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A questão Venezuelana: Uma Pedra no Sapato

Coronel Ricardo Trovizo


A questão venezuelana, provavelmente, perdurará por algum tempo e com potencial de trazer crescente instabilidade para as Américas por extrapolar conjunturas estritamente regionais.

Além disso, o sucedâneo do regime de Chávez poderá ser o maior desafio geopolítico a ser enfrentado pelos Estados Unidos em sua área de influência imediata.

Ao tomar-se como paradigma o caso cubano, tem-se a medida da dificuldade para apear-se uma ditadura na América Latina. O regime castrista assola a ilha caribenha há décadas, o que desafia os esforços estadunidenses, inclusive com incursões militares limitadas, para viabilizar um governo democrático, e simpático aos Estados Unidos (EUA), naquele vizinho próximo.

Isto tudo mesmo em meio à liberdade de ação conferida pela “Guerra Fria” no período no qual vigorou. Note-se que ao contrário de Cuba, a Venezuela, embora minoritária, constitui-se em insubstituível fornecedora de petróleo para os EUA por dois motivos.:

Primeiro, o “crudo” extraído das bacias de Maracaibo e do Orinoco leva apenas 4 dias, em média, para estar nas refinarias da Luisiana e do Texas, enquanto que o petróleo proveniente do Oriente Médio leva por volta de 15 dias. O tempo de transporte do óleo venezuelano, quase quatro vezes menor, contribui para a segurança do fluxo de fornecimento, aspecto essencial para o setor petrolífero estadunidense.;

O segundo motivo decorre de o petróleo venezuelano ser classificado como ultra-pesado e pesado, variando entre 9 e 25 API, o país é detentor das maiores reservas mundiais deste tipo de petróleo. Embora seja um produto mais custoso ao refino e que demanda mais tecnologia para seu beneficiamento, o produto venezuelano é essencial para a indústria petroquímica “ianque”, coisa que o óleo do Oriente Médio, de altíssima qualidade (acima de 33 API), não se presta, uma vez que é vocacionado basicamente para o setor energético.

A localização da Venezuela lhe confere posição estratégica. Dessa forma, constitui-se no porto continental sul-americano mais próximo da Europa, seu mar territorial com dupla vertente, caribenha e atlântica, possibilita afetar a circulação do Canal do Panamá e a torna lindeira com os Estados Unidos (Porto Rico). Ou seja, indiscutivelmente aquele país detém condição geográfica privilegiada numa área que desperta crescentes interesses por parte do mundo globalizado.

Não por acaso, a China se prontificou a concretizar a abertura de um segundo canal de navegação na América Central (Nicarágua). Intento que vem sendo obstado pelos EUA. Entretanto, o gigante asiático não esconde seus interesses comerciais na região com foco na área de infraestrutura.

Neste contexto, a conjuntura venezuelana é a oportunidade perfeita para ampliar a presença econômica naquela área, particularmente num momento em que a administração Trump busca endurecer as relações comerciais regionais com o fito de muscular seu mercado interno.

Ainda neste enfoque, aliado de primeira hora de Hugo Chávez, a Rússia tem ampliado o fornecimento de material de emprego militar ao regime de Maduro, talvez insuficiente para transformar o país sul-americano numa ameaça militar de monta, mas o bastante para estreitar os laços com aquela plataforma estratégica no coração das Américas, que também se constitui em rica província mineral.

Além disto, justificar seus importantes interesses na região. Nesta conjuntura, Rússia e China emergem como fiadores do madurismo. Este apoio avulta de importância na medida em que representam dois votos com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU.

Tem-se, então, um cenário geopolítico digno da complexidade dos atuais tempos de globalização: um país na área de influência direta dos EUA, detentor de interesses vitais para a superpotência ocidental, porém já sob a égide de Rússia e China.

Enquanto esta situação perdurar, estará configurado o “tabuleiro geopolítico” no qual o país vizinho do Brasil ao Norte serviria de “moeda de troca” para evitar eventuais “intromissões” ocidentais na Síria (área de interesse russa) e Taiwan (área de interesse chinesa).

Já no plano interno, embora com algumas defecções no meio militar, pode-se traduzir Nicolás Maduro como a ponta aparente de um sistema que congrega correntes políticas e de interesses bolivarianos. Dentre as quais se destacam: os Diosdalistas, “Capitan” Diosdado Cabello, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, chavista tradicional, tendo sido revolucionário e Vice-Presidente de Hugo Chavéz, figura carismática e comunicador de massas; e os Padrinistas , General Padrino Lopes, – Ministro Popular para a Defesa, militar de carreira que aparenta liderança sobre o estamento militar venezuelano. Esta arquitetura urdida de maneira competente, desde os tempos de Hugo Chávez, baseada num exitoso, por isto desastroso, projeto hegemônico nos meios escolares em geral e na Academia em particular, tem se mostrado capaz de sustentar o regime mesmo diante de um constante quadro de instabilidade e de falta de legitimidade que já perdura por meia década.

Hoje, o ponto central desta sustentação reside no apoio diplomático, econômico e militar advindo do Leste. Note-se que o interesse daqueles países reside na manutenção do regime e não propriamente na defesa de Nicolás Maduro.

Deste modo, existe a hipótese de substituição daquele líder político, não para restaurar a democracia, mas sim para possibilitar a sobrevida do regime. Deste modo, é compreensível todo o esforço de Maduro para inspirar-se no modelo cubano, não só pelos desígnios ideológicos, como também pela capacidade de se equilibrar em centro de gravidade extra-regional.

Neste contexto, embora haja ambiente propício à queda da ditadura venezuelana, é perfeitamente crível que a conjuntura bolivariana continue a ser “uma pedra no sapato” da estabilidade americana por mais algum tempo.

Ricardo Trovizo é Coronel de Cavalaria do EB – trovizo.castro@eb.mil.br

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