O Presidente Fernando Collor e o Ministro do Meio Ambiente José Lutzemberger junto com José Goldemberg, Ministro da Ciência e Tecnologia (não visível) lançam cal no poço de 320 m de profundidade na serra do Cachimbo. O poço seria usado para testes atômicos subterrâneos. Data 18 setembro 1990.
Gabriel Mattos
Cova Aberta
Reportagens, artigos e opiniões sobre um mundo não convencional
8 Abril 2025
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Quando se ouve falar de “armas nucleares”, automaticamente se lembra do final da Segunda Guerra Mundial com os ataques em Hiroshima e Nagasaki. Após isso, durante toda a metade do século XX, o mundo entrou em uma tensão por conta destas novas armas que mudaram completamente o cenário político e militar do mundo.
Grandes potências correram atrás de suas próprias bombas atômicas e não totalmente sem motivos. E apesar de o Brasil não dispor oficialmente deste tipo de equipamento, é conhecido que já foi cogitada a possibilidade de desenvolver tais armamentos em terras tupiniquins. Essa história, inclusive, ainda está cercada de polêmicas e segredos. Contudo, sim: o Brasil já esteve bem próximo de ter suas próprias armas nucleares e alguns afirmam até mesmo que as Forças Armadas já dispõem delas em segredo. Mas vamos por partes.
O cenário nuclear do Brasil
Comecemos “do começo”. A trajetória da energia nuclear no Brasil remonta ainda à década de 1930, quando as primeiras pesquisas teóricas começaram a ser desenvolvidas no país. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil forneceu minerais estratégicos, como monazita, tório e urânio, para projetos nucleares internacionais, incluindo o Projeto Manhattan nos Estados Unidos – apesar de não se saber se o governo brasileiro tinha a mais vaga noção do que acontecia em Los Alamos. Em 1951, foi criado o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), liderado pelo almirante Álvaro Alberto, com o objetivo de promover o desenvolvimento científico e tecnológico no país, incluindo a área nuclear.
Em 1975, o Brasil firmou um acordo de cooperação nuclear com a Alemanha Ocidental, visando à construção de oito usinas nucleares e ao desenvolvimento de tecnologia de enriquecimento de urânio. Contudo, esse acordo resultou apenas na construção das usinas de Angra 1 e Angra 2, localizadas na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, em Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Angra 1 entrou em operação comercial em 1985, enquanto Angra 2 iniciou suas operações em 2001.
Atualmente, a energia nuclear representa cerca de 2% da matriz elétrica brasileira, justamente com as usinas de Angra 1 e Angra 2 em funcionamento. A construção de Angra 3, iniciada na década de 1980, enfrentou diversas interrupções ao longo dos anos devido a questões financeiras e investigações de corrupção. No momento, o futuro desta usina é incerto.
O cenário atual aponta para uma possível expansão da energia nuclear no Brasil, impulsionada pela necessidade de diversificação da matriz energética e pela busca por fontes de energia de baixa emissão de carbono. A Agência Internacional de Energia Atômica projeta um aumento na participação da energia nuclear no país, considerando novas tecnologias, como os pequenos reatores modulares (SMRs), e o interesse em concluir projetos como Angra 3. No entanto, debates sobre os altos custos e a viabilidade econômica dessas iniciativas continuam a influenciar as decisões governamentais e empresariais no setor.

“Los Alamos Brasileira”
Nós raramente nos damos conta do quanto o Brasil é grande e possui áreas inóspitas e misteriosas. Dessa forma, não seria “improvável” qualquer construção localizada em áreas remotas cuja existência é conhecida por pouquíssimas pessoas. Este é o caso da Serra do Cachimbo.
Localizada no sul do estado do Pará, esta é uma região de significativa importância estratégica para o Brasil. Caracteriza-se por sua geografia diversificada, servindo como nascente para diversos rios e abrigando uma biodiversidade notável. Além disso, a área é conhecida por sediar instalações militares de relevância nacional. Em 1954, foi inaugurado o Campo de Provas Brigadeiro Velloso (CPBV), uma base militar estabelecida com o objetivo de apoiar operações aéreas e facilitar a ligação entre as regiões Norte e Sudeste do país. A cerimônia de inauguração contou com a presença do então presidente Getúlio Vargas. Com uma área de aproximadamente 21.588 km², o CPBV tornou-se um dos principais complexos de testes e treinamentos das Forças Armadas brasileiras.
Atualmente, o Campo de Provas Brigadeiro Velloso continua ativo, servindo como local para exercícios militares e treinamentos conjuntos das Forças Armadas. A região também abriga a Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, criada em 2005, visando à preservação ambiental e à proteção das nascentes dos rios que ali se originam. Assim, a Serra do Cachimbo permanece como um ponto de convergência entre interesses estratégicos de defesa e conservação ambiental no Brasil.
Durante a década de 1980, a Serra do Cachimbo esteve no centro de controvérsias relacionadas ao programa nuclear brasileiro, a colocando quase como a “Los Alamos Brasileira”.
Em 1986, foi publicado no jornal Folha de S. Paulo uma reportagem revelando a descoberta de estruturas na região destinadas a testes nucleares subterrâneos, evidenciando a existência de um programa nuclear paralelo conduzido durante o regime militar. Essas estruturas consistiam em poços ou covas revestidas de cimento, com cerca de 320 metros de profundidade e aproximadamente um metro de diâmetro, criadas para servir como locais de detonação controlada para testes de explosivos nucleares. A descoberta dessas instalações chocou a opinião pública, pois demonstrava que o país havia avançado significativamente na tecnologia nuclear militar, mesmo que o programa jamais tenha chegado a produzir uma bomba efetiva.
Esses poços foram escavados secretamente como parte de um projeto mais amplo que envolvia a Marinha, o Exército e a Aeronáutica, coordenado de maneira paralela ao programa nuclear oficial – não é confirmado, mas muito provavelmente a Alemanha tinha envolvimento e conhecimento do projeto. A intenção era desenvolver a capacidade de testar explosivos nucleares de forma controlada, permitindo, em teoria, que o Brasil se aproximasse de um arsenal nuclear. O caráter secreto do empreendimento refletia a ambição do regime militar de ampliar a autonomia tecnológica e estratégica do país, mas também gerava um clima de incerteza e receio quanto aos possíveis impactos ambientais e à segurança nacional.
O ponto de virada ocorreu em 1990, quando o presidente Fernando Collor de Mello visitou a região e, em um gesto simbólico, lançou uma pá de cal sobre a entrada de um dos poços. Esse ato marcou o encerramento oficial das atividades de testes nucleares na base da Serra do Cachimbo e foi amplamente divulgado, evidenciando a mudança de postura do país em relação ao desenvolvimento de armamentos nucleares. A medida foi tomada em meio a pressões internas e internacionais para que o Brasil adotasse uma política de uso pacífico da tecnologia nuclear, conforme estabelecido na nova Constituição de 1988 e em acordos de não proliferação.
Situação similar à de Israel?
Hans Rühle, ex-oficial e analista de segurança nuclear, chegou a afirmar que o Brasil poderia, de fato, estar desenvolvendo armas nucleares e que o “programa paralelo” iniciado durante o regime militar nunca foi formalmente encerrado. Segundo Rühle, embora o governo tenha tomado medidas públicas para encerrar o projeto – como o ato simbólico de Fernando Collor em 1990 – elementos das pesquisas e atividades secretas poderiam ter continuado em caráter latente dentro dos setores militares e científicos do país.
Para Rühle, essa persistência se justificaria pela ambição de alguns setores das Forças Armadas de manter uma capacidade tecnológica que possibilitasse o desenvolvimento de armamento nuclear como forma de dissuasão. Ele argumentava que, mesmo após as declarações oficiais de uso pacífico da energia nuclear, o aparato tecnológico e o conhecimento acumulado durante o “programa paralelo” teriam sido mantidos e adaptados para fins militares, sem que isso fosse amplamente divulgado ou reconhecido. Essa visão, embora polêmica, ressalta as ambiguidades que cercam a história do programa nuclear brasileiro.
Embora haja especulações e teorias — inclusive de alguns especialistas, como Hans Rühle — sobre a possibilidade de o Brasil ter desenvolvido uma capacidade latente para armas nucleares, não há evidências oficiais que confirmem a existência de uma bomba atômica brasileira. O país é signatário de tratados internacionais como o TNP e o Tratado de Tlatelolco, que, conjuntamente, impõem restrições rigorosas à proliferação de armamentos nucleares e reforçam o compromisso com o uso pacífico da energia nuclear.
Diferentemente da política de ambiguidade nuclear adotada por Israel, onde a posse de armamento nuclear é mantida em segredo como forma de dissuasão, o Brasil tem enfatizado publicamente seu enfoque em aplicações civis e pacíficas da tecnologia nuclear. Embora o “programa paralelo” iniciado durante o regime militar tenha levantado dúvidas e gerado controvérsias ao sugerir esforços para o desenvolvimento de uma bomba, medidas posteriores e a adesão aos compromissos internacionais indicam uma orientação para a transparência e o uso pacífico da tecnologia.
É importante, contudo, notar que as afirmações de Hans Rühle geram debates intensos entre especialistas e historiadores. Enquanto alguns concordam que o Brasil pode ter mantido uma capacidade latente no campo nuclear, outros argumentam que as medidas tomadas na década de 1990, associadas à adesão a tratados internacionais e à nova Constituição, reforçaram o compromisso do país com o uso pacífico da tecnologia nuclear. Dessa forma, a alegação de Rühle continua sendo objeto de controvérsia e não possui consenso definitivo na comunidade científica e de segurança internacional.
E se fosse descoberto que temos armas nucleares?
Do ponto de vista científico, tecnológico e dos recursos naturais, o Brasil possui sim uma base que, teoricamente, poderia ser adaptada para o desenvolvimento de armas nucleares. O país detém reservas de urânio, infraestrutura de pesquisa e instituições como a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), que, combinadas com um contingente de profissionais qualificados, demonstram a capacidade técnica existente.
Entretanto, essa capacidade técnica é empregada exclusivamente para fins pacíficos, como a geração de energia, a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico. Historicamente, o Brasil reafirma seu compromisso com a não-proliferação nuclear, conforme demonstrado por sua adesão ao Tratado de Tlatelolco, que estabelece a América Latina como uma zona livre de armas nucleares.
Em resumo, o Brasil detém capacidade tecnológica, humana e recursos naturais que, se fossem direcionados para o desenvolvimento de armas nucleares, poderiam viabilizá-lo. No entanto, a decisão de manter um programa nuclear estritamente pacífico, alinhado aos tratados internacionais e à política de não-proliferação, é o que realmente define a postura do país nesse campo.
Mas e se fosse descoberto que, de fato, o Brasil detém armas nucleares? Bom…
As repercussões seriam profundas e de longo alcance. Em primeiro lugar, a revelação romperia compromissos internacionais firmados pelo país – como o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e o Tratado de Tlatelolco, que estabelecem a América Latina como uma zona livre de armamentos nucleares. Essa quebra de confiança provavelmente resultaria em severas sanções econômicas e políticas por parte de outras nações e organizações internacionais, além de um isolamento diplomático acentuado. Contudo, este provavelmente seria apenas em um primeiro momento, pois posteriormente a situação tenderia a se normalizar, uma vez que o Brasil é fornecedor de matérias-primas para grande parte dos países do mundo.
No âmbito interno, a descoberta de um programa nuclear secreto violaria frontalmente a Constituição brasileira, que determina que toda atividade nuclear seja realizada com fins pacíficos. Tal revelação desencadearia uma crise política e social, com protestos massivos, perda de legitimidade dos governantes e profundas divisões entre setores da sociedade e das instituições políticas e militares.
Regionalmente, a constatação de que o Brasil detém armas nucleares ocultas geraria um clima de insegurança entre os países vizinhos. Na América do Sul, nações como Argentina, Chile e outros poderiam sentir-se ameaçadas, o que poderia desencadear uma corrida armamentista na região. Esse ambiente de tensão comprometeria a integração e a cooperação regional, pilares historicamente importantes para a paz no continente, e poderia levar a um aumento das disputas e rivalidades geopolíticas.
No cenário global, a descoberta impactaria significativamente o equilíbrio de poder e a atual ordem de segurança internacional. Além de enfraquecer o regime global de não proliferação nuclear, a revelação poderia desencadear reações em cadeia – com países nuclearmente armados revisando suas estratégias de defesa e possivelmente adotando posturas mais agressivas. A economia brasileira também sofreria, com a imposição de embargos e a retração de investimentos estrangeiros, enquanto a confiança em sua política de controle de tecnologia nuclear seria duramente questionada.