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Gestão do Ciclo de Vida: uma abordagem estratégica para a Marinha do Brasil

Conheça a metodologia utilizada na aquisição das Fragatas Classe “Tamandaré”

Por Primeiro-Tenente (RM2-T) Cecília Paes

A Gestão do Ciclo de Vida (GCV) é uma metodologia utilizada para assegurar que os requisitos que condicionam a obtenção de Sistemas de Defesa (SD) sejam mantidos, ao longo de todo o seu ciclo de vida, desde a concepção até o desfazimento, buscando-se uma relação ótima entre custo e efetividade. Nesse sentido, diversas são as aplicações em que esta metodologia é útil para a Força. A título de exemplo, a partir de uma análise de alternativas, a metodologia indica qual a decisão de melhor custo-benefício entre a construção ou a compra de um navio, qual o valor total envolvido neste processo, não considerando apenas o custo de aquisição.

Esta abordagem é fundamental para gerir não somente requisitos operacionais, como também requisitos de confiabilidade, disponibilidade e mantenabilidade. Com essa metodologia, a Marinha do Brasil (MB) busca equilibrar suas demandas com o seu orçamento. Foi sobre esse tema que a Agência Marinha de Notícias (AgMN) conversou com o Superintendente de Gestão de Ciclo de Vida da Diretoria de Gestão de Programas da Marinha (DGePM), Contra-Almirante, da reserva, Ricardo Pereira da Silva. Confira a íntegra da entrevista a seguir:

AgMN – O que é a Gestão do Ciclo de Vida e como ela está sendo abordada na Marinha do Brasil?

Contra-Almirante Pereira –  Tudo possui um ciclo de vida. Um projeto, um indivíduo, um prédio. No entanto, no contexto em que o termo é utilizado na Marinha, a gestão refere-se especificamente  ao ciclo de vida de sistemas, dentre os quais se incluem nossos meios navais, aeronavais e de Fuzileiros Navais e compreende os estágios de concepção, desenvolvimento, produção, utilização, apoio e desfazimento. Ao longo destes estágios, são executados diversos processos, como a definição de requisitos, aquisição, manutenção, operação, e gestão de riscos e de infraestrutura. Para podermos gerir o ciclo de vida de um sistema, é necessário estruturar tais processos e integrá-los.

Essa estruturação tem sido realizada por meio de diferentes iniciativas conduzidas pela DGePM, destacando-se a elaboração de instruções normativas, a aquisição de ferramentas de Tecnologia da Informação necessárias para a execução de projetos e a disseminação do conhecimento. Além das inclusões, nos novos programas de obtenção de meios, de entregas e ações preparatórias para que os sistemas possam ser operados e mantidos da melhor forma no seu futuro ambiente operacional.

AgMN – Em quais meios a MB já está implementando a GCV?

Contra-Almirante Pereira – Tendo em vista que a GCV é uma metodologia e não um processo único, podemos dizer que a MB está implementando seus conceitos em todos os meios, mas em níveis de intensidade distintos, a depender do estágio do ciclo de vida em que cada um se encontra e de suas condições operativas. A abordagem da GCV tem sido maior nos recentes programas de aquisição de meios da Marinha, como o programas das Fragatas Classe “Tamandaré” (FCT) e do Navio Polar (NPo) “Almirante Saldanha”, nos quais a EMGEPROM e a MB estão envolvidas em todo o processo construtivo e, consequentemente, são capazes de analisar todos os planos e relatórios de GCV e Apoio Logístico Integrado (ALI) dos navios.

Em outros casos, principalmente, para os sistemas de defesa que foram recentemente adquiridos ou construídos, possuímos Equipes de ALI, responsáveis pelo planejamento dos aspectos relacionados ao apoio logístico. Por meio destas equipes, buscamos implementar, além de estruturar o ALI, outros diferentes aspectos da GCV, como o gerenciamento da configuração e da obsolescência.

AgMN – A MB utilizará alguma ferramenta específica para implementar a GCV em todos os seus meios?

Contra-Almirante Pereira – Sim. É essencial adotar ferramentas que possam padronizar as informações e processos relacionados à GCV. Um exemplo de processo de grande relevância é o gerenciamento da manutenção e o projeto do Sistema de Gerenciamento da Manutenção (SIGMAN) visa suportar sua execução.

Um exemplo claro do que buscamos com o SIGMAN em sua fase inicial é expandir o uso da manutenção preditiva, incorporando tecnologias avançadas como sensores e análise de dados alimentados por algoritmos para antecipar possíveis falhas em equipamentos antes mesmo que elas ocorram, permitindo intervenções proativas e reduzindo o tempo de inatividade de nossos meios. Além disso, essa abordagem otimiza os recursos ao concentrar os esforços de manutenção nos pontos mais necessários, resultando em maior eficiência operacional e economia de custos a longo prazo. Essa integração de tecnologia de ponta nos processos de manutenção pode representar um avanço significativo rumo à modernização e ao aumento da eficácia dos procedimentos operacionais e de apoio ao sistema.

AgMN – De que forma o pessoal da Marinha foi e continua sendo qualificado para trabalhar nesta área e de que forma este conhecimento está sendo disseminado dentro da Força?

Contra-Almirante Pereira – Como Organização Militar (OM) responsável pela orientação técnica referente à área da Gestão de Ciclo de Vida de Sistemas, a DGePM tem formado uma massa crítica de militares com Pós-Graduação e Mestrado em áreas como Engenharia de Sistemas, Gestão de Aquisições e Engenharia Logística. Alguns destes cursos, inclusive, são disponibilizados apenas no exterior. No âmbito da aquisição das Fragatas Classe “Tamandaré”, por exemplo, foram realizados cursos na modalidade “Treinamento no Trabalho” (“On the Job Training”) em Apoio Logístico Integrado e em Engenharia de Sistemas em Hamburgo, Alemanha.

Quanto à disseminação de conhecimento,  a DGePM promove o Seminário de Gestão de Ciclo de Vida anualmente e ministra palestras sobre GCV em eventos conduzidos por outras OM, além de fornecer especialistas às OM de Ensino para a realização de cursos dedicados à área de conhecimento sendo eles: o Curso de Aperfeiçoamento Avançado em GCV para Praças, realizado no Centro de Instrução Almirante Alexandrino ; e o Curso Expedito de Apoio Logístico Integrado, realizado no Centro de Instrução e Adestramento Almirante Newton Braga. Também são ministrados módulos relativos ao ALI e à GCV no Curso de Formação de Oficiais e no Curso de Formação de Cabos.


    
AgMN – Quais os desafios estão sendo encontrados na implementação da GCV?

Contra-Almirante Pereira – A sua implementação na Marinha tem como maiores desafios a conscientização sobre a importância deste tema e a realização das necessárias reestruturações em processos que envolvem toda a Força Naval. Com a incorporação gradual da GCV, outros desafios vão emergindo, à medida que a gestão dos processos e as melhores práticas evoluem. Podemos citar a diferença de maturidade entre os meios da Marinha, no que se refere à documentação de ALI e GCV existentes, além de os meios estarem em estágios de ciclo de vida muito distintos. A discrepância tecnológica entre os antigos e os novos meios pode gerar lacunas de conhecimento e pode dificultar, por exemplo, a capacitação para a realização das manutenções e a permuta de sobressalentes entre os diferentes meios/classes. Outro desafio, também nesta perspectiva, está no gerenciamento de dados por parte da MB, uma vez que gerenciar e analisar dados sobre a manutenção e a operação de meios em estágios distintos é complexo.

AgMN – Com o início da utilização da GCV na Marinha, já existem diferenças e resultados mensuráveis?

Contra-Almirante Pereira – Sim, já é possível observar resultados e impactos positivos de ações implementadas. Um exemplo é a elaboração do material normativo para orientar o processo de descarte dos meios da Marinha, que já está sendo utilizado, como, por exemplo, para o desfazimento do ex-Navio de Desembarque de Carros de Combate (NDCC) “Garcia D’Avila”. Até 2023, a MB carecia de um regulamento específico para orientar o estágio de desfazimento dos sistemas de defesa. Em resposta à necessidade de atualização das diretrizes para o desfazimento, conforme as leis, normas e convenções em vigor, e reconhecendo a importância desse estágio dentro da GCV, a DGePM elaborou a Norma para o Desfazimento de Meios Navais, Aeronavais e de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil (DGMM-0200), que aborda as peculiaridades do desfazimento dos sistemas de defesa à luz da GCV.  

Outro exemplo está na obtenção da Unidade de Vigilância Costeira, a ser incorporada ao Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz). O processo de seleção da melhor oferta considerou aspectos de GCV e ALI, a fim de buscar como resultado a operação do sistema de forma eficaz, com alta disponibilidade e sem interrupções desnecessárias causadas por problemas logísticos ou de manutenção, além de mitigar riscos relacionados à obsolescência de equipamentos, disponibilidade de peças de reposição, capacidade de manutenção, entre outros. O SisGAAz é um Programa Estratégico da Marinha do Brasil concebido para monitorar e proteger de maneira contínua e integrada as águas jurisdicionais do Brasil e as áreas marítimas internacionais sob sua responsabilidade.

Fonte: Agência Marinha de Notícias

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