Caio Quero
Dos cerca de 850 alunos que fazem o curso de formação de oficiais de Marinha na Escola Naval, no Rio de Janeiro, 23 são estrangeiros. Destes, 17 vêm da África, em um sinal de que a aproximação entre o Brasil e os países do continente na área de Defesa não se restringe a exercícios e venda de armamentos, mas envolve também a formação de militares.
Em sua maioria jovens na casa dos 20 anos vindos de Namíbia, Moçambique, Senegal, Nigéria e Angola, os aspirantes – como são chamados no jargão da Marinha – algumas vezes não tiveram um treinamento prévio em seus países de origem, tendo o primeiro contato com o mundo militar no Brasil.
É o caso do senegalês Cherif Ismaila Babou, de 20 anos. Vindo de uma família civil, ele foi aprovado em concurso no Senegal e logo enviado para ser formado na Escola Naval, localizada na Ilha de Villegagnon, próximo ao aeroporto Santos Dumont.
Assim como os outros estrangeiros, Babou passou por um ano de adaptação antes de iniciar propriamente o curso de formação de oficiais junto com os aspirantes brasileiros. Neste período, eles têm aulas de português, além de reforço de Cálculo e Física.
“Na verdade eu conhecia o Brasil através do futebol, do carnaval. Quando eles me disseram que eu ia para o Brasil eu fiquei um pouco confuso, porque eu não sabia nada de português. Fiquei na dúvida se eu aceitava ou não”, diz Babou, que após as aulas no período de adaptação fala em um português com pouco sotaque.
Ele acaba de ingressar no primeiro ano do curso de formação de oficiais. Até se formar terá que passar por mais três anos de aulas teóricas e práticas. No final deste período, assim como os outros aspirantes, embarca em uma viagem de cerca de seis meses em um navio-escola.
Embora esteja longe de seu país, ele continua em contato com o adido militar do Senegal no Brasil e se encontrou com seus superiores durante uma viagem de férias no ano passado. Mesmo assim, ele diz não ter ideia sobre que função o aguarda quando retornar à Marinha senegalesa.
Maquinistas
Em situação diferente estão dos namibianos Michael Kasita, de 30 anos, e Tangeni Haimbala, 26, ambos no terceiro ano do curso. Os dois já sabem que, de volta à Namíbia, irão trabalhar como maquinistas, os responsáveis pela propulsão das embarcações.
“Como fui mandado para cá pela Marinha do Senegal, eles sabem as necessidades deles. Foi a Marinha quem escolheu (que ele seguisse os estudos como maquinista)”, diz Kasita, que antes de vir ao Brasil já havia trabalhado por um ano em uma base da naval na Namíbia.
Com a especialização já definida, o currículo dos dois namibianos na Escola Naval dá ênfase a aulas técnicas, como Resistência de Materiais, Mecânica de Fluidos e Eletrônica Aplicada.
Pela internet, eles costumam conversar com colegas que, após se formarem no Brasil, voltaram à Namíbia. O país africano é disparado o país com mais militares capacitados pela Marinha brasileira, com 1.179 namibianos tendo frequentado cursos entre 2001 e 2011.
Segundo Haimbala, um dos principais conselhos dados pelos veteranos é sempre tentar aprender a versão em inglês dos conceitos passados na Escola Naval.
“Eles sempre falam pra gente aprender tudo em inglês e português, ao mesmo tempo. Porque se eu sair daqui falando só português, eu não vou utilizar português no navio”, diz.
Técnica
Vindo de um país lusófono, o angolano Américo Fortuna da Silva, de 23 anos, diz ter sentido outras diferenças entre a Escola Naval e a formação de um ano que teve em Angola.
“As escolas são muito diferentes. A Escola Naval de Angola é mais puxada na parte militar e aqui a Escola Naval é mais puxado na parte acadêmica”, diz o angolano, que está no primeiro ano do curso.
Assim como os outros aspirantes, os alunos estrangeiros dormem na escola durante os dias de semana, mas, diferente dos brasileiros, não conseguem visitar amigos e parentes nos finais de semana que estão de folga. As únicas oportunidades para matar as saudades da família são as férias de verão.
“Falando sério, foi muito difícil no ano de adaptação, porque tinha muita saudade da minha família. Depois consegui me adaptar, agora já estou acostumado, mas o mais difícil é a saudade mesmo”, diz o senegalês Babou.