Os caças da FAB
Eliane Cantanhêde
O Ministério Público reabriu as investigações sobre os caças da FAB, mas uma coisa é certa: se alguém pagou propina a favor do sueco Gripen NG, da Saab, jogou dinheiro fora; e, se alguém recebeu por fora para forçar esse resultado, levou sem muito esforço (recorrendo à Wikipedia?) O que, talvez, torne ainda mais grave a suspeita de suborno.
O programa FX da FAB começou no governo Fernando Henrique, arrastou-se pelos oito anos de Lula e só teve um desfecho no primeiro mandato de Dilma. Deve ter rolado muito lobby, pressão e tráfico de influência, mas o fato é que a narrativa tem uma sequência razoavelmente clara e uma conclusão lógica. Com corrupção ou não, daria o avião sueco.
O FX evoluiu para FX-2, já com novos modelos, e levou todos esses anos por falta de dinheiro, decisão política e coragem para enfrentar a opinião pública, que prefere investir em saúde (e evitar o zika vírus) a comprar aviões, tanques e submarinos das Forças Armadas. Mas, quando Dilma Rousseff anunciou o sueco, com um custo aproximado de US$ 5 bilhões, não houve bafafá. A sociedade já tinha assimilado a importância da defesa aérea e os concorrentes estavam preparados. Passou sem dor.
Além do Gripen NG, concorriam o francês Rafale, da Dassault, e o americano F-18 Super Hornet, da Boeing, alvos de um embate entre as áreas política e técnica do governo nos dois mandatos de Lula. O presidente e os ministros da Defesa, Nelson Jobim, e das Relações Exteriores, Celso Amorim, fizeram de tudo pelo Rafale, mas a Aeronáutica sempre trabalhou pelo Gripen, com apoio de empresas brasileiras do setor.
Deslumbrado com a tal “aliança estratégica” com a França, Lula queria o Rafale e, num dos três ou quatro encontros com o então presidente Nicolas Sarkozy num único ano, chegou a anunciar a escolha do caça francês antes de receber o relatório da Comissão Coordenadora do Programa Aeronaves de Combate (Copac, da FAB). Diante do constrangimento geral e da chiadeira na Força Aérea, voltou atrás no dia seguinte. Primeiro, a posição da FAB; depois o anúncio.
E aí veio o problema: a conclusão do relatório de 37 mil páginas, que vazou pela imprensa, dava o caça sueco em primeiro lugar, o dos EUA em segundo e o queridinho do Planalto em terceiro e último. Como anunciar o francês na contramão da Aeronáutica? A partir daí, a política fez o resto. Lula foi se afastando de Sarkozy e perdeu definitivamente o encanto quando a França passou-lhe uma bela rasteira, votando na ONU contra o acordo do Irã articulado por Brasil e Turquia. Nunca mais Lula falou de Sarkozy e de caça da FAB. Selou-se, assim, a sorte do mais caro dos três concorrentes do FX-2.
Início de Dilma, reinício do programa. Sem o Rafale, começou a decolar o F-18 americano, embalado pelo fato de que os EUA são o país que mais investe em defesa, a Boeing é a maior empresa do setor no mundo e dez entre dez pilotos adoram os caças americanos. Com essa promissora avenida – ou pista –, a Boeing instalou até representação no Brasil, com a respeitada ex-embaixadora Donna Hrinak à frente, mas a espionagem dos EUA no Brasil explodiu tudo. Assim como o acordo do Irã derrubou o Rafale, a NSA atingiu o F-18 em plena decolagem.
A compra dos jatos deu um giro de 180 graus e voltou ao início: o relatório da Copac, que considerou critérios como preço, custo de manutenção e absorção de tecnologia, e deu a vitória ao Gripen NG. Muita gente certamente ganhou dinheiro por fora dos três lados, mas prevaleceu a lógica: pela preferência da FAB, pelas condições técnicas e pelas circunstâncias políticas, daria o avião sueco de qualquer jeito. Se o MP e a PF descobrirem mutretas, vão descobrir também que quem pagou entrou de gaiato e quem levou ficou na sombra e água fresca.