Eliane Cantanhêde
O Estado de São Paulo
23 de fevereiro de 2020
O Brasil está sofrendo pressões dos dois lados de uma guerra pós-contemporânea que tende a ter grande impacto na humanidade e tem nome curto, na verdade, uma sigla: 5G. Por trás desse avanço revolucionário há uma disputa entre Estados Unidos e China pela dominação do mundo no futuro.
Parece exagero? Pode ser, mas os estrategistas dos países desenvolvidos se debruçam sobre o tema e o governo brasileiro, providencialmente cauteloso, criou um grupo de trabalho para analisar a questão sob os vários aspectos que ela abrange: financeiro, tecnológico, econômico e político, considerando a segurança de dados públicos, privados e individuais. Não é pouco. E não é fácil.
Tanto os chineses pressionam o Brasil a favor do 5-G da Huawei, alegando preços menores e capacidade maior, quanto os americanos trabalham em sentido contrário, alertando para a “ameaça” que pode representar para a soberania nacional uma empresa estatal da China na área de dados.
Em resumo, há temor de que a China, hoje segunda maior potência, possa usar o 5G para não só coletar, mas manipular dados de defesa, comunicações, energia elétrica, estradas, controle aéreo e florestas. Além de reunir o maior banco de dados de indivíduos do mundo. O governo chinês, que não é exatamente uma democracia, teria o controle de algo preciosíssimo nas disputas entre potências: informação. E, pior: poderia ter o controle remoto do funcionamento de todo o País. Com um botão, desligar uma hidrelétrica.
Evidentemente, nenhum dos dois lados é santo e os Estados Unidos não estão preocupados em preservar dados e bases estratégicas brasileiros, mas sim sua própria hegemonia. Aliás, faz pouco tempo, uns cinco anos, que se descobriu que a NSA, agência de espionagem americana, grampeava a presidente Dilma Rousseff, 29 membros do governo e estatais, como a Petrobrás.
Já que o presidente Jair Bolsonaro vai aos EUA em março, é bom lembrar que a diplomacia, a economia e a agricultura brasileiras têm recolocado no eixo as relações com a China, que haviam sido ameaçadas pelo presidente, mas a prioridade das prioridades é a parceria com os EUA, ou melhor, com o governo Donald Trump.
Essa parceria vai bem, com pelo menos dez pontos prioritários. Trump lota aviões de brasileiros ilegais (que aumentaram entre 700% e 1000% em 2019) para despejá-los de volta, mas Bolsonaro lava as mãos e até estimula, considerando que esse é um problema menor. Quem arrisca que se vire. O importante é o interesse nacional.
Brasil e EUA, que se unem a regimes como o da Hungria e Polônia tendo como pretexto uma tal de “Aliança pela Liberdade Religiosa”, estão na verdade construindo um eixo internacional ideológico, de direita. E isso serve de liga para uma aproximação bilateral crescente em comércio, investimentos, energia, uso da Base de Alcântara (MA), pesquisa, tecnologia, cooperação em diferentes áreas, inclusive defesa, tão cara a Bolsonaro.
E é precisamente aí, nesse pacote, que o governo americano tem mandado um recado nada sutil para o brasileiro: as negociações e acordos vão de vento em popa, mas uma eventual adesão do Brasil à tecnologia 5G da China terá consequências e poderá prejudicar a aproximação, principalmente na área de defesa.
As guerras já foram com soldados em terra, passaram a ser por mísseis, resvalaram para uma fase nuclear e agora caminham para ser mais sofisticadas. A nova guerra é digital, pelo controle do mundo via dados. Não tem jeito: o 5G veio para ficar e, assim como todos os países, o Brasil vai ter que optar pelo modelo que melhor lhe convier, estrategicamente. Mas todo cuidado é pouco na hora de decidir. Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come.