Rubens Valente
Brasília
Nenhum estado brasileiro atualmente está livre de confrontos entre facções criminosas. Tal realidade fez crescer o número de homicídios no país, segundo a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência).
A Polícia Federal vê uma escala armamentista entre as facções e diz que a “situação é bem crítica” na região amazônica, incluindo confrontos entre os grupos CV (Comando Vermelho) e FDN (Família do Norte), embora a segunda esteja perdendo relevância a partir de um racha interno e de uma operação conjunta de repressão desencadeada pela PF e Ministério Público.
O quadro foi apresentado nesta terça-feira (4) por representantes da Abin e da PF em Brasília ao CJF (Conselho de Justiça Federal) em seminário promovido por juízes federais para sugerir mudanças nas regras do sistema penitenciário federal.
“No Acre, as facções disputam acesso de rotas. O Comando Vermelho chegou recentemente para disputar a rota lá. Essa disputa fez aumentar significativamente a violência. Hoje o Acre está entre os três estados mais violentos do país. Assim é em todos os estados, sempre onde há disputa acirrada entre facções, tem sido elevado o número de homicídios”, disse Gustavo Bezerra, servidor da ABIN.
O tema das facções criminosas passou a ser de interesse da agência porque “adquiriu contornos que necessitam atenção além dos órgãos de segurança tradicionais”, uma criminalidade organizada que “representa grave ameaça à sociedade, ao Estado e à segurança institucional”. A ABIN vê “uma escalada do poderio bélico” das quadrilhas, com “ataques ostensivos e execuções seletivas” de servidores públicos da segurança.
“São modos de agir que as facções empregam a fim de impor sua agenda ao Estado”, disse Bezerra, citando documento apreendido em Boa Vista (RR) que mostrou que o PCC (Primeiro Comando da Capital) havia “mapeado as casas de policiais militares”. Em outro episódio, em junho passado, foi apreendida em Fortaleza (CE) “uma granada do Exército peruano, o que demonstra que tiveram acesso a armamento numa cidade localizada a mais de 6 mil km de distância”, segundo Bezerra.
Coordenador de repressão a crimes violentos da coordenação da Polícia Federal de Repressão a Drogas e Facções Criminosas, o delegado Alexandre Custódio Neto afirmou aos juízes federais na plateia que “nos últimos anos houve aumento considerável de casos de tráfico de armas, especialmente fuzis e pistolas, e munições em grandes carregamentos” do Paraguai para o Brasil.
Também foi detectado, segundo o delegado, “em 2017 e 2018 um aumento de contrabando de armas de origem norte-americana” remetidas para a Bolívia. O movimento indica que as facções brasileiras estão se armando para os confrontos com rivais e também para roubos a cargas e bancos.
No Norte do país, segundo o delegado, as cargas com drogas “estão subindo com escolta [armada] pelos rios amazônicas”. No Sudeste brasileiro, são contratados “grupos especializados em assaltos a banco” para atuar na logística de transporte. Nos portos do país há também “a logística de outro grupo criminoso”. “É importante dizer que não existe [apenas] um negócio da facção, existem vários grupos e quadrilhas que integram as facções. Se eles tiverem como se associar a outro membro da facção, o farão. Não há como imaginar que estamos falando de uma organização de 30 mil homens de um grupo único, com caixa único. Não é assim que funcionam as coisas”, disse Custódio.
A PF estabeleceu critérios básicos para definir uma facção criminosa: atuação em âmbito nacional, contrapartida de seus integrantes (em dinheiro ou prestação de "serviços") e algum grau de poder político. Para o órgão, apenas três grupos se enquadram nessa definição, o PCC, o CV e a FDN. O Ministério da Segurança Pública trabalha com número bem maior, de 80 facções, mas o delegado considera que muitas são apenas “grupos locais, algumas são verdadeiras gangues e atuam no bairro”.
Custódio afirmou que a hierarquia do PCC e da FDN é “rígida”, com algumas das principais ordens centralizadas, enquanto a do CV é “delegada” e, por isso, mais difícil de ser combatida. A FDN, que esteve no centro dos massacres ocorridos no início de 2017 nas penitenciárias de Manaus (AM) e Boa Vista (RR), tem perdido força, segundo a PF, por duas razões: a Operação La Muralla, desencadeada pela PF e pelo MPF em novembro de 2015, que atingiu os principais líderes do grupo, e uma dissidência interna. Diversos membros deixaram o grupo em obediência ao preso Gelson Carnaúba, o “Mano G”, e atualmente integram o CV.
Segundo o delegado, foi detectada “uma forte presença” do PCC no Porto de Santos, onde uma operação da PF prendeu, em setembro do ano passado, oito investigados. O grupo trabalha, conforme Custódio, “na logística de embarque de cocaína com destino à Europa” em apoio a organizações criminosas estrangeiras, especialmente sérvias e croatas.
O principal método usado pelas quadrilhas nos portos, segundo a PF, tem sido o “rip on/rip off”, que é a introdução de grandes quantidades de droga diretamente nos navios no porto ou já em alto-mar por meio de "içamento da carga", o que dribla o método mais comum de inserir a droga no contêiner sem o conhecimento do exportador.
A PF registrou um aumento importante da droga apreendida no país. “No ano passado foram apreendidas 41,8 toneladas de cocaína, isso só a Polícia Federal, batemos o recorde. Este ano estamos com 47 toneladas, indo para 60 toneladas [apreendidas]”, disse Custódio.
No mesmo seminário organizado pelos juízes federais, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes voltou a defender endurecimento de leis e regramentos penais, como a mudança de progressão de regime dos atuais 1/6 da pena para metade da pena nos casos de presos reincidentes em crimes graves. Uma proposta elaborada por uma comissão presidida por Moraes foi entregue à Câmara dos Deputados.