação do governo Bolsonaro.
Nas últimas semanas, o ministro também vem pressionando o BNDES. Em maio, o banco afastou Daniela Baccas, que tinha 15 anos de carreira no banco e era responsável pela gestão do fundo. O motivo do desligamento, segundo o BNDES, seria a averiguação das suspeitas levantadas pelo ministério. A decisão ocorreu após Salles ter anunciado que sua pasta teria encontrado indícios de "inconsistências" em contratos que recebem apoio do fundo.
Em condição de anonimato, funcionários do BNDES disseram à DW Brasil que o ministro teria iniciado uma "cruzada" contra o fundo, com falas agressivas contra a equipe e ausência de propostas.
Na carta, os embaixadores não só rejeitaram a possibilidade de problemas nos contratos como defenderam o atual modelo de composição do Cofa e a independência do BNDES para gerir o fundo.
"A estrutura de governança do Cofa vem servindo bem ao Fundo Amazônia por mais de 10 anos. Contar com uma representação diversificada e balanceada de autoridades e de membros da sociedade civil no Cofa contribui para uma maior transparência de informação e de prestação de contas na tomada de decisões. […] A competência e independência do BNDES na gestão do fundo é chave", diz o documento. "A governança do fundo segue as melhores práticas globais de governo aberto e participação democrática.”
Ainda segundo os embaixadores, o fato de o BNDES – e não o Cofa –, ser responsável por aprovar os projetos evita potenciais conflitos de interesse.
A carta ainda aborda a redução do desmatamento da Amazônia nos últimos 15 anos e aponta que "a experiência brasileira mostra que governos isoladamente não conseguem reduzir o desmatamento" e que isso demanda um "esforço conjunto entre autoridades públicas, empresas, ONGs e comunidades locais".
Por fim, os embaixadores afirmam que qualquer mudança para "o aperfeiçoamento da eficiência, impacto e transparência do fundo" deve ser abordada "dentro da atual estrutura de governança" do fundo.