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Proibição da caça e o controle de armas

Sérgio de Oliveira Netto

Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE (SC).

RESUMO: Este trabalho analisa a questão referente as restrições, ou proibições, da prática da caça de animais considerados nocivos ao ambiente, como forma de pretexto para implementar, de maneira astuciosa, o controle de armas de fogo.

 

      

Desde de tempos remotos, as restrições e proibições de acesso a armas de fogo, vem sendo utilizados como maneira de controle social. Tendo como consequência a retirada dos cidadãos do seu direito natural (e inalienável) da autodefesa, bem como da possibilidade de se insurgirem contra governos opressores. Fato que está historicamente documentado, e vem sendo corajosamente denunciado por importantes defensores destas liberdades individuais. E que, por isso, não será aqui abordado, para se evitar o prolongamento deste texto.

 

Nesta breve análise, o foco será na veiculação de leis estaduais que, a pretexto de se impor proibições a prática da caça (inclusive de espécies nocivas da fauna exótica invasora) pretendem, inequivocamente, aumentar o sistema de punições contra aqueles que, dentro da legalidade, estão legitimados a possuírem armas de fogo, e a praticarem esta modalidade de controle ambiental.

 

Episódio recente ocorreu no Estado de São Paulo. Agora, em junho de 2018, foi publicada a LEI Nº 16.784, DE 28 DE JUNHO DE 2018, cujos trechos de interesse são abaixo reproduzidos:

 

“…Art. 1º – Fica vedada a caça, em todas as suas modalidades, sob qualquer pretexto, forma e para qualquer finalidade, em todo o Estado de São Paulo.

 

Parágrafo único – Para os efeitos desta lei, considera-se caça a perseguição, o abate, a apanha, a captura seguida de eliminação direta de espécimes, ou a eliminação direta de espécimes, bem como a destruição de ninhos, abrigos ou de outros recursos necessários à manutenção da vida animal.

 

Art. 2º – A proibição abrange animais domésticos ou domesticados, silvestres, nativos ou exóticos e seus híbridos, encontrados em áreas públicas ou privadas, exceção feita aos animais sinantrópicos.

 

Art. 3º – O controle populacional, manejo ou erradicação de espécie declarada nociva ou invasora não poderão ser realizados por pessoas físicas ou jurídicas não governamentais.

Art. 4º – A violação ao estabelecido nesta lei constitui conduta sujeita à imposição de sanção pecuniária fixada em 150 (cento e cinquenta) Ufesps, dobrada na reincidência…”

Por esta lei paulista, portanto, a única exceção feita foi aos chamados “animais sinantrópicos”, quais sejam: Abelha, Aranha, Barata, Carrapato, Escorpião, Formiga, Lacraia ou centopéia, Morcego, Mosca, Mosquito, Pombo, Pulga, Rato, Taturana, Vespa (http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/vigilancia_em_saude/controle_de_zoonoses/animais_sinantropicos/index.php). Tendo sido estipulada a proibição para pessoas físicas e jurídicas, do abate dos demais animais nocivos, que, nos termos desta lei, somente podem ser feitos por agentes governamentais.

 

A Constituição do Estado de São Paulo, a bem da verdade, já havia estabelecido em outubro de 1989, esta proibição, mas de uma forma mais genérica, nos seguintes termos: “Art. 204 – Fica proibida a caça, sob qualquer pretexto, em todo o Estado”. Este art. 204, contudo, é alvo da AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 350, que tramita perante o Supremo Tribunal Federal. E foi ajuizado pela Procuradoria-Geral da República, com base na representação elaborada pela Associação Brasileira de Caça e Conservação. Este julgamento ainda está pendente de decisão final do STF.

 

Em termos gerais, este art. 204 da Constituição Paulista, dependendo do ângulo de análise, é apenas redundante. Porque a caça propriamente dita, como regra, já é proibida em todo o território nacional. Isto por foça de aplicação da Lei n° 5.197/67:

 

“Art. 1º. Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.”

 

Ocorre que, esta mesma Lei n° 5.197/67, traz exceções, admitindo a prática da caça em algumas situações, tais quais as denominadas “caça de controle” (art. 3º, § 2º) referenciada na lei não exatamente como caça e sim como DESTRUIÇÃO, e a “caça científica” (art. 14):

 

Art. 3º. É proibido o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem na sua caça, perseguição, destruição ou apanha.

 

§ 2º Será permitida mediante licença da autoridade competente, a apanha de ovos, lavras e filhotes que se destinem aos estabelecimentos acima referidos, bem como a destruição de animais silvestres considerados nocivos à agricultura ou à saúde pública.

 

Art. 14. Poderá ser concedida a cientistas, pertencentes a instituições científicas, oficiais ou oficializadas, ou por estas indicadas, licença especial para a coleta de material destinado a fins científicos, em qualquer época…”

 

Sendo que, a mesma Lei n° 5.197/67, estabelece que, para que seja permitida a “caça” (…destruição de animais silvestres considerados nocivos à agricultura ou à saúde pública…), será necessária autorização de Órgão Federal: art. 1°, § 1º Se peculiaridades regionais comportarem o exercício da caça, a permissão será estabelecida em ato regulamentador do Poder Público Federal…

 

Em outras palavras, pela Lei Federal n° 5.197/67, a caça em si é proibida em todo o território nacional, caracterizando crime a sua prática (Lei n° 9.605/98, Art. 29). Mas, com a possibilidade de liberação da caça (DESTRUIÇÃO) de fauna silvestre considerada nociva. Sendo a autorização para a DESTRUIÇÃO, de atribuição do Poder Público Federal, no caso, o IBAMA (Lei Complementar n° 140/2011, art. 7°, XVII e XVIII). Não podendo qualquer que seja o estado da federação pretender impor normativas que se contraponham as diretrizes do órgão ambiental federal, no que se refere ao reconhecimento da nocividade e controle da espécie silvestre.

 

A atual normatização do IBAMA a respeito, é a INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 3, DE 31 DE JANEIRO DE 2013, que estabelece (http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=01/02/2013&jornal=1&pagina=88&totalArquivos=192):

 

“…Art. 1º. Declarar a nocividade da espécie exótica invasora javali-europeu, de nome científico Sus scrofa, em todas as suas formas, linhagens, raças e diferentes graus de cruzamento com o porcodoméstico, doravante denominados "javalis".

Art. 2º Autorizar o controle populacional do javali vivendo em liberdade em todo o território nacional.

 

§ 1º – Para os fins previstos nesta Instrução Normativa, considera-se controle do javali a perseguição, o abate, a captura e marcação de espécimes seguidas de soltura para rastreamento, a captura seguida de eliminação e a eliminação direta de espécimes…”

 

Verifica-se, assim, que existe um consenso sobre a nocividade dos “javalis” e seus híbridos. Tanto que o próprio IBAMA, apesar de em um primeiro momento ter proibido o controle/caça desta espécie exótica invasora (era a antiga IN 08/2010), reviu seu entendimento e passou a permitir este abate (IN 03/2013).

 

Ora, se é internacionalmente reconhecida a nocividade desta espécie, e se o ESTADO/Governo é notoriamente reconhecido pela sua ineficiência, é de se indagar qual seria o propósito final de se impor obstáculos ao controle ambiental do “javali e híbridos”, estabelecendo-se que pessoas físicas e jurídicas estão proibidas de auxiliar neste trabalho? Trabalho de controle este que é feito às custas dos próprios interessados (proprietários de áreas invadidas), e demais caçadores regularmente habilitados para estas práticas.

Se com o apoio destes caçadores (legalmente habilitados) o controle do javali já não é suficiente (a taxa de reprodução dos javalis é uma das maiores dentre os mamíferos de grande porte, chegando a duas ninhadas por ano), que se dirá se for autorizado o abate/controle apenas por órgãos públicos. Será que os órgãos ambientais, e demais polícias ambientais, terão condições de empreender um controle efetivo? Provavelmente não, a experiência vem demonstrando isso, inclusive em outros países, como Estados Unidos da América, Argentina, Uruguai e países Europeus.

 

Partindo deste pressuposto, se já se sabe que o controle apenas por agentes governamentais não será suficiente para esta finalidade, qual poderia ser, então, a intenção escusa inserida nesta lei paulista?

 

Tudo leva a crer que se trata de forma ladina de se impor maiores restrições ao acesso e uso de armas de fogo. Explica-se. A Lei Paulista não criou nova modalidade criminosa ao instituir restrições a caça, e nem o poderia (prescreveu apenas sanções pecuniárias). Posto que, em matéria penal cabe a União a edição de tais leis (CF, art. 22, I).

 

Porém, ao proibir a caça as pessoas físicas e jurídicas, lança na ilegalidade todos aqueles que tenham Certificado de Registro (CR) no Exército, na qualidade de Caçador/Atirador/Colecionador (CAC). Posto que o porte de armas de fogo em propriedades rurais devidamente cadastradas no IBAMA (afora a situação do próprio proprietário, que pode portar sua arma em toda a extensão de sua propriedade rural), somente é autorizado para o especial fim de controle do javali.

 

Em não havendo esta autorização para a caça, ou sendo considerada não válida, automaticamente fica caracterizado o porte ilegal de arma de fogo, nos termos da legislação vigente (Lei n° 10.826/03, e demais Decretos Presidenciais, Portarias do Exército e R-105), que não serão aqui abordadas (Obs: há posicionamentos doutrinários sustentando que a Lei n° 10.826/03, art. 6°, IX, na verdade, já traria autorização para o porte de Atiradores/Caçadores, que somente ficaria pendente de regulamentações do Exército, e não de limitações tais quais as hoje aplicáveis).

 

Com a agravante de que, Atiradores/Caçadores, são autorizados a ter alguns tipos de armas de fogo de uso restrito das polícias e Forças Armadas. Entretanto, se caracterizada a ilegalidade da prática da caça (nos termos da legislação paulista), o Atirador/Caçador flagrado em território paulista, poderia ser enquadrado como praticante de CRIME HEDIONDO, com base na nova modificação legislativa que passou a enquadrar como hediondo (com tratamento penal bem mais severo) aqueles que forem encontrados com armas de fogo de uso restrito (modificação feita pela Lei 13.497/2017, que alterou a Lei 8.072/90, com a seguinte redação: “…Consideram-se também hediondos…o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003).

 

A situação é gravíssima para o Atirador/Caçador que seja abordado nesta situação.

 

Sem dúvida, estas modificações feitas, no momento, pela Lei de São Paulo, serão questionadas na via judicial, não se podendo antever (dada a total insegurança jurídica pela qual o país atravessa) qual será o seu resultado.

 

Respeitando os que pensam em contrário, parece ser mais uma forma de repressão contra aqueles que, dentro da legalidade, possuem armas de fogo, e se dedicam, voluntariamente (e arcando com os custos desta atividade), a ajudar o estado no controle ambiental de espécies exóticas nocivas.

 

Enquanto isso, como ficam os proprietários rurais que estão tendo suas áreas de cultivo e de criação de animais, invadidas e dizimadas pelos javalis? Devem esperar o Governo Paulista se organizar para promover o abate dos javalis? E se não esperarem, e tomarem iniciativa do abate, podem ser, ainda que reflexamente, tratados como criminosos por estarem caçando/abatendo/controlando fora das especificações trazidas pela lei paulista (caracterizando o crime federal de caça ilegal)?

 

Estranhamento, este mesmo Governo de São Paulo, que se recusou a colaborar (ou colaborou apenas tardiamente) para o cumprimento de uma ordem advinda do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, autorizando a expedição de mandado de prisão contra o ex-presidente da República que estava encastelado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC agora em abril de 2018, não se movimentando para que seus órgãos de segurança fossem acionados para o apoio do controle da situação preocupante que estava acontecendo, como noticiado pela mídia (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/04/prisao-de-lula-marcio-cuba-e-nova-equipe-marcam-1a-semana-de-franca.shtml), é o mesmo que agora acionará seus órgãos de segurança para investir contra proprietários rurais, e Atiradores/Caçadores (CR-CACs) que estiverem promovendo o abate de javalis e seus híbridos.

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