Nota DefesaNet
Mesmo dia 2 visões opostas OESP x FSP
O editor
Editorial OESP
Militares e segurança jurídica
10 Ago 2017
Desde que as Forças Armadas passaram mais frequentemente a ser convocadas para participar das chamadas Operações de Garantia da Lei e da Ordem previstas na Constituição, auxiliando no policiamento de várias cidades – agora estão no Rio de Janeiro –, o comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, reivindica mais segurança jurídica para os militares envolvidos nessa tarefa. “Tenho o dever de protegê-los”, disse ele em sua conta no Twitter, dias depois de tropas terem atuado em Jacarepaguá, na Vila Cruzeiro e no Complexo de Lins, no Engenho Novo.
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A Op GLO no RJ exige segurança jurídica aos militares envolvidos. Como Cmt tenho o dever de protegê-los. A legislação precisa ser revista. pic.twitter.com/tO4tBnEdsP
— General Villas Boas (@Gen_VillasBoas) 7 de agosto de 2017
A preocupação do comandante do Exército é procedente e antiga. Ele já a havia manifestado no ano passado, quando as Forças Armadas foram convocadas para garantir a segurança pública no Rio de Janeiro, durante os Jogos Olímpicos – dois anos antes, elas tinham sido mobilizadas com idêntica finalidade, durante a Copa do Mundo. E voltou a manifestá-la há alguns meses em depoimento no Senado, quando afirmou que o uso “desgastante e perigoso” das Forças Armadas em operações de segurança pública deveria se dar somente em situações críticas, nas quais a polícia se revela incapaz de executar seu trabalho, expondo a sociedade a risco.
Como são treinados para cumprir funções tipicamente militares, na proteção da soberania nacional contra ameaças externas, eventuais crimes cometidos por integrantes das Forças Armadas são julgados pela Justiça Militar, segundo os entendimentos e preceitos próprios das corporações. Mas, a partir do momento em que militares do Exército, Marinha e Aeronáutica executam ações de segurança pública, processos resultantes do confronto com criminosos comuns terminam sendo julgados pela Justiça Comum, que se utiliza de leis e parâmetros diferentes dos da Justiça Militar. Isso gera uma enorme insegurança jurídica nas tropas.
“A Operação de Garantia da Lei e da Ordem, com o emprego de militares devidamente treinados e equipados, deve ocorrer segundo a legislação penal militar. Atualmente, em alguns casos, é aplicável a legislação penal comum. Isso pode trazer prejuízos para a carreira profissional do militar, caso ele venha a se envolver em um confronto, e para a operação em si, já que uma pronta reação pode ficar comprometida. A segurança jurídica deve prover a necessária liberdade de ação para as forças atuantes”, disse o comando do Exército, em nota oficial.
O general Villas Bôas lembra que as forças militares não têm poder de polícia. Por isso, disse ele, no cumprimento de missões policiais nas comunidades do Alemão, da Penha e da Maré, as tropas identificaram alvos e locais importantes, mas não puderam deter suspeitos e apreender produtos ilícitos por falta de mandado de busca e apreensão expedido por autoridade judicial competente. Se tivessem agido para garantir a segurança dos moradores, os integrantes dessas forças poderiam ser processados pelo Ministério Público e condenados por juízes criminais.
Para resolver esse problema, durante os Jogos Olímpicos, realizados no Rio de Janeiro no ano passado, o Congresso aprovou uma lei complementar, incluindo no Código Penal Militar um parágrafo que determinava que eventuais crimes cometidos por militares em Operações de Garantia da Lei e da Ordem fossem julgados pela Justiça Militar. O problema é que essa lei caducou em 31 de dezembro de 2016. Há outro projeto com o mesmo objetivo, em tramitação no Senado desde agosto de 2016, que é defendido de modo enfático pelo comandante do Exército. Esse projeto foi aprovado em regime de urgência pela Câmara dos Deputados, mas ainda não entrou na pauta de votação do Senado.
Dada sua relevância, cabe aos senadores aprová-lo o mais rapidamente possível, sem levar em conta a pregação feita por alguns pretensos ativistas sociais, de que a Justiça Militar é uma corte corporativa e por isso tenderia a tolerar violações dos direitos humanos da população por parte de militares, o que não aconteceria com a Justiça Comum.
Editorial do @Estadao tratando da segurança jurídica aos militares das FA em Op GLO. Reforço minha posição: a lei precisa ser modificada. https://t.co/hzTaH89AFS
— General Villas Boas (@Gen_VillasBoas) 10 de agosto de 2017
Folha de São Paulo
Militares contra a Justiça civil
10 Ago 2017
RIO DE JANEIRO – Externando o que possivelmente é uma visão majoritária nas Forças Armadas, o comandante do Exército, general Villas Bôas, usou uma rede social para mostrar seu pouco apreço pela Justiça civil, ao menos quando a ela compete julgar seus soldados.
"A Operação Garantia da Lei e da Ordem (GLO) [operação das Forças Armadas] no RJ exige segurança jurídica aos militares envolvidos. Como comandante tenho o dever de protegê-los. A legislação precisa ser revista", escreveu ele, na segunda (7). A lei que o general quer mudar é a que determina que militares sejam julgados pela justiça comum quando cometem crimes dolosos contra a vida de civis.
Há um projeto de lei, atualmente no Senado, que prevê que esse tipo de crime seja tratado pelos tribunais militares. A proposta foi lançada no ano passado, visando a Olimpíada, e foi aprovada na Câmara dos Deputados. Em linhas gerais, é a criação de um foro privilegiado para soldados que matem civis.
É difícil entender por que Villas Bôas acha que falta "segurança jurídica" para seus homens atuarem no combate à violência no Rio. Se um dos 10 mil militares da ocupação matar um civil —ainda que seja um criminoso—, será julgado pelos mesmos tribunais que julgam PMs e todos os demais cidadãos, com o mesmo direito à defesa. Por que isso os deixaria desprotegidos?
Para cumprir o dever de proteger seus homens, basta ao general dar-lhes treinamento e equipamentos adequados. Colocá-los fora do alcance da lei dos cidadãos comuns, no contexto da atuação no Rio, não é proteção, é licença para matar.
De resto, além de sinalizar desprezo pela Justiça civil, a manifestação demonstra pouco conhecimento dela: numa cidade em que quase todas as mortes cometidas por PMs viram "auto de resistência", não são as forças de segurança que estão desamparadas nos tribunais.