Fabricio Gustavo Dillenburg
O TUIUTI – 214 / n° 132
Informativo oficial da AHIMTB/RS
Os combates travados pelos carros de combate alemães na Normandia apresentaram diferentes características dos tradicionais confrontos em outros locais.
Quando da invasão aliada, em junho de 1944, a Luftwaffe encontrava-se, virtualmente, batida na área. Seus recursos, já escassos, enfrentavam a inércia do comando central, representado por um Goering¹ que não expressava nem a vontade, nem a capacidade de manter a Força Aérea alemã em condições de combate.
Somando-se à insistência de Hitler de que "armas maravilhosas" – como o jato 262² – iriam salvar a guerra, dando a vitória à Alemanha, e sua teimosia em intrometer-se nos projetos, os combatentes germânicos viram-se sem proteção aérea, ficando à mercê do clima e da indisponibilidade dos aviões aliados, para tentarem qualquer ação militar com alguma esperança de não serem completamente obliterados.
A superioridade aérea aliada, absoluta, gerou a necessidade de alterações emergenciais na estrutura operacional alemã. No caso das divisões Panzer estacionadas na França, as táticas clássicas utilizadas, até então, tiveram que ser abandonadas, em prol de novas maneiras de combater sob um avassalador poder de fogo que tornava impraticável quaisquer movimentos em áreas abertas, ou mesmo durante o dia.
O blindado inimigo cedeu lugar ao avião, na lista de ameaças às equipagens blindadas, impedindo não apenas que os ataques tradicionais, com forças concentradas, acontecessem, mas também prejudicando a execução de operações logísticas.
Exemplo claro disso é que o 101º Batalhão Panzer SS não conseguiu reunir, uma única vez sequer, seus 45 carros de combate Tigre, na Normandia, para efetuar um ataque. O poder de uma tal força reunida, com esses impressionantes veículos, representaria uma ameaça gigantesca aos aliados, um risco enorme para homens e máquinas que se amontoavam pelas estradas, buscando avançar com rapidez pelo território francês.
Caso tivessem sido empregadas logo no início dos desembarques, os carros de combate poderiam ter causado o pânico entre os aliados e, eventualmente, desestruturado a cabeça de praia, lançando as tropas de volta ao mar. Entretanto, não agiram; por uma série de falhas, os blindados foram dispostos sob um comando unificado tarde demais, e foram acionados somente quando os aliados já haviam fixado posições suficientemente preparadas para sustentar combate.
O ataque à Normandia já havia sido antecipado, há algum tempo, pelo serviço de informações alemão. Contudo, não havia certeza sobre o local exato da invasão. Rommel³, meticuloso, havia preparado as praias com fortificações para a defesa, e posicionado adequadamente a artilharia. As divisões Panzer disponíveis, segundo seu entendimento, deveriam ser colocadas próximas à costa, para serem empregadas de imediato, em caso de assalto.
Todavia, O General Freiherr Geyr von Schweppenburg, Comandante em Chefe do PanzerGruppe West (Grupo Blindado Oeste), decidiu segurar as divisões Panzer na retaguarda, como reserva estratégica, apesar dos protestos de Rommel.
O General acreditava que o desembarque não poderia ser impedido e que a ameaça aérea aliada deveria ser considerada, e por isso planejou manter as forças imóveis durante o dia e deslocá-las à noite, rumo ao front, diretamente para o cerne da zona principal de ataque.
Os carros de combate seriam, então, empregados em uma batalha móvel, para destruir as forças inimigas. O receio de que tropas aerotransportadas fossem lançadas na retaguarda acentuou a decisão de von Schweppenburg, que organizou a concentração dos blindados sob a cobertura de florestas, ao norte de Paris.
Mas, em abril de 1944, uma ordem de Hitler, obtida sob a pressão de Rommel – e equivocada, como tantas outras – definiu que as divisões Panzer somente poderiam se deslocar com sua aprovação, pessoal e expressa. Com isso, o Comandante em Chefe Generalfeldmarschal von Rundstedt, que possuía três divisões sob seu comando, ficou de mãos atadas.
No caminhar dos longos dias que se sucederam à invasão, essa intervenção do Führer mostrou-se verdadeiramente desastrosa. Em meio a esses desentendimentos, armas impressionantes aguardavam para combater, entre elas o carro de combate Tigre, obra de arte da engenharia alemã.
Quando foi apresentado, o Panzer VI Tigre era o mais poderoso blindado existente, comparável apenas com os pesados modelos IS, soviéticos. Um exemplar capturado pelos britânicos, em 1943, foi testado para verificar as características de resistência e performance, e os resultados foram desalentadores, já que a blindagem se mostrou praticamente impenetrável pelos meios comuns disponíveis, na época, no front.
Com as ações de Michael Wittman, a quem foram creditadas mais de 270 vitórias, entre carros de combate e armas anticarros de combate, o Tigre adquiriu uma aura quase mítica, a ponto de gerar um sentimento de pavor nas tropas, denominada "tigrefobia". Bastava o rumor de que essas máquinas estavam na linha de frente, para que o moral despencasse entre os combatentes.
Apesar disso, o Tigre não era uma máquina excelente. Seu enorme peso resultava em uma baixa relação peso/potência (12,3 HP por tonelada), e derivava em pouca confiabilidade na parte mecânica.
Seu sistema de suspensão era um pesadelo de manutenção, e a transmissão estava sujeita a falhas constantes. Por isso, muitos exemplares foram abandonados, simplesmente por não poderem mais se deslocar, e porque nenhum veículo comum era capaz de rebocá-lo.
Em geral, quando incapazes de combater, eram destruídos pela tripulação, mas as perdas eram sentidas, sobretudo, pelo alto valor de fabricação do veículo (nominalmente, RM 250.800 Reichmarks4).
Por outro lado – como havia sido constatado em empregos anteriores –, quando posto para combater em um local no qual sua retaguarda e laterais estavam relativamente protegidas, o veículo transformava-se num verdadeiro monstro, com capacidade para penetrar, com seus projéteis, cerca de 112 mm de blindagem a quase 1,5 Km de distância.
Derivava disso que, antes mesmo que pudessem chegar a um alcance no qual poderiam engajar o inimigo, os carros de combate aliados eram submetidos a um fogo devastador.
A blindagem maciça do Tigre, principalmente na parte frontal do casco e da torre (ambas com 100 mm), fazia com que, com um pouco de sorte, o veículo fosse alvejado diversas vezes, sem penetração, aguentando castigos que nenhum tanque aliado seria capaz de suportar.
A sua extrordinária resistência permitia que, em um grande número de casos nos quais o Tigre era abatido, a tripulação conseguisse se salvar, retornando às suas linhas e ficando disponível, novamente, para combater.
O mesmo não ocorria do outro lado das linhas, uma vez que o poder da munição do canhão 88 alemão era mais do que suficiente para destruir os veículos aliados e matar instantaneamente os seus tripulantes.
Tanto assim, que afirmava-se serem necessários, em média, cinco M4 Shermans para abater um Tigre, o que é reforçado pela razão de destruição de M4 pelos Panzer VI (nada menos que 5,74 para um).
Carregado por um motor Maybach V-12, refrigerado à água, o Panzerkampfwagen VI Tiger I Ausf. E (SdKfz 181) tinha disponíveis 650 HP a 3000RPMs (no modelo Maybach HL 210), com velocidade de 20Km/h na estrada (máxima de 45,4 Km/h) e alcance de 125 Km (usando estrada).
Consumia em estrada 4,32 litros por quilômetro percorrido e, em terreno acidentado, uma média de 6,75 litros por quilômetro (o tanque de combustível armazenava 569 litros de gasolina). Aliás, seu consumo era um dos grandes problemas, o que foi amenizado na Normandia pelas táticas adotadas, que exigiam deslocamentos consideravelmente mais curtos.
Utilizado com o um caçador solitário, poucas vezes o Tigre teve a oportunidade de combater em número. Suas táticas de emboscada eram eficientes, embora desgastantes para a tripulação.
Na Normandia, os Tigres acabaram servindo, em geral, como soluções provisórias, utilizados como "tampões", em locais nos quais a ameaça de ruptura se fazia imediata. Os vácuos deixados pela indisponibilidade de forças eram preenchidos por esses enormes veículos, com suas tripulações operando em condições críticas, comumente sem apoio de infantaria ou antiaérea.
Novas formas de combate foram, então, aplicadas, derivando no emprego diferenciado dos veículos, para tentar ampliar as chances de sobrevivência das tripulações germânicas frente ao maciço poder militar inimigo.
Os lentos e pesados Tigres aproveitavam o terreno da Normandia, repleto de sebes e cercas baixas, para estabelecer pontos de emboscada, camuflados por entre as casas e a vegetação. Ao invés de combater em grupos, tornou-se comum que se posicionassem isolados, esperando suas presas pacientemente, por dias a fio.
De fato, esse tipo de luta era o oposto do que se apregoava, até então, como filosofia de combate para as tropas Panzer. Ocultos até o último momento, ao abrirem fogo com seus poderosos canhões de 88 mm, possuíam um poder de fogo capaz de destruir qualquer equipamento aliado; todavia, simultaneamente, revelavam sua posição e deixavam em aberto a possibilidade de contra-ataques por parte da artilharia (que se fazia extremamente letal para os blindados, principalmente quando provinha dos calibres e alcances enormes dos canhões da Marinha) e da aviação.
Para as tripulações, a espera por um alvo de valor era um verdadeiro martírio. Não lhes era possível sair do veículo, já que poderia haver ameaças próximas, principalmente na forma de patrulhas da infantaria inimiga.
Munição e alimentos só podiam ser fornecidos à noite, e quaisquer necessidades tinham que ser resolvidas dentro de vasilhas e estocadas no casco blindado, até que houvesse a oportunidade de despojar os restos por alguma abertura, sem o risco de levar um tiro. Caso houvesse infantaria próxima, em apoio (panzergrenadieren), a vida da tripulação poderia ser um pouco mais fácil, inclusive porque os combatentes poderiam auxiliar nos combates, atacando de posições diferentes e forçando o inimigo a dispersar seu poder de fogo.
Na verdade, uma análise dos combates dos Tigres na Normandia leva à percepção de que, ironicamente, suas táticas se enquadravam mais como as de armas anticarros Como tributo às tripulações que lutaram em condições desesperançadas, ecoam as palavras do General Heinrich Eberbach, comandante do 5º Exército Panzer: Como comandante, era minha responsabilidade fazer com que minhas ordens fossem executadas, ao mesmo tempo em que fazia o melhor para os homens que confiavam em mim. Eu sofri suas mortes como se fossem as de meus próprios filhos.
Relato vivo que ecoa como epitáfio para homens de extremado valor, que colocaram – ainda que erroneamente, no caso Nacional-Socialista – o dever acima de suas próprias vidas.
1 – Hermann Goering, ex-piloto alemão da Primeira Guerra Mundial, um dos homens de confiança de Hitler até o final da Segunda Guerra, e com diversas atribuições e títulos durante o regime Nacional- Socialista, incluindo o de Comandante da Luftwaffe, a Força Aérea Alemã.
2 – Hábito nocivo do Führer que, comumente julgando-se um especialista inquestionável (sem verdadeiro conhecimento de causa), por inúmeras vezes impediu tanto o desenvolvimento quanto o aperfeiçoamento de equipamentos que poderiam ter maior impacto sobre a guerra. Seus delírios sobre armas milagrosas resultaram tanto em projetos extraordinários quanto em fracasssos estrondosos.
3 – Erwin Rommel foi um dos oficiais preferidos de Hitler. Oficial de considerável sorte, aliada a conhecimentos militares profundos, colocou as tropas aliadas em cheque no Norte da África. Foi responsável pela defesa da Normandia mas, assim como aconteceu no deserto, faltaram-lhe recursos humanos e materiais para cumprir, de forma plena, a tarefa. Sua proximidade com o Führer possibiltou que a cadeia de comando fosse – irresponsavelmente – rompida, o que gerava uma série de problemas para o planejamento. Por fim, acabou cometendo suicídio, para proteger sua família, acusado de participação em um dos atentados contra Hitler.
4 – Em 1944, um Reichmark equivalia a quarenta centavos de dólar. Com base em tais valores, o custo de um Tigre (M 250.800 Reichmarks) seria de, aproximadamente, cem mil dólares. Por comparação, a produção de um Sherman custava cerca de 33.500 dólares.
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Referências:
RITTER, Dale Richard. The Tiger project: Book One – Alfred Rubbel – Schwere Panzer (Tiger) Abteilung 503. UK: Naval & Military Press,
SIMPSON, Gary. Tiger Ace: the Story of Panzer Commander Michael Wittmann. Pennsylvania: Schiffer, 1994.
BYRDEN, David. Tiger I Info. Disponível em <http://tiger1. info/>.
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O Autor:
Fabricio Gustavo Dillenburg tem formação em História e é fundador e responsável pelo Núcleo de Estudos de História Militar Vae Victis. Ocupa a Cadeira nº 14, General Francisco de Paula Cidade, da Academia deHistória Militar Terrestre do Brasil.
É membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul e autor de “Kamikaze: as Invasões Mongóis e as Origens do VentoDivino”.
Mais informações nos sites: www.nucleomilitar.com e www.nucleomilitarblog.com.