Por Nicholle Murmel com dados do Moscow Times e da ITAR-Tass
Moscou pode muito bem passer sem os porta-helicópteros (LHD) franceses da classe Mistral, que tiveram a entrega suspendida por conta da instabilidade na fronteira entre Rússia e Ucrânia. A declaração foi feita ontem (21SET14) pelo vice-primeiro ministro russo, Vladimir Rogozin, no programa de TV Solovyov.
“Ano passado, em novembro, entregamos aos nossos parceiros indianos o navio-aeródromo leve Vikramaditya, antes nosso antigo cruzador Admiral Gorshkov. Com a verba obtida do processo de modernização e transferência para os indianos, mostramos que podemos construir navios desse tipo”, disse o Rogozin. “Um porta-aviões no estado da arte é o pico da indústria naval. Já um navio de desembarque anfíbio tem design mais simples. É claro que somos capazes de fazer”, completou.
Em busca de novos parceiros
A recente suspensão do acordo entre Rússia e França, estimado em 1,2 bilhões de euros, para a construção e aquisição de navios da classe Mistral, foi divulgada como uma vitória política para o Ocidente. Mas apesar de ser um revés, pode não se tratar de uma derrota militar. Moscou pode conseguir outro parceiro mais amigável – até mesmo a aliada americana Coreia do Sul.
Orginalmente, o governo russo fez a encomenda junto à DCNS francesa em junho de 2011. O contrato previa a entrega incial de duas uidades modificadas do LHD para acomodar sistemas de armas russos e suportar o frio extremo do país. A construção seguiu conforme o cronograma para o primeiro navio, o Vladivostok, lançado em outubro de 2013 e atualmente passando por provas de mar. A previsão de entrega à Marinha russa é para outubro deste ano. Porém, houve pressão do Ocidente para minar o contrato por conta das políticas russas em relação à crise na Ucrânia.
Por mais que a França tenha resistido o quanto pode às pressões de outros países da União Europeia, da Otan e dos Estados Unidos para cancela a etrega do LHD, na véspera da recente assembleia da Otan o presidente francês, Françoise Holland, afirmou que a condição necessária para a transferência dos navios – enteda-se um cessar-fogo efetivo na Ucrânia – não existia.
Partindo do princípio de que a Marinha russa precisa, de fato, desses navios de assalto anfíbio, surge a pergunta: onde Moscou pode consegui-los? Afinal, o Mistral é um design avançado, projetado para desdobramentos de longop-prazo em águas distantes, e capaz de operar tanto como navio de assalto como de comando.
Esse LHD moderno é fortemente automatizado, e se trata do maior navio de combate do mundo com propulsão elétrica e pods azimutais. A doca alagável do Mistral pode transportar quatro veículos de desembarque LCM, dois hvercrafts LCAC de fabricação americana ou dois catamarãs L-CAT de alta velocidade.
Obviamente, as indústrias navais soviética e russa carecem da experiência para construir embarcações com tanta complexidade tecnológica. Os navios de assalto anfíbio construídos para a Marinha soviética e herdados pela Rússia são muito diferentes sob os aspectos conceitual e tecnológico. E dado que Moscou sequer realizou pesquisas ou projetos para esse tipo de navio em sua história mais recente, levaria vários anos, na melhor das hipóteses, para que se iniciasse a construção de uma unidade de fabricação nacional.
Na verdade a prórpia fabricação poderia levar ainda mais tempo porque todas as instalações de construção naval russas estão ocupadas cumprindo as metas de modernização militar até 2020 – sem mencionar as demandas do programa de modernização da navegação comercial também. Outro agravante são as sanções sobre as tecnologias de uso dual – significa que a Rússia teria poucas chances de importar os componentes avançados encontrados no Mistral para construir uma embarcação similar.
A única opção seria cooperar com outros países com know-how do projeto e construção de LHDs além da França. Por motivos óbvios, a Rússia não pode contratar a empresa holandesa Damen Schelde Naval Shipbuilding, ou Navantia da Espanha, mas pode considerar uma aproximação da Daewoo Shipbuilding & Marine Engineering, or DSME, da Coreia do Sul que ofereceu porta-helicópteros (Landing Platform Helicopter, ou LPH) Dokdo através da empresa russa Svezda.
O Dokdo tem uma doca alagável capaz de transportar dois hovercrafts LCAC e um hangar abaixo do convoo com espaço para dez helicópteros Blackhawk – o navio seria um substituto aceitável para o Mistral. Além disso, o LPH sul-coreano foi projetado para operações de menor alcance, diferente dos equivalentes de outros países. Em outras palavras, seua função é mais condizente com as necessidades da Marinha russa.
É claro que, como a maioria dos equipamentos militares sul-coreanos, o Dokdo inclui uma quantidade significativa de componente fabricados e fornecidos pelos Estados Unidos. A oferta desses componentes à Rússia provavelmente seria enquadrada pela ITAR (Regulamentação sobre o Trafico Internacional de Armas), e bloqueada pelos EUA. No entanto, ainda fica a oportunidade de colaboração entre Seul e Moscou, dando à Rùssia a possibilidade de fornecer ou entregar componentes comparáveis aos de fabricação americana.
Vale notar também que a Rússia tem mais experiência de trabalho com os sul-coreanos do que com os franceses no que se refere ao desenvolvimento de equipamentos militares de alta tecnologia. Por exemplo, Moscou forneceu o motor RD-191 para os foguetes KSLV-1, projetou o radar multifuncional para o sistema de defesa antiaérea de médio alcance KM-SAM, e também deve papel relevante no desenvolvimento dos mísseis portáteis (MANPADS) Chiron-1, todos em serviço nas Forças Armadas coreanas.
Além disso, a colaboração se mostrou mutuamente vantajosa – os equipamentos desenvolvidos para a Coreia do Sul encontraram aplicações também na Rúsia. Por exemplo, o sucesso do KSLV-1 levou Moscou a desenvolver o prieiro estágio do foguete-portador Angara, e o radar usado no KM-SAM será parte do novo sistema de mísseis russo Vityaz.
A conclusão é que uma parceria entre Rússia e Coreia do Sul para a construção de um navio de assalto anfíbio pode ser uma alternativa viável ao Mistral francês. O Dokdo sul-coreano com participação russa no projeto e nos componentes pode se mostrar uma peça ainda mais interessante no mercado global de armamentos.