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Belga é condenado por trazer ex-navio de guerra

Por Marcelo Auler – Portal Consultor Jurídico

Por sentença do juiz federal Roberto Schuman, da 3ª Vara Federal Criminal do Rio, um antigo navio de guerra da Real Marinha Holandesa, com 198 pés (60 metros de comprimento) e apto a enfrentar geleiras, será incorporado ao patrimônio da Marinha de Guerra. Após uma reforma em estaleiro do Rio de Janeiro, o navio foi transformado no iate oceânico Wega, com nove cabines luxuosas, todas com banheiras.

Na sentença, o belga Pierre Paul Vanderbroucke, único sócio conhecido da empresa Pégasus, dona da embarcação, e o despachante aduaneiro Franklin Machado da Silva foram condenados pelo crime de descaminho – introdução de bens no país sem o recolhimento dos impostos. A pena do estrangeiro foi de nove anos e um mês de reclusão e multa de 855 salários mínimos (no valor da época dos fatos) e a do brasileiro de três anos e seis meses e 70 salários mínimos de multa. A primeira deverá ser em regime fechado com direito a recorrer em liberdade. A do brasileiro, em regime aberto, foi convertida em prestação de serviços à comunidade por oito horas semanais e ao pagamento de mais 70 salários mínimos a uma entidade que cuide de crianças com síndrome de Down.

A briga judicial pelo navio – avaliado no Brasil em R$ 50 milhões – se estende desde 2006, quando a Receita Federal o confiscou, declarando o seu perdimento, em consequência das falsas informações prestadas quando do seu ingresso no Rio de Janeiro, o que caracterizou o crime de descaminho. Em 2004, o então comandante do Wega, o dinamarquês Johannes Hermann Iverse, declarou que ele era um veleiro, avaliado em 200 mil dólares (o equivalente a R$ 624 mil naquela época) que estava de passagem pelo país e precisava de pequenos reparos. Isto o isentou do pagamento de tributos. Como o visto de permanência do navio precisava ser renovado a cada 90 dias e o comandante Iverse já não se encontrava no Brasil, Vanderbroucke e Machado da Silva utilizaram uma procuração falsificada para providenciar o documento.

Dois anos depois, já totalmente reformado, o iate começou a fazer passeios turísticos e foi anunciado em notas na imprensa e reportagens em revistas especializadas náuticas como embarcação destinada a aluguel. Para a Receita, ficou evidenciada a falsidade das declarações prestadas, o que caracterizava o descaminho, pois por meio de informações falsas trouxeram para o país uma embarcação usada – cuja importação é proibida – e alegando que ela parou no Rio para sofrer reparos, elidiram o Fisco, deixando de pagar impostos. Isto justificou seu confisco pelos auditores fiscais.

A comunicação do caso pela Receita à Procuradoria da República levou o procurador Marcelo Miller, em 2007, a denunciar Vanderbroucke e o despachante Machado da Silva pelos crimes de contrabando e falsidade ideológica. O juiz Lafredo Lisboa, da 3ª Vara Federal Criminal, ao receber a denúncia, determinou a apreensão do barco e nomeou como fiel depositário o Capitão dos Portos. Desde então a embarcação está no Arsenal de Marinha do Rio.

Nó no Judiciário
Mas a disputa virou um emaranhado jurídico. A Pégasus recorreu à Justiça Federal Cível para anular o confisco pela Receita. O juiz Wilney Magno de Azevedo Silva, da 16ª Vara Federal, determinou a entrega do barco aos donos. Lafredo Lisboa, porém, avocou a ação cível, alegando que o destino do iate dependeria da ação criminal. Esta decisão foi revista pela 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que devolveu a ação cível à 16ª Vara. Com isto, o juiz Azevedo Silva quis fazer valer sua decisão, de devolver o barco à Pégasus. Nova decisão da 7ª Turma Especializada do TRF manteve a embarcação apreendida sob a guarda da Capitania dos Portos.

Antes disto, porém, surgiu no caso a promotora de Justiça Márcia Coloneses Lopes Guimarães, da 32ª Vara Criminal da Capital. Seu interesse na questão, segundo ela mesma explicou, era a amizade de seu falecido marido, o procurador de Justiça José Ricardo Lopes Guimarães, com Vanderbroucke.

Mesmo estando em licença médica desde a morte do marido em junho de 2009, ela foi com o belga à Capitania dos Portos em 28 de janeiro de 2010 e, alegando ser do Ministério Público para justificar o não agendamento do encontro, exigiu ser recebida pelo Capitão dos Portos , o Capitão de Fragata Nilo Moacyr Penha Ribeiro, de quem cobrou a imediata liberação da embarcação, conforme relato feito à Justiça Federal pelo oficial da Marinha e assinado por cinco outras testemunhas.

A iniciativa da promotora teve outra consequência. Ao saber do fato pelo Relatório Circunstanciado encaminhado pelo Capitão dos Portos, o juiz da 3ª Vara Federal Criminal, Roberto Schuman de Paula entendeu que o belga "tentou obter a liberação do iate ao arrepio da lei, causando toda sorte de perturbação à rotina da organização militar da Marinha do Brasil", e decretou a sua prisão preventiva, em nome da garantia da ordem. A decisão foi cassada no dia 2 de março pela 2ª Turma do TRF.

A defesa do belga Vanderbrouche ainda tentou, através de um Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, trancar a ação penal por “atipicidade da conduta, alegando que os fatos imputados ao paciente não configuram descaminho ou falsidade”. Relatado pelo desembargador convocado Haroldo Rodrigues (TJ-CE), o pedido foi rejeitado por unanimidade pela 6ª Turma daquele tribunal superior.

Vanderbroucke não foi mais encontrado nos seus endereços no Rio, entre eles, o Hotel Plaza Ipanema, de sua propriedade. Na sentença, uma vez que o belga não foi localizado pelos oficiais de Justiça, o juiz facultou à defesa do réu provar que ele não se encontra foragido, sob pena de ser decretada a sua prisão.

Schuman determina, ainda, “de forma a preservar a embarcação, que já sofreu a natural depreciação que os veículos aquaviários sofrem em geral”, a expedição de ofício ao Capitão dos Portos e ao Ministro da Defesa comunicando a alocação provisória do referido bem à Marinha do Brasil até o trânsito em julgado. Manda que seja feito o levantamento do atual estado da embarcação e do custo de eventuais consertos, aparelhamento e manutenção da mesma até o trânsito em julgado da sentença.

Ele também determinou o envio da sentença ao Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para anexá-la a um “eventual procedimento administrativo derivado do acompanhamento da Promotora de Justiça Márcia Colonese em conjunto com o réu Pierre junto às instalações da Capitania dos Portos para tratar de assunto particular do réu (liberação do iate WEGA), conforme relatório militar existente nos autos e já enviado”. Por fim, encaminhou a decisão ao Corregedor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, para que seja apurada a falsificação da procuração, que utilizou selos cartorários oficiais no documento falso.

Clique aqui para ler a sentença na Ação Penal 2006.51.01.532301-8.
Clique aqui para ler a decisão da Vara Cível no Processo 2006.51.01.017797-8 – DOC-2
Clique aqui para ler a decisão da 7ª Turma Especializada no Agravo 2010.02.01.000565-2
Clique aqui para ler a decisão do STJ no HC 124.450 – DOC. 4

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