Conheça a rotina de um submarinista da Marinha do Brasil
Por Agência Marinha de Notícias – Brasília, DF
Em entrevista, o Suboficial e Submarinista Agildo Almenaro da Conceição fala sobre a rotina e as características desta sub-especialização na Marinha do Brasil, destacando aspectos como confinamento e espírito de corpo. Há 23 anos na área, ele também lembra de fatos marcantes de sua carreira.
Suboficial Agildo, como é a rotina dentro de um submarino? E como o espaço interno é distribuído?
O submarino é um ambiente muito confinado. Ele não nos dá a possibilidade, como nos navios de superfície, de sentirmos uma brisa no rosto, de ver o nascer ou o pôr do sol. É um ambiente fechado, onde o espaço é utilizado ao máximo. A gente procura otimizar os espaços, então as camas são muito pequenas, os banheiros a bordo, a cozinha, as instalações, a parte de habitação e a parte operacional também, tudo é muito restrito. Isso requer que o militar tenha uma adaptação para trabalhar em um lugar assim. E a nossa rotina a bordo é bem regrada. A gente se divide em um grupo, geralmente de três militares, que, diuturnamente, trabalha em quartos de horas, em algum equipamento específico, de acordo com a profissão de cada um. Geralmente, a gente trabalha em torno de três a quatro horas e a gente tem de seis a oito horas de descanso. Esse tempo a gente usa para higiene pessoal, para lazer, para descanso ou para alguma manutenção planejada ou corretiva que se possa fazer no mar. Essa é a rotina do início até o fim da nossa missão.
Como é a convivência dos tripulantes dentro desse ambiente?
Eu costumo falar que a convivência dentro do submarino tem que ser a melhor possível, porque estamos em um ambiente pequeno, confinado, onde, geralmente, a gente passa uma certa quantidade de dias e com o mesmo grupo. Uma peculiaridade nossa, do marinheiro mais moderno ao comandante, é ter uma proximidade muito grande, já que a gente se vê a todo instante. Isso gera uma cumplicidade, um sentimento até de fraternidade. Isso faz com que a tripulação funcione, necessariamente, como uma engrenagem, onde todo mundo tem que trabalhar de uma maneira coesa, para que possamos ter o melhor cumprimento da missão.
Diferentemente do que assistimos nos desenhos animados, um submarino de guerra não tem janelas. Como é feita a navegação lá embaixo?
Muitas pessoas acham que os submarinos de guerra nos dão a opção de ter uma janela para visualizar o fundo do mar, mas a gente não tem. Quando um submarino mergulha, na verdade, não temos uma orientação visual. A orientação é sonora. A gente navega com os nossos sonares e consegue ouvir navios de superfície, submarinos dentro do mar, ruídos biológicos, como de golfinhos e baleias, e até ruído de chuva. Além disso, a gente também navega com as cartas náuticas, que é um tipo de mapeamento do mar. Os navios de superfície também utilizam essas cartas náuticas, onde a gente experimenta, através de uma roda de manobra, uma orientação mais precisa para a navegabilidade. O submarino também tem a capacidade de medir a profundidade local e essa informação vai dar uma margem para a profundidade em que se vai navegar. Temos também a possibilidade de subir para a profundidade de 15 metros, que chamamos de cota periscópica, e colocar um dos dois periscópios para fora da água, para que a gente possa ter uma visão externa da superfície do mar.
Por falar em profundidade, quanto tempo um submarino pode ficar submerso?
A questão de quanto tempo podemos ficar dentro de um submarino é bem relativa. Eu, particularmente, já fiquei 23 dias mergulhado, sem retorno à superfície. Mas o que vai limitar essa capacidade de tempo mergulhado são questões como quantidade de combustível, quantidade de água e quantidade de suprimento, de gênero alimentício. Eu, particularmente, fiquei esses 23 dias, mas, em situações mais críticas, em uma ação de combate, é possível ficar mais dias a bordo.
Como funciona a questão do oxigênio a bordo, principalmente nessas viagens muito longas?
O submarino é um grande cilindro de aço, fechado, que dispõe de uma reserva de oxigênio. Os militares respiram de uma maneira normal esse oxigênio atmosférico que está ali dentro. Esse ar atmosférico interno do submarino é controlado em 24 horas, onde a gente tem como medir a quantidade de oxigênio e de CO². Então, se, em um determinado momento, o CO² estiver em um estágio superior e o oxigênio estiver diminuindo, podemos ir à cota de 15 metros, colocar o mastro do snorkel e revitalizar o ar. Dessa maneira, a gente consegue uma atmosfera mais saudável e pode descer e continuar a nossa navegação. Nós aproveitamos também essa ocasião do snorkel para fazer a queima dos motores e carregar, através de um gerador, as nossas baterias, para que quando estivermos em uma cota mais profunda, a gente não faça mais navegação pelos motores e sim pelas baterias.
Quais foram os momentos mais marcantes da sua carreira a bordo de um submarino?
Como em toda profissão, eu tive momentos muito bons e alguns momentos de apreensão. Um desses momentos de apreensão foi um alagamento, no Submarino “Timbira”, no ejetor de lixo, que é um equipamento para confinar lixo a bordo. A gente teve uma passagem de água e, para um meio que está mergulhado, onde a água quer entrar a todo instante, não é nada agradável para um submarinista ver a água entrar de maneira descontrolada a bordo. A gente estava na cota de 15 metros, perdemos um pouco de sustentabilidade, e a gente não podia subir em emergência, porque tinham vários navios da Esquadra na superfície. Graças a Deus, o alagamento foi controlado e a gente pôde subir de uma maneira ordenada à superfície, dando tudo certo. Já os momentos bons foram vários, mas eu destaco dois: um foi a passagem pelo Canal do Panamá. O Submarino “Timbira” fez uma comissão para o Peru, na qual passamos pelo Canal do Panamá. Isso foi muito marcante, porque não é muito comum um submarino brasileiro passar por ali. Passamos pela superfície do canal e, para mim, foi gratificante cortar um país por um canal artificial. Outra missão que marcou muito foi uma que fizemos nos Estados Unidos, onde a gente tinha que furar a cobertura de vários navios de superfície que faziam escolta de um porta-aviões. A gente tinha que passar por baixo, em uma certa distância, e subir para a cota de 15 metros para tirar uma foto periscópica. Não só conseguimos furar esse bloqueio de navios de escolta, mas também chegamos bem perto do porta-aviões.
Como é a seleção e o treinamento para ser um submarinista? Assim que um militar ingressa na Marinha ele pode ir direto para um submarino?
Não, não funciona bem assim. Eu entrei na Marinha pela Escola de Aprendizes-Marinheiros do Ceará. Eu me formei marinheiro e fui trabalhar como todos os outros. Depois que eu fui fazer o curso para ir à graduação de Cabo e eu quis me sub-especializar em submarinos. Eu sou suboficial de manobras e reparos, e, naquele ano, havia a opção de os militares de manobras e reparos se voluntariarem para a Escola de Submarinos. Então, eu me voluntariei e fiz os testes de aptidão física, de saúde e os testes psicológicos. Passando com êxito por esses testes, eu fui para a Escola de Submarinos, no Centro de Instrução e Adestramento Almirante Áttila Monteiro Aché [CIAMA], que fica na Ilha de Mocanguê, em Niterói [RJ], onde fiz um curso de seis meses, que tem uma parte prática e uma parte teórica. Tendo um aproveitamento satisfatório no curso, somos embarcados nos submarinos da Marinha, onde, novamente, a gente vai passar por um estágio, para se qualificar. Concluindo tudo isso com êxito, a gente começa, a partir de então, a nossa vida operativa nos submarinos da Marinha do Brasil.
Existe algum teste psicológico durante o curso de formação ou durante esse treinamento, tendo em vista as peculiaridades da profissão, como o ambiente confinado?
A gente faz um teste psicológico antes, já que vai trabalhar em um meio confinado, mergulhado embaixo d’água. Passando por essa etapa, a gente faz um teste hiperbárico na Escola de Submarinos, onde vamos ter contato com a câmara hiperbárica e vai ser feita uma simulação da descida a uma certa profundidade. Passando com sucesso, a gente vai, cada vez mais, se aproximando da possibilidade de navegar e fazer parte da tripulação de um submarino.
Como funciona essa câmara hiperbárica?
A gente entra em um grupo de cinco até oito militares na câmara hiperbárica. Geralmente tem um mergulhador acompanhando e um médico hiperbárico que fica fora, para avaliar o comportamento desse grupo de militares que é aspirante a ser submarinista. Então, essa câmara é pressurizada, simulando que a gente está realmente sentindo essa pressão, de 10 a 20 metros. Se o militar se sentir bem na simulação de descida, ele está apto para participar dos próximos testes. Ela é pequena e apertada. Então, a gente entra e fica agachado ou sentado, porque não tem a possibilidade de ficar em pé. Geralmente, ficamos lá dentro de 5 a 10 minutos.
Como é a questão de segurança a bordo, já que é uma atividade arriscada? Você sente medo?
Como toda atividade de mergulho, existe um risco inerente da profissão. Esse medo, quando a gente entra, existe. Ao ponto em que a gente vai trabalhando e o tempo vai passando, vemos com mais normalidade e passamos a não ter tanto medo. Mas a Marinha do Brasil tem uma doutrina muito rígida, pautada em segurança, que as tripulações seguem bem à risca. Assim, conseguimos navegar e operar em segurança com os nossos submarinos.
Quando um submarinista está embarcado, como é a comunicação com quem está do lado de fora, principalmente a família?
Infelizmente, isso é uma coisa que a gente difere bastante dos outros meios. Nessa questão de comunicação, a gente não tem sinal de telefone e nem de internet. Até por questões de segurança, o submarino navega em uma derrota [rumo] programada e conhecida pela Força de Submarinos. De tempo em tempo, a gente vai até a cota periscópica e coloca uma haste de comunicação de uma maneira externa, mergulhado, mas com uma comunicação para fora da água, para conseguir se comunicar com a Força de Submarinos. Nessas oportunidades a gente recebe notícias de uma maneira geral, como se fossem um extrato de um jornal. Mas a comunicação com a família, infelizmente, a bordo não tem. Caso a família venha a ter alguma emergência, tem que entrar em contato com a Força de Submarinos. Então, a Força vai ver a providência a ser tomada.
Por fim, qual dica você pode deixar para quem quer ser submarinista?
Primeiro, que conheça a atividade, por ser bem específica, em que a gente trabalha de uma maneira confinada, em que os vários dias de mar trazem uma ausência da família e de comunicação. Então, a dica que eu dou é procurar interagir com quem é submarinista. Procure saber ao máximo da profissão. E, se optar por ser submarinista, seja bem-vindo à nossa Força, porque, com certeza, será muito feliz.
Fonte: Agência Marinha de Notícias