O papel dos engenheiros para ampliar a independência tecnológica do Poder Naval brasileiro
Por 1T (RM2-T) Daniela Meireles
Depois de navegarem por seis meses no oceano austral, cujas águas, não raramente, atingem temperaturas negativas, os Navios de Apoio Oceanográfico “Ary Rongel” e o Polar “Almirante Maximiano” estão de volta ao Brasil, onde descansam no clima quente. Não é qualquer embarcação que consegue suportar variações dessa magnitude. Assim como os cascos, os sistemas precisam resistir e continuar funcionando, independentemente do clima a que estão submetidos. Esse é apenas um dos muitos desafios com os quais os engenheiros da Marinha têm que lidar.
“Os equipamentos de bordo devem atender a requisitos muito mais restritivos para seguir operando após sofrer impactos severos. Os navios precisam continuar a combater mesmo depois de alvejados por tiro de canhão ou míssil. Também devem operar em uma grande faixa térmica, como os navios polares, que atuam em temperaturas muito abaixo de zero e, também, no verão do Rio de Janeiro”, exemplifica o Diretor do Centro de Manutenção de Sistemas da Marinha (CMS), Capitão de Mar e Guerra (Engenheiro Naval) Rafael Dutra.
São muitas frentes da Engenharia envolvidas para garantir que um único meio naval seja capaz de responder a tantas exigências. Hoje, o Corpo de Engenheiros da Marinha conta com profissionais de pelo menos 16 áreas, não apenas para construção e conservação de infraestruturas, mas de sistemas, como os de propulsão, armamento e computação. Esses especialistas estão distribuídos por organizações militares de diferentes propósitos, como àquelas dedicadas à manutenção de navios, ao desenvolvimento de pesquisas e tecnologias e à criação de diretrizes e normas técnicas.
De olho no futuro
Cada um contribui de alguma maneira para que o Brasil seja capaz de acompanhar os avanços tecnológicos mundiais, necessários à sua defesa. “A complexidade das ameaças está aumentando exponencialmente e a tecnologia está em constante evolução. Manter-se atualizado é muito importante para trazer as soluções mais adequadas aos desafios da Marinha, como melhorar a proteção dos sistemas automatizados de comando e controle, utilizados pelas plataformas militares modernas, que trabalham com informações em tempo real, não podendo contar com antivírus, assim, outros meios de defesa cibernética têm que ser empregados”, avalia o Diretor do CMS.
Para além da defesa cibernética, os engenheiros da Marinha também se dedicam ao desenvolvimento do primeiro Submarino Brasileiro Convencionalmente Armado com Propulsão Nuclear. Atualmente, apenas Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, França e China detêm tal tecnologia. “O Corpo de Engenheiros da Marinha trabalha para projetar, construir e operar a planta nuclear de energia elétrica, além de dominar o ciclo do combustível. É um projeto complexo, dominado por poucos países, e que irá colocar o Brasil neste seleto grupo”, orgulha-se o Capitão de Mar e Guerra Rafael Dutra.
Sem perder de vista os desafios futuros da construção naval, esses profissionais precisam também lidar com adversidades do presente, como a obsolescência. “É esperado que o ciclo de vida de um meio naval tenha por volta de quatro décadas. Mas há em operação meios com muito mais tempo de serviço, como o Monitor “Parnaíba”, construído no Arsenal de Marinha e incorporado em 1938. É o navio de guerra mais antigo no mundo cumprindo função militar. Os engenheiros até hoje se ocupam de reparos nos canhões, nos sistemas e nos motores”, descreve o Diretor.
O conhecimento e a experiência somados resultam em produtos que não apenas são aplicados na defesa nacional, mas também rendem frutos em áreas como a saúde. Segundo o especialista, as pesquisas da Marinha para o desenvolvimento de energia nuclear têm gerado “arrasto tecnológico”. Um exemplo é a produção de radioisótopos, que podem ser empregados na fabricação de medicamentos para tratamentos de doenças cardíacas, oncológicas, hematológicas e neurológicas.
Os benefícios para a sociedade também podem ser observados na formação profissional. O Curso de Engenharia Naval e Oceânica, criado há mais de 50 anos pela Marinha, em parceria com a Universidade de São Paulo, para a graduação dos Aspirantes da Escola Naval que optam por essa carreira, não é exclusivo para os militares. “O convênio foi positivo também para o meio civil, contribuindo para o crescimento da indústria naval brasileira”, considera o Capitão de Mar e Guerra Rafael Dutra.
Diferentemente das outras Forças Singulares, a Marinha não possui uma instituição de ensino própria para engenheiros. O modelo adotado pela Força Naval é, segundo o Diretor do Centro de Manutenção de Sistemas da Marinha, o mesmo adotado em países como Estados Unidos, que mantém parceria com o Instituto de Tecnologia de Michigan (MIT, em inglês), e como o Reino Unido, com o King’s College. Essa mão de obra qualificada no País ganha ainda mais importância diante de restrições do mercado militar internacional para a compra de meios e equipamentos específicos.
A necessidade de produção local, por meio da Base Industrial de Defesa, gerou um déficit de engenheiros e o número de egressos da parceria com a Universidade de São Paulo (USP) não era mais suficiente para suprir as necessidades da Marinha. “É possível ver claramente esse movimento a partir do “boom” da construção naval, na década de 1970, quando se captou engenheiros do mercado nacional por meio de contratação em regime especial, principalmente para a construção das Fragatas Classe ‘Niterói’”, explica.
Hoje, o Corpo de Engenheiros da Marinha aceita as duas formas de ingresso: tanto a formação via Escola Naval, quanto o concurso público para engenheiros formados em instituições civis. Este último está com edital publicado, com inscrições a partir de 30 de abril, para o preenchimento de 24 vagas, em diferentes áreas, como Engenharia Naval, Civil, Nuclear, Química, Mecânica, Elétrica. As etapas incluem provas objetivas e discursivas de conhecimentos profissionais, redação e tradução de texto em inglês técnico.