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STF limita atuação da Abin, após Bolsonaro ‘turbinar’ agência

 

Rafael Moraes Moura

BRASÍLIA

Portal Estadão 13 de agosto de 2020 | 18h38

Em uma derrota para o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (13AGO2020) impor limites à atuação da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) envolvendo os pedidos de compartilhamento de dados dos 42 órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) – entre eles a Polícia Federal, a Receita Federal, o Banco Central e a Secretaria de Operações Integradas (SEOPI) do Ministério da Justiça.

Durante o julgamento, marcado por recados ao governo Jair Bolsonaro, os ministros entenderam que todo e qualquer pedido de compartilhamento de informações feito pela Abin deve ocorrer apenas quando ficar evidenciado o interesse público da medida. O Supremo também barrou o envio de dados como quebra de sigilo e escutas telefônicas, que somente podem ser obtidos com prévia autorização judicial.

A discórdia gira em torno de um decreto assinado no mês passado pelo presidente Jair Bolsonaro que fez mudanças na estrutura da Abin, ampliando o número de cargos de confiança e criando uma nova unidade, o Centro de Inteligência Nacional. O texto está previsto para entrar em vigor na próxima segunda-feira.

A Rede Sustentabilidade e o PSB acionaram o Supremo alegando que a medida – classificada pelos partidos como mais um dos “abusos do governo federal” – deixou de limitar as hipóteses de requisição de informações por parte da agência, bastando uma pedido do diretor-geral da ABIN para obter plenos conhecimento de informações sigilosas.

“Não estamos aqui a cuidar de Abin paralela. Por uma razão simples: inteligência está posta como uma atividade necessária. Arapongagem, pra usar uma expressão vulgar, mas no dicionário, essa atividade não é direito, é crime. Praticado pelo estado, é ilícito gravíssimo. O agente que adota prática de solicitação de dados específicos sobre quem quer que seja fora dos limites da legalidade comete crime. Não é do que estamos falando”, frisou a relatora da ação, ministra Cármen Lúcia.

“Qualquer fornecimento de informação mesmo entre órgãos públicos que não cumpram rigores formais do direito e nem atendam ao interesse público configura abuso de direito e contraria a finalidade legítima posta na lei da ABIN. Mecanismos legais de compartilhamento de dados e informações são postos para abrigar o interesse público, não para abrigar interesses particulares. Solicitação de informações da Abin a órgãos devem ser acompanhados de motivação. Não é possível ter como automática a requisição sem que se saiba por que e para quê”, frisou Cármen Lúcia.

O entendimento da ministra foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luix Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e o presidente do STF, Dias Toffoli. Celso de Mello se ausentou e Marco Aurélio Mello votou contra.

“Não nos cabe imaginar, não nos cabe para voltar a jargão carioca, ver chifre em cabeça de cavalo”, comentou Marco Aurélio.

O julgamento ocorreu em meio à repercussão de um dossiê elaborado pela SEOPI contra opositores do governo Bolsonaro que se intitulam “antifascistas”.  Depois de dizer que “não seria menos catastrófico” abrir acesso a dados da SEOPI ao Poder Judiciário, o ministro da Justiça, André Mendonça, mudou o tom e enviou na última quarta-feira ao STF uma manifestação em que afirma que compartilharia o relatório, se houver determinação judicial nesse sentido.

A primeira resposta de Mendonça enviada ao STF foi uma resposta à determinação da ministra Cármen Lúcia para que apresentasse explicações sobre o caso dentro de um prazo de 48 horas. Na nova manifestação, o ministro suavizou as declarações. Esse outro caso vai ser analisado pelo plenário do STF na próxima quarta-feira.

“Tem-se um cenário em que a ausência de protocolos claros de proteção e tratamento de dados, somada à possibilidade, amplamente divulgada na imprensa, de construção de dossiês investigativos contra servidores públicos e cidadão pertencentes à oposição política, deve gerar preocupações quanto à limitação constitucional do serviço de inteligência”, disse Fachin.

“Como bem mostrou o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, o modelo adotado, ao longo do regime militar pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) como órgão da Presidência da República, não pode, sob nenhuma hipótese ser o mesmo da Abin”, acrescentou Fachin.

Condições. Na avaliação do ministro Luís Roberto Barroso, os órgãos do SISBIN somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à Abin quando comprovado o interesse público da medida e afastada qualquer possibilidade de esses dados atenderem interesses pessoais ou privados, sempre ficando documentado quem pediu. “Toda e qualquer decisão que requisitar os dados deverá ser motivada. É preciso que se saiba sempre quem entregou e quem recebeu, porque isso é importante para o controle da cadeia da legalidade”, frisou Barroso.

“Há uma imensa desconfiança em relação à atividade de inteligência por obra do SNI. O passado condena. O SNI criado, logo depois do golpe de 1964, tornou-se parte conhecida da História brasileira, esse organismo se perdeu no monitoramento e perseguição da oposição. Temos um passado que condena de utilização indevida de agências de inteligência para a proteção de interesses por vezes inconfessáveis de lideranças políticas autoritárias”, observou Barroso.

O advogado Rafael Carneiro, defensor do PSB, alertou para as reiteradas tentativas da Presidência da República de maior acesso a dados sigilosos da população, destacando o episódio do dossiê contra servidores antifascistas. “Inteligência é central para o processo de erosão democrática que vem ocorrendo ao redor do mundo”, afirmou Carneiro.

A ABIN ainda não se manifestou sobre o julgamento.

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