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Pescador brasileiro recebe prêmio da IMO por bravura

Certificado de Louvor foi entregue na sede da Organização, em Londres

Por Primeiro-Tenente (RM2-T) Kizia Fonsêca – Londres, Reino Unido

Nesta segunda-feira (27), o Brasil marcou presença em uma das premiações de maior prestígio para a comunidade marítima mundial, o Prêmio IMO por Bravura Excepcional no Mar, da Organização Marítima Internacional (IMO). O evento aconteceu na sede da Organização, em Londres. Um dos agraciados com o Certificado de Louvor, por seu ato de bravura, foi o pescador José Cardoso Lemos, de 48 anos. Ele resgatou 35 pessoas, com vida, de uma embarcação que naufragou nas proximidades da Ilha de Cotijuba, no estado do Pará.

Membro do Conselho Consultivo da IMO desde 1967, o Brasil tem atuado ativamente por meio de sua Representação Permanente, exercida pela Marinha do Brasil, contribuindo para o desenvolvimento de regulamentações internacionais relacionadas às atribuições da Organização, principalmente aquelas atinentes à segurança da navegação e à proteção ao meio ambiente marinho.

Nesse contexto, uma das atividades para aumentar a conscientização sobre os temas trabalhados são as premiações relativas às atividades desenvolvidas no setor marítimo internacional. Entre eles, destacam-se as “Honras da IMO por Bravura Excepcional no Mar”, que são concedidas anualmente e foram estabelecidas para proporcionar reconhecimento internacional àqueles que, correndo o risco de perder a própria vida, praticam atos de bravura excepcional, demonstrando extraordinária coragem na tentativa de salvar vidas no mar ou na tentativa de prevenir ou mitigar os danos ao ambiente marinho. Tais atos de bravura também podem envolver habilidades extraordinárias de navegação em condições muito difíceis ou qualquer outra demonstração de coragem extraordinária.

Anualmente, a IMO recebe de seus países e instituições membros, indicações de pessoas que tenham exercido atos de bravura. Existem três tipos de categorias de distinção: a primeira é o prêmio concedido para o ato de bravura mais notável entre os descritos. A segunda categoria concede ao participante o Certificado de Louvor quando são reconhecidos pelos atos de bravura extraordinária. A terceira categoria envia cartas de recomendações aos participantes considerados merecedores de reconhecimento especial por ações meritórias que tenham exercido no ano corrente. Na edição de 2023, a IMO recebeu 47 indicações de 18 países, uma associação e três Organizações Não Governamentais, todos membros ativos.

Depois de análise criteriosa, o Painel de Juízes concordou que a primeira categoria, o Prêmio IMO de Bravura Excepcional no Mar de 2023, deveria ser concedido ao Técnico de Sobrevivência de Aviação de Segunda Classe Caleb Halle, da Estação Aérea da Guarda Costeira de Atlantic City, Estados Unidos da América (EUA). Ele foi indicado pelo país norte-americano, por sua notável coragem, resistência e determinação no resgate de sete tripulantes do Legacy, embarcação que ficou à deriva, em meio a mau tempo e mar agitado.

Na segunda categoria, o Painel de Juízes concordou que 4 indicações deveriam receber o Certificado de Louvor por seus atos de bravura. Os países membros contemplados para essa categoria foram Austrália, Brasil, China e EUA. O Brasil foi representado nessa categoria por José Cardoso Lemos.

Sobre o resgate

No dia 8 de setembro de 2022, por volta das 8 horas da manhã, José se preparava para trabalhar com seu filho e sobrinho nas proximidades da Ilha de Cotijuba, no estado do Pará, quando foi avisado por outro pescador que uma embarcação regional de transporte de passageiros havia naufragado próximo à sua posição.

Ele desatracou, imediatamente, com sua embarcação e, ao chegar ao local do acidente, onde o barco “Dona Lourdes II” naufragou, deparou-se com a cena mais triste de sua vida: “parecia uma cena de filme de terror, tinham umas 80 pessoas gritando por socorro na água, a grande maioria mulheres de idade, um desespero total. Foi horrível”, relatou o pescador. Ele imediatamente iniciou, da melhor maneira que pôde, o procedimento de resgate, colocando os náufragos em seu barco. “As pessoas estavam amontoadas em bóias maiores, outras estavam agarradas à assentos da embarcação, na esperança de flutuar. A primeira bóia tinha 16 pessoas, já a segunda em torno de umas 23”, lembrou o pescador, com os olhos marejados.

Para aumentar o espaço em sua embarcação, a fim de abrigar o maior número de pessoas, José jogou todo o seu equipamento de pesca na água. Por se tratar de uma embarcação pequena, o pescador fez duas viagens, desembarcando as vítimas na Praia da Saudade, local onde ambulâncias e a própria população estava prestando os primeiros socorros.

Ele tentou fazer uma terceira viagem, mas, infelizmente, ao retornar para o local do resgate, encontrou o restante das vítimas sem vida. Ele relembra que havia uma criança, de 5 anos, que estava com sua avó fazendo o deslocamento na embarcação que naufragou. Depois de uma pausa regada à lágrimas, José relatou que a criança gritava em meio a soluços, para que ele voltasse e resgatasse sua tutora. Tendo a encontrado na terceira viagem, sem vida, iniciou de imediato o resgate dos corpos presentes no local. Ao todo, ele resgatou 35 pessoas com vida e 9 corpos.

Filho de pescador, José começou a prática ainda quando criança, aos 12 anos. Homem simples e determinado, deparou-se com uma situação extrema e desempenhou bravamente virtudes de um marinheiro. Iniciativa, espírito de sacrifício, abnegação, tenacidade e coragem estiveram presentes a todo o momento naquela manhã de setembro. Ele nunca pensou que isso poderia acontecer com ele, até de fato acontecer.

Há alguns anos, José sofreu um acidente em uma embarcação, razão pela qual passou mais de um mês em uma UTI. O episódio deixou sequelas físicas motoras, com perda de 50% dos movimentos do lado esquerdo do corpo. Porém, sua condição física não o impediu de atuar no resgate, apesar dos prejuízos econômicos que isso lhe trouxe, deixando para trás equipamentos que foram comprados ao longo de uma vida para seu trabalho, a fim de aumentar o espaço para o resgate no dia do acidente.

Hoje, ao entrar na embarcação utilizada diariamente para seu sustento, José se emociona: “Cada canto que eu olho tem uma lembrança. Quando eu fecho os olhos, vejo a criança chorando por sua avó, lembro dos corpos na proa, dos gritos. Não foi um dia fácil”.

Quando perguntado sobre qual seria sua postura, caso acontecesse novamente um acidente, ele abre um sorriso e responde: “eu faria tudo da mesma forma, tentaria ajudar até mais. O acidente mudou a minha vida e tenho certeza que eu ajudei muitas pessoas. Não sou um herói, sou apenas um homem comum, que fez o que achava certo”.

Esta é a terceira vez que o Brasil é premiado na IMO. As outras duas aconteceram em 2008 e 2020. “Eu nunca pensei que um dia sairia do País para receber um prêmio por ter feito o que achava certo, por ajudar as pessoas. Agradeço à Marinha do Brasil por ter ajudado nesse reconhecimento”, comenta José.

Segurança do Tráfego Aquaviário

Ainda sobre o acidente, José trouxe a importância da conscientização sobre a segurança da navegação e a necessidade da atuação da Marinha do Brasil (MB) na região: “No resgate, percebi que muitas pessoas estavam usando colete salva-vidas de forma errada. Muitas pessoas estavam prendendo o colete com o cordão do apito, amarrando na cintura e não é assim que a Marinha ensina a gente a usar”.

A MB tem atuado constantemente na fiscalização e conscientização da Segurança do Tráfego Aquaviário na região. Segundo o Capitão dos Portos da Amazônia Oriental, Ewerton Rodrigues Calfa, “é necessário que prestadores de serviço e usuários entendam a importância dessas medidas de segurança, a fim de evitar acidentes como o naufrágio da ‘Dona Lourdes II’”. Ainda sobre atuação da MB: “A Marinha faz a fiscalização 24 horas por dia, 365 dias por ano. Tão importante quanto a fiscalização, é a conscientização. A Marinha também trabalha com palestras, orientações diretas, instalações de cobertura de eixo, que servem para combater acidentes de escalpelamento, quando oportuno distribuímos coletes salva-vidas, isso tudo é feito para que se crie uma conscientização maior de usuários e prestadores de serviços.”, explicou.

Segundo o Capitão dos Portos, ainda existe muita desinformação por parte da população sobre como se deve usar o colete salva-vidas, que precisa estar em um bom estado de conservação e na validade. “Se você está em uma embarcação de transporte de passageiros, a tripulação deve fazer uma demonstração de como vestir e utilizar corretamente o colete salva-vidas. Nada muito diferente do que a gente consegue acompanhar, por exemplo, dentro dos aviões”, disse.

Fonte: Agência Marinha de Notícias

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