Gen Ex R1 Maynard Marques de Santa Rosa
No Brasil atual, mostram os fatos que a regra do jogo existente não mais atende às necessidades de gestão da sociedade. São 60 mil homicídios por ano, superando as baixas da guerra da Síria e do Afeganistão somadas. E o crescimento pífio do PIB a uma taxa anual inferior a 2% não é condizente com o potencial do país que apresenta maior vantagem competitiva dentre os emergentes globais.
O Brasil funciona como um grande condomínio onde todos contribuem para o caixa, mas em que alguns condôminos mais espertos conseguem controlar a Assembleia Geral, para abocanhar 92% das receitas, deixando apenas 8 % para o síndico administrar as despesas comuns e investir nas benfeitorias necessárias.
A ordem jurídica tornou o governo refém do Congresso e, naturalmente, vulnerável ao Judiciário. Em um processo gradual e progressivo, o Poder Executivo foi sendo emparedado e tolhido, a partir de 1988, tudo em nome da democracia.
Com o tempo, chegou-se à situação atual, em que um juiz federal de 1ª instância tem o poder de invalidar, liminarmente, uma decisão estratégica do presidente, para atender a interesse particular, sem levar em consideração o interesse do conjunto. A grande vítima, em última análise, é o povo, que elege o governante na esperança de melhores dias, mas desconhece as suas limitações legais.
É notório que as decisões do governo passam, sistematicamente, pelo crivo do patrulhamento de adversários externos e internos, gerando ações do Ministério Público, decisões judiciais em favor de terceiros e contestações de todo tipo no âmbito do Congresso, para entravá-lo. Se todo o poder emana do povo, como é possível o uso de subterfúgios para impedir que se lhe cumpra a vontade soberana?
A legislação que rege contratos e licitações é pródiga em mecanismos de controle que não impedem a manipulação desonesta, mas ensejam brechas para contestações indevidas e ingerências que retardam as soluções, embaraçando a gestão. A partir de 1988, os órgãos de controle tiveram suas atribuições e estruturas hipertrofiadas, tornando-se caros e intrusivos.
Note-se que nesse mesmo período ocorreram as grandes negociatas, mensalões e escândalos da Petrobrás e dos fundos de pensão, não tendo sido o modelo legal capaz de evitá-los. Porém, o excesso de ingerência afetou a produtividade administrativa, ao sujeitar a gestão às injunções do TCU e do Ministério Público, cuja cultura alimenta demandas e estimula denúncias anônimas, mesmo a despeito das garantias do inciso 4 do Art. 5º da CF.
Por outro lado, a divisão interna do poder no âmbito do Executivo tornou-se sintomática. O poder real está praticamente concentrado em um único ministério hegemônico. No desenho inicial de 2019, a pasta da Economia abarcou a Fazenda, o Planejamento, o Trabalho, o Desenvolvimento e a Previdência. Após reforçada com o PPI, transferido recentemente da Casa Civil, avançou, também, sobre a Infraestrutura e as Minas e Energia.
É que, não havendo recurso orçamentário para investimento, a solução que resta para as grandes obras vem da iniciativa privada, administrada pelo PPI. Com isso, os ministérios passam a pertencer a duas ordens de grandeza: a dos que geram receita e prestígio, liderada pelo ME, e a dos que são dependentes, porque só geram despesa.
Um fato que pode alterar o “status” existente é a adesão à OCDE, processo iniciado no governo Temer, quando o Brasil formalizou a sua candidatura. Recentemente, Donald Trump avalizou a proposta brasileira e pediu urgência no seu atendimento. O processo tramita na direção de um desfecho rápido e favorável.
Após a adesão, terá de ser ativado o Centro de Governo, implicando a reestruturação da cúpula governamental. Deverá ser adotado um modelo de gestão estratégica, e o planejamento governamental voltará a ser centralizado, desafiando a cultura existente de autonomia ministerial.
O Centro de Governo terá de definir a agenda de metas estratégicas, coordenar as atividades comuns aos ministérios e integrar os esforços da administração federal. Por um canal transverso, o país recupera, dessa forma, as bases de uma cultura organizacional virtuosa perdida após os anos 1970.
Finalmente, merecem uma avaliação de custo x benefício os demais poderes da República e o sistema político nacional. Pode o Legislativo funcionar bem com o poder pulverizado entre 513 deputados e 81 senadores? E como identificar-se o cidadão com o ideário político diluído em 33 partidos registrados, mais 42 em processo de formação?
Evocando as reflexões de Alexis de Tocqueville, pode-se concluir que, nestas condições, não é possível se chegar a um consenso. E sem consenso, o Brasil descreve uma trajetória sem rumo. Portanto, é preciso atualizar as regras do jogo político, para adequar a gestão à realidade da sociedade atual.