O Brasil é hoje o maior mercado do mundo para bens e serviços do setor petrolífero em alto-mar. Petrobrás é a maior compradora. Entretanto, a escala, o custo e a complexidade dessas necessidades desafiam a indústria brasileira na procura de maiores negócios.
Alguns consultores acreditam que a Petrobrás poderá gastar US$ 1 trilhão nos próximos anos, em investimentos e custos operacionais de projetos em águas profundas, valor equivalente à metade do Produto Interno Bruto (PIB) de 2010, no maior empreendimento industrial da história do Brasil. Os gastos anuais de capital da Petrobrás nesta década, mais de US$ 45 bilhões, são muito mais do que o orçamento anual da Nasa nos anos 60, em dólares atualizados, quando os Estados Unidos se preparavam para enviar um homem à Lua. Poucas agências governamentais no mundo podem igualar em escala e alcance esse volume de contratos.
Segundo o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, a estatal absorve 10% dos investimentos em capital fixo bruto do Brasil. A Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), uma associação público/privada, estima que os gastos de capital para o setor de petróleo e gás, em 2009-2012, totalizarão US$ 147 bilhões, ou 60% de todos os investimentos industriais do Brasil.
A Petrobrás foi pioneira na padronização de equipamento submarino para a produção de peças intercambiáveis entre os fabricantes, reduzindo o tempo necessário para as instalações e os reparos por navios especializados que cobram aluguéis diários de US$ 200 mil.
Mas Gabrielli advertiu: "O grande estrangulamento e o risco no desenvolvimento do pré-sal estão na incapacidade dos fabricantes de fornecer navios, equipamentos e máquinas a tempo e a um custo razoável. Quando falo de equipamentos, refiro-me a milhares de sistemas, alguns críticos".
A indústria petrolífera sempre foi arriscada, tanto em termos físicos quanto financeiros, mas muito menos quando as companhias conseguem a integração vertical, controlando o fluxo da produção, transportes, refino e marketing.
A Standard Oil Trust, de John D. Rockefeller, conseguiu a integração nos primeiros anos de existência do setor, assim como as maiores companhias – Exxon, Shell e algumas outras – até que a revolução da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) nos anos 70, reduziu o controle delas sobre as reservas.
Com suas descobertas em alto-mar, desde a década de 70, a Petrobrás agora é a companhia petrolífera mais altamente integrada do mundo, com o domínio do seu grande mercado nacional, com o apoio do governo e com acesso privilegiado a grandes reservas em águas profundas nas Bacias de Campos e Santos, enfrentando muitas dificuldades técnicas.
Em 2009, a Petrobrás dominava o mercado mundial em sistemas de produção flutuantes em águas profundas, na maior parte superpetroleiros adaptados para receber, armazenar e descarregar petróleo e gás extraídos do leito marinho, com 23 dos 49 sistemas flutuantes operando no mundo todo, e 10 das 17 plataformas de produção semissubmersíveis usadas globalmente. Em 2020, as operações da Petrobrás absorverão mais 58 plataformas de perfuração (que custam mais de US$ 600 milhões cada uma), 45 novas plataformas de produção e 309 superpetroleiros e barcos de apoio.
As encomendas de plataformas de perfuração podem ser um negócio especulativo, com aluguéis que custam em média US$ 500 mil ao dia e com prazos de quatro anos entre encomenda e entrega pelos estaleiros. Nos anos de expansão, "os proprietários de sondas continuam encomendando, mesmo quando os fundamentos da economia sugerem que poderá haver excesso de construção", afirma Steven Kopits da Douglas-Westwood, uma consultoria de petróleo. "Quase todas encomendadas nos tempos de fartura são entregues depois que a recessão se instala."
Embora a Petrobrás domine seu mercado, a escala e a complexidade das operações em águas profundas envolvem um setor povoado por milhares de fornecedoras, entre as gigantes multinacionais que oferecem serviços para a exploração do petróleo, como a Schlumberger e a Halliburton, e pequenas companhias que ocupam nichos tecnológicos. Outras fornecem barcos de apoio e outras provêem serviços de hotelaria e alimentação para os trabalhadores que ficam durante semanas seguidas nas plataformas de perfuração. Os equipamentos e os serviços tecnologicamente mais avançados são fornecidos por poucas multinacionais que controlam 90% do mercado. A maioria delas criou subsidiárias locais, comprou ou formou parcerias com companhias brasileiras, para aderir às regras de conteúdo local.
Quando a indústria petrolífera mundial migrava para águas profundas, os desafios tecnológicos levaram a Petrobrás e suas principais fornecedoras a buscar a inovação. As multinacionais mais fortes – como Schlumberger, GE, Baker Hughes e FMC – montaram laboratórios perto de Campos, o centro de pesquisas da Petrobrás no Rio.
O universo do petróleo de águas profundas é habitado por sistemas de máquinas e instalações colossais, projetadas com graus rigorosos de tolerância, para permitir a operação contínua nas variadas temperaturas e pressões das profundezas oceânicas ao longo de décadas.
Gigantescos navios especializados, com guindastes com capacidade de levantar dez mil toneladas, transportam enormes submontagens entre os estaleiros e as fábricas em diferentes continentes. Instalam centenas de quilômetros de tubos flexíveis (risers), dutos e fiação elétrica protegida por material isolante para conectar plataformas de perfuração e de produção com instalações exóticas a milhares de metros no fundo marinho.
Em alguns casos, fazer flutuar um enorme componente para o lugar da montagem é mais caro do que sua fabricação, com aluguéis de navios de construção em águas profundas que custam US$ 500 mil ao dia.
Uma árvore de Natal no fundo do mar, o complexo de válvulas e instrumentos eletrônicos usados para controlar os fluxos dos poços, pode pesar 30 toneladas; um coletor, 200 toneladas. Âncoras de sucção instaladas uma ao lado da outra no leito marinho podem pesar 160 toneladas cada uma com a altura de um pequeno prédio de apartamentos. A inspeção e o reparo de equipamento submarino são feitos por grandes robôs guardados em garagens no leito do mar. A Petrobrás foi a pioneira no uso de novos materiais para a fabricação de tubos e outros componentes mais leves e mais duráveis.
A consultora Booz & Company, em um estudo para a Onip, adverte que, embora a indústria brasileira seja diversificada, participa pouco no fornecimento de bens de capital usados em alto-mar. A Booz concluiu que as fornecedoras brasileiras poderiam ser competitivas em serviços de estaleiros, sistemas elétricos, engenharia básica, suporte logístico de operações em alto mar em construção e montagem de grandes sistemas e módulos.
As construtoras Camargo Corrêa e Queiroz Galvão operam o estaleiro Atlântico Sul no Porto de Suape, em Pernambuco, em parceria com a Samsung Heavy Industries da Coreia, a líder mundial em plataformas para águas profundas. Os custos nos estaleiros brasileiros são quase o dobro dos da Coreia, que se aproveitam de mão de obra especializada, produção em série, economias de escala e de uma melhor organização.
A Petrobrás recebeu propostas de estaleiros brasileiros para 28 sondas a serem entregues até 2017, mas aceitou apenas uma oferta para sete navios de perfuração por um custo total de US$ 4,65 bilhões da Atlântico Sul. E recusou outras ofertas porque seu custo era 20% acima dos preços internacionais.
Em 2011, a Petrobrás aguarda a entrega de nove sondas alugadas, quatro delas capazes de perfurar à profundidades oceânicas de 3 mil metros. Também criou um novo holding, a SETE Brasil, para a compra de plataformas para leasing à Petrobrás, com 10% de participação da mesma Petrobrás, com o resto do capital vindo de fundos de pensão do governo e de investidores institucionais estrangeiros, como uma maneira de manter as sondas fora do balanço patrimonial da Petrobrás. Almir Barbassa, diretor financeiro da Petrobrás, disse que essas operações precisariam de "cerca de US$ 20 bilhões", com 20% a 30% em capital dos acionistas e o restante em empréstimos.
Segundo a Booz, as necessidades da Petrobrás são imensas. Para financiar a exploração e o desenvolvimento em águas profundas, nos próximos anos, a Petrobrás deverá encomendar 330 geradores à turbina, 610 mil válvulas, 10 mil quilômetros de cabos elétricos submarinos (umbilicais), 17 mil quilômetros de tubos flexíveis (risers), 4,8 milhões de toneladas de aço, milhares de peças de complexos equipamentos submarinos, 68 milhões de homens-hora de engenharia e um bilhão de horas de trabalho para a construção e montagem.
Na década de 1998-2007, a Petrobrás pagou aproximadamente US$ 200 bilhões a cerca de 18 mil fornecedoras e empreiteiras. Desde a década de 60, a Petrobrás tentou desenvolver fornecedoras. Esse esforço se tornou mais urgente na década de 80 "por falta de alternativas", disse Alberto Machado Neto, que dirigiu o setor de suprimentos da Petrobrás durante duas décadas e agora leciona na Fundação Getúlio Vargas. "Quando os preços mundiais do petróleo caíram, nos anos 80, muitas fornecedoras internacionais se fundiram e nós tivemos sérias dificuldades pela falta de concorrência. A Petrobrás lançou o Procap, um programa de desenvolvimento de empresas de tecnologia de sistemas de produção brasileiras. Uma nova fornecedora brasileira, a Flexibrás, associou-se a uma empresa francesa para a produção de linhas flexíveis."
Outra empresa local, a CBV, começou produzindo árvores de Natal antes de ser comprada pela multinacional FMC, que agora tem 400 engenheiros no Brasil. É pioneira no desenvolvimento de sistemas submarinos de separação de petróleo e gás no Brasil e no Golfo do México.
Segundo o estudo da Booz, as fornecedoras brasileiras afirmam que sua competitividade é comprometida por impostos e juros altos, pela falta de técnicos, por infraestrutura ruim e escassez de crédito a longo prazo. Elas realizam pouca pesquisa de produtos, exportam pouco e continuam dependentes da Petrobrás. Suas fábricas trabalham em geral em um turno único, o que as deixa com excesso de capacidade que poderia ser explorada para que se tornassem competitivas. Será difícil para elas competir em breve em atividades de alta tecnologia, como sondagens sísmicas, equipamentos e serviços de perfuração, fabricação de geradores à turbina e medidas e controle de automação.
Ao todo, os custos no Brasil são 55% superiores aos preços mundiais para equipamentos comparáveis, e muito mais altos em alguns casos, sem poderem oferecer sistemas críticos de alta tecnologia. Com uma escassez de profissionais qualificados, as empresas de engenharia usam até seis vezes mais homens-hora do que as firmas estrangeiras que realizam projetos semelhantes.
Neste momento, a Petrobrás pede à Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) que convença os fabricantes estrangeiros a montarem suas operações no Brasil, principalmente associando-se às empresas locais. Essa estratégia é diferente da adotada na Noruega, Grã-Bretanha, Coreia e Estados Unidos no desenvolvimento de empresas industriais para atividades offshore.
O nível muito fraco do ensino básico, público e privado, fazem com que o Brasil tenha escassez de mão de obra especializada, o que impede a adoção das estratégias dos países avançados.
Os clusters do Mar do Norte. No final dos anos 60, tanto Stavanger (na Noruega) quanto Aberdeen (na Escócia) eram antigos portos pesqueiros com estaleiros, antes da descoberta de petróleo no Mar do Norte, o que permitiu que se tornassem os principais centros de suporte da exploração e produção no mar. Buscando benefícios em longo prazo do petróleo, o governo da Noruega criou a Statoil, a estatal sediada em Stavanger, bem como uma universidade dedicada aos estudos petrolíferos, e infraestruturas para atrair companhias e profissionais estrangeiros: escritórios e locais de armazenamento, hotéis, campos de golfe e escolas internacionais.
Buscando os retornos da produção petrolífera para superar déficits nos seus pagamentos internacionais, o governo britânico estava menos interessado em desenvolver fornecedoras. Mas a presença de duas de suas maiores companhias petrolíferas, Shell e BP, permitiu que Aberdeen atraísse muitas companhias de serviços e suprimentos. Com o declínio da produção de petróleo no Mar do Norte, companhias norueguesas e britânicas agora são ativas no Brasil.
Coreia. Sem recursos próprios de petróleo, mas beneficiando-se dos investimentos em educação pública e do apoio financeiro do governo para seus três grandes conglomerados – Hyundai, Samsung e Daewoo -, a Coreia criou cinco dos seis maiores estaleiros mundiais, aumentando sua participação na construção naval de 1%, em 1975, para 39% em 2000. Esses chaebols criaram parcerias para a construção de navios para perfuração e plataformas no Brasil.
Golfo do México (Estados Unidos). Durante a maior parte das três décadas após a 2.ª Guerra, praticamente toda a demanda mundial para instalações no mar foi atendida por estaleiros e fábricas ao longo da costa do Golfo do México. Duas companhias, Brown & Root e McDermott, dominavam na construção de plataformas em alto-mar, mas surgiram muitas empresas pequenas que continuam em operação até hoje. Entretanto, o colapso dos preços do petróleo na década de 80, com muitas falências e fusões de empresas no Golfo, provocou o fechamento de vários estaleiros e a transferência para a Ásia da construção de navios de perfuração em alto mar.
O relatório da Booz contém recomendações para que as fornecedoras brasileiras possam tornar-se internacionalmente competitivas. Entre as mais importantes estão:
1. A recuperação de empresas de engenharia básica ao redor de duas ou três das principais firmas, com acesso a capital, com possibilidade de recrutamento de especialistas estrangeiros e de compra de empresas estrangeiras, para ganhar capacidade em desenvolver soluções para inovação e fortalecimento da cadeia brasileira de fornecedoras.
2. O fortalecimento do ensino básico e o treinamento técnico da força de trabalho.
3. A concentração de clusters de produção em localidades estratégicas, acabando com a dispersão provocada pela influência política.
4. A criação de institutos de tecnologia do petróleo com financiamento obrigatório da renda petrolífera, formando clusters intimamente ligados à indústria.
5. A simplificação e o aumento da transparência das regras locais.
6. Aumento dos incentivos para a exportação de bens e serviços e o fortalecimento dos vínculos com companhias globais. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA
Fonte: O Estado de S.Paulo/Norman Gall