Os mísseis antinavio são armamentos indispensáveis à Marinha do Brasil (MB) para o cumprimento de sua missão constitucional. Até então, esta capacitação tem sido assegurada pela aquisição junto às grandes potências com condições de produzi-los. Essa solução revelou algumas limitações e inconvenientes que levaram a MB a buscar uma alternativa nacional. É natural que fabricantes de armas caras e sofisticadas como essas procurem manter o seu domínio dificultando o acesso a qualquer informação técnica que permita aos seus clientes desenvolverem capacitação própria, muitas vezes até mesmo para a manutenção necessária para assegurar a operacionalidade das mesmas. São situações típicas do mercado de armamentos de defesa, que trazem implicações no desenvolvimento tecnológico e na afirmação da soberania de países como o Brasil. Este tema foi abordado de forma abrangente na elaboração da Estratégia Nacional de Defesa, quando foi claramente estabelecido que um dos seus eixos estruturantes compreende a “reorganização da indústria nacional de material de defesa, para assegurar que o atendimento das necessidades de equipamento das For- ças Armadas apoie-se em tecnologias sob domínio nacional”. Atuando em consonância com esta diretriz, a Marinha decidiu pela implementação de um programa de desenvolvimento e fabricação de um míssil antinavio de superfície, denominado na sua origem MAN-SUP. A implementação de um programa como este apresenta uma série de desafios em função de sua complexidade e ineditismo. O equipamento envolve subsistemas de diferentes naturezas, abrangendo uma vasta gama de disciplinas de engenharia como propulsão, aerodinâmica, navegação, guiagem, controle, altimetria, detecção, radar e outras. Visando aumentar as chances de sucesso do programa, a Marinha decidiu pelo envolvimento de diferentes empresas, contratando de cada uma um escopo mais próximo às suas capacitações específicas, assegurando ao mesmo tempo que todos os subsistemas envolvidos estejam cobertos. Outro aspecto de grande complexidade para um programa deste tipo é decorrente de | REFLEXÕES | Tarcísio Takashi Muta Crédito da imagem: Fundação Ezute/ Fredy Uehara sua duração, que determina a divisão em fases com objetivos bem definidos, além de um especial cuidado com o seu gerenciamento. Face à complexidade envolvida, com vários desafios de natureza técnica e também gerencial, a Marinha decidiu contratar também uma “gerenciadora complementar”, objetivando assegurar o sucesso do programa, bem como o atendimento de todos os procedimentos específicos de uma contratação e gestão com recursos públicos. Esta atividade requer o envolvimento de uma grande equipe multidisciplinar, experiente em gestão técnica e administrativa de projetos complexos e alinhada com os processos próprios do setor público. Para este fim, foi contratada a Funda- ção Ezute em função da sua experiência acumulada pela participação no desenvolvimento e gestão de projetos complexos. No MAN-SUP, sua atuação pode ser dividida em duas grandes frentes: Gestão Contratual – gestão de atividades, cronograma, avanço físico, processos, documentação, riscos, nacionalização, segurança das informações, registros do projeto, etc. (produção de relatórios e outros registros, realização de reuniões gerenciais e técnicas, adequação e atendimento a diretrizes de órgãos de fiscalização); Gestão Técnica – atividades de Engenharia de Sistemas envolvendo gestão de requisitos, interfaces, acompanhamento técnico do desenvolvimento, gestão de integração, testes, qualificação, visando entre outros a manutenção da integridade sistêmica ao longo de seu grande período de desenvolvimento. A execução dessas atividades envolve o conhecimento das necessidades operacionais de emprego do armamento, das tecnologias envolvidas e a aplicação de normas e padrões internacionais para estruturação, projeto, implementação, qualificação e gestão de projetos e sistemas de defesa como: NBR ISO 9001:2008 – Gestão da Qualidade; NBR 15100: Sistema da Qualidade Aeroespacial; NBR 14857-2: Sistemas Espaciais – Garantia do Produto; IEEE/EIA 12207 (MIL-STD-498); ISO/FDIS 14300 -1 Space Systems – Program Management – Part 1 – Structuring of a Program; European Space Agency (ESA) – European Cooperation For Space Standardization (ECSS); UK Defence Standardization – Ministry of Defence DEF-STAN-21-59/ Systems Engineering Guide for Naval Combat Systems; Environmental Engineering Considerations and Laboratory Tests (MIL-STD-810F); Requirements for the Control of Electromagnetic Interference Characteristics of Subsystems and Equipments (MIL-STD-461F); e Guia PMBOK® – Project Management Institute (PMI). A decisão da Marinha do Brasil pelo programa MAN-SUP tem sido um exemplo de aplicação pragmática na solução de um problema para sua operação via o aperfeiçoamento e capacitação da indústria nacional. Da mesma forma, uma capacitação gerencial à altura da complexidade do programa tem se mostrado de sucesso na efetiva participação e integração de empresas capacitadas em tecnologias sofisticadas e de complexidade em seu seguimento específico, e viabilizando o alcance do sucesso num projeto onde coexistem desafios de manutenção de integridade sistêmica, atuação integrada porém independente de diferentes estruturas empresariais que têm domínio de tecnologias sofisticadas e de grande complexidade em seus seguimentos específicos. A replicação na aplicação deste modelo, via um planejamento estratégico do Estado brasileiro para o desenvolvimento nacional, com pragmatismo na sua implementação, levaria de fato a um patamar de autonomia e à soberania almejada pela nação, já claramente expressa na Estratégia Nacional de Defesa.