Eduardo de Oliveira Fernandes
Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo
Centro de Altos Estudos de Segurança (CAES), especialista
em Ciências Sociais, Bacharel em Direito, professor de Ciência Política
e Sociologia da Violência da Academia de Polícia Militar do Barro Branco e
de Sociologia das Faculdades Pitágoras. É autor do livro
”As Ações terroristas do crime organizado”, São Paulo, Livrus, 2012.
edofer@uol.com.br
O ano de 2015 – praticamente em seus estertores – seguramente, já foi palco de uma sanha devastadora das organizações terroristas que ganharam notoriedade e caixa de ressonância por conta de atentados levados a efeito na Europa, Ásia e África.
A indigência desses atos pôde ser constatada por meio dos massacres praticados contra civis, bombardeios de aviões, limpezas étnicas, escravização de minorias, sequestros de jovens do sexo feminino, destruição de templos religiosos, atentados em casas noturnas, redações de jornal e estádios de futebol, execução de infiéis, apóstatas e homossexuais, ofertando grandiosa notoriedade e publicidade para organizações terroristas como o Estado Islâmico, Al Qaeda, Boko Haram, Al Shabab.
A linguagem do terror, por conta de tais acontecimentos, invadiu indiscriminadamente o noticiário das televisões de todos os lares do mundo, atingindo, dessa forma, mentes e corações, restando claro que a interpretação, aceitabilidade e repúdio desse fenômeno sempre depende dos valores disseminados em uma determinada sociedade, fruto de suas experiências, tradições históricas e religiosas.
Nesse interregno, muito se questionou sobre a eficácia das medidas de contenção, dissuasão e enfrentamento do terrorismo em países de primeiro mundo que já dispõem de legislações antiterroristas e não foram capazes de evitar a sua incidência.
No Brasil – o país do “homem cordial” e de todas as ambiguidades- a reação da grande maioria, quanto aos ataques ocorridos em Paris, em 13 de novembro de 2015, foi extremamente emocional e de grande incredulidade diante do choque provocado por imagens de medo e desespero exibidas pelas principais redes de televisão do mundo, ainda que a menos de uma semana convivia-se com o desastre ecológico de Mariana/MG em razão dorompimento das barragens de rejeitos provenientes da mineração explorada por uma grande empresa do setor.
Grosso modo, em terras brasileiras, o repúdio e a indignação quanto aos ataques em território parisiense foi praticamente geral e o medo ali captado foi empírica e temporariamente transportado para a nossa realidade nacional, apesar de termos, por conta da nossa cordial e ambígua interpretação da realidade, a percepção de que o Brasil é um país sem qualquer discriminação, sem racismo, sem conflito religioso e tampouco guerra, sendo muito comum nesse momento a repetição da frase “Nous sommes Paris” nas redes sociais.
Ora, se todos nós somos Paris – em português bem claro – deveríamos, ao menos, nos preocupar com a ideia de que o Rio de Janeiro será a sede, no ano de 2016, dos Jogos Olímpicos, oportunidade em que dezenas de delegações dos mais diferentes países estarão presentes em nosso território, que é reconhecidamente desprovido de legislação antiterrorismo.
Ora, se somos todos cordiais – novamente em referência à obra Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda- e agimos com alto grau de ambiguidade, deveríamos, ao menos em uma análise rasa, considerar o fato de o Brasil, normalmente, não ser taxado como provável alvo do terrorismo internacional, mas que, ainda assim, poderia ser palco de atentados diante dos eventos internacionais que se avizinham.
Sem uma explicação muito precisa, a discussão política e legislativa para tentar suplantar a nossa explícita desinteligência em relação à política de antiterrorismo esbarra emuma grande resistência de grupos políticos-ideológicos, sociais e outros ativistas que consideram a existência de interesses de setores mais conservadores da política brasileira em nominar de terroristas os manifestantes, integrantes de táticas, coletivos e/ou os movimentos sociais propriamente ditos tais como sem-teto, sem-terra e os recentes Black-Blocs como se, em um passe de mágica, estivéssemos inventando o terrorismo tão ao arrepio da nossa realidade social tão cordial.
Esse recorrente atavismo interpretativo enxerga que apenas e tão somente por pressões internacionais o Brasil tipificará o crime de terrorismo, desconsiderando os eventos de alcance terrorista não tão antigos de quebra da ordem pública (ondas de ataques do Primeiro Comando da Capital – PCC, em 2006, no Estado de São Paulo) e reativando a nossa antiga característica da amnésia coletiva, que momentaneamente desperta nossa comoção em relação aos ataques ocorridos em Paris e esquece as suas próprias mazelas internas, quase que aguardando pela ocorrência de uma nova desgraça em escala mundial para reacender a necessidade de combatê-la com os meios legais e institucionais que ainda não dispomos.
Ao encerrar este artigo, concluo que a indigência do terrorismo continuará nos assombrando, mas com a nítida percepção de que a nossa desinteligência em relação à política de antiterrorismo precisa ser superada, pois, de outro modo, em nova situação fora do normal, a mesma sociedade que postula a imunidade brasileira quanto a tornar-se possível alvo de ataque terroristas será a mesma que alegará peremptoriamente que o Brasil não se preparou para o enfrentamento de sua possível e peculiar condição de palco.