A Central Nuclear de Zaporizhzhia no Ano 1 da Guerra da Ucrânia
Leonam Guimarães
Um ano após a invasão da Ucrânia pela Rússia, Moscou está avançando em seus planos de assumir o controle total da usina nuclear de Zaporizhzhia e usá-la para fornecer eletricidade aos territórios ocupados e a própria Rússia.
O bombardeio de Zaporizhzhia e da área ao seu redor desde que a invasão começou em fevereiro de 2022 pode se assimilar a um ato de terrorismo nuclear. A Central, que tem seis reatores da era soviética e é a maior instalação nuclear comercial da Europa, operou com segurança por quase 40 anos, mas desde que a Rússia assumiu o controle já ocorreram pelo menos 20 eventos classificados na Escala INES (International Nuclear and Radiological Event Scale).
Em seu último relatório sobre a situação de segurança e proteção nas instalações nucleares da Ucrânia, a AIEA (Agencia Internacional de Energia Atômica) foi direta. “Bombardeios, ataques aéreos, níveis reduzidos de pessoal, condições de trabalho difíceis, perdas frequentes de energia externa, interrupção da cadeia de suprimentos e indisponibilidade de peças sobressalentes, bem como desvios das atividades planejadas e operações normais, impactaram cada instalação nuclear e muitas atividades envolvendo fontes radioativas na Ucrânia”.
A crise em Zaporizhzhia se inicia quando as forças russas tomaram a instalação em 4 de março de 2022. A AIEA disse que a Ucrânia informou que o centro de treinamento da instalação, a algumas centenas de metros das unidades da Central, foi atingido por um projétil e um incêndio localizado se iniciou e pouco mais tarde foi extinto. Representantes da Rosatom (empresa estatal russa que cobre todo o espectro das aplicações da energia nuclear) chegaram ao local alguns dias depois que os militares russos assumiram o controle.
Anteriormente, em 24 de fevereiro, as forças russas haviam assumido o controle de todas as instalações de Chernobyl. Eles se retiraram de Chernobyl em 31 de março, mas permaneceram em Zaporizhzhia. Especialistas nucleares russos da Rosenergoatom (subsidiária da Rosatom que atua na operação de usinas nucleares) chegaram a Zaporizhzhia em 29 de abril. A Ucrânia disse à AIEA que o pessoal estava “trabalhando sob pressão inacreditável”. De 5 a 7 de agosto, Zaporizhzhia foi alvo de “severos bombardeios”.
Em 16 de outubro, a AIEA soube que uma organização operacional estatal russa com sede em Moscou foi criada para Zaporizhzhia, e a Rússia anunciou que havia assumido o controle da instalação e agora estava tomando decisões operacionais significativas.
O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia disse que as tentativas da Rússia de assumir o controle da estação são um “crime” que aumenta ainda mais o risco e as ameaças à segurança nuclear causadas pela ocupação russa da Central, que fica a cerca de 120 km da cidade de Zaporizhzhia e fica no território ocupado pela Rússia ao longo do rio Dnipro. O ministério disse ainda que a tentativa de Moscou de assumir o controle era “ilegal” por “consideramos o decreto relevante do presidente da Federação Russa a esse respeito nulo e sem efeito”.
Em janeiro, a Energoatom (estatal ucraniana para operação de usinas nucleares) disse que todas as seis unidades em Zaporizhzhia foram desligadas, com as forças russas “bloqueando seu religamento”. Quando um reator está em desligamento a frio, o combustível e as barras de controle podem ser removidos e trocados com segurança e a manutenção pode ser realizada. No entanto, uma vez que um reator tenha entrado em um desligamento a frio, ele requer mais tempo e energia para reiniciar sua operação do que se estivesse quente.
A paralisação removeu um grande elemento de risco. As unidades Zaporizhzhia são reatores de água pressurizada e precisam de resfriamento constante. O desligamento a frio é o estado no qual você não precisa operar constantemente as bombas principais no mesmo nível para circular a água de resfriamento no primário, resfriando o reator.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) disse que os reatores agora exigirão menos energia para resfriamento. Se a Central perder energia externa, os operadores não precisarão se preocupar em resfriar um reator em operação com geradores a diesel de reserva. O desligamento a frio também alivia os operadores da usina de uma quantidade considerável de sua carga de trabalho monitorando os reatores em meio às incertezas contínuas no local. Isso reduz substancialmente o potencial de erro humano.
No território controlado pela Ucrânia, oito das nove usinas nucleares estão operando na capacidade nominal máxima e fornecendo cerca de 55% do consumo total de eletricidade do país, informou recentemente a Energoatom. Os maiores volumes de eletricidade estão sendo gerados pela Central Nuclear do Sul da Ucrânia, que possui três unidades. Khmelnitski tem duas unidades e Rovno tem quatro unidades.
A Ucrânia renovou seu pedido de sanções contra a indústria nuclear da Rússia, um apelo já feito em várias ocasiões pelo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy. Relatos não confirmados da imprensa disseram que a Comissão Européia abandonou os planos de sancionar o setor nuclear da Rússia ou seus representantes em seu próximo pacote de sanções.
Os últimos pacotes de sanções da UE estão divididos em várias partes: novas regras que visam setores específicos, como aviação, e listas que impõem restrições de visto e congelamento de ativos a indivíduos e empresas, mas nenhuma inclui o setor nuclear, segundo relatórios.
A comissão inicialmente disse aos países da UE que tentaria redigir sanções contra o setor nuclear civil da Rússia. Antes de uma recente reunião de líderes da UE, Zelenskiy instou o bloco a pelo menos emitir sanções contra a corporação nuclear estatal russa Rosatom. Isso ocorre quando a AIEA enfrenta negociações difíceis com a Rússia e a Ucrânia em duas frentes – planos para uma zona de segurança e proteção nuclear em torno de Zaporizhzhia e a rotação de funcionários da Agência na instalação.
O diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, disse que os sinais de atividades de combate perto de Zaporizhzhia enfatizam ainda mais a importância vital de concordar e implementar uma zona de segurança e proteção nuclear ao redor do local o mais rápido possível. Uma zona ajudaria a proteger a central, garantindo que ela não seja alvo e também não seja usada para ataques do local, disse ele.
Sobre a mudança de equipe, Grossi apelou para esforços construtivos de todas as partes para permitir a rotação de especialistas da agência neste mês, que ele disse já ter sido adiada. “Eles estão ajudando a garantir a segurança nuclear e a proteção durante o conflito militar”, disse ele. O Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse que a AIEA estava “interrompendo” a mudança programada “sem um bom motivo”. A Ucrânia culpou a Rússia pelo impasse.