Diego Escosteguy
O Bastidor
28 Janeiro 2024
Oficiais da Agência Brasileira de Inteligência, a ABIN, acreditam que a crise política provocada pelas operações recentes da Polícia Federal põe em sério risco as atividades cotidianas do órgão, notadamente a troca de informações sensíveis com outros países acerca de questões de segurança.
A ABIN depende da colaboração com outras agências para monitorar as principais ameaças ao estado brasileiro. Entre elas, estão a ascensão e o fortalecimento de facções da América Latina que atuam no Brasil, como o PCC, e que mantêm parcerias comerciais com as máfias italiana e espanhola e o crime organizado nos Bálcãs.
Há, também, a crescente presença russa e dos chineses no país – no caso da China, a ameaça é de espionagem corporativa e industrial, sobretudo no setor de energia. O extremismo islâmico é uma preocupação constante. Fosse pouco, o Brasil precisa de uma boa relação com a inteligência de outros países ocidentais para se proteger das ameaças cibernéticas globais que surgem silenciosa e frequentemente.
Os oficiais encarregados de dialogar com seus pares em grandes agências relatam ter dificuldade para serem levados a sério. Parte desse problema é estrutural; decorre da falta de tradição do Brasil no setor, o que se reflete na ausência de investimentos em gente e tecnologia. A segunda parte é conjuntural, embora atrelada à primeira: o uso e abuso político da agência. Em síntese, trata-se do desprezo de Brasília à construção de um órgão de inteligência de estado.
Embora tenha sido criada há 24 anos, como sucessora do militaresco SNI, a ABIN nunca foi tratada como prioridade pelos presidentes, pelo Congresso e pelo Judiciário. Os oficiais de carreira sofrem, entra governo, sai governo, com a sucessão de pessoas estranhas ao corpo da agência – e estrangeiras à doutrina e à função do órgão – que ocupam cargos de direção nela.
O ofício de inteligência, em prática e temperamento, é incompatível com o ofício de polícia. Também é incompatível com o ofício de militar. No entanto, policiais federais e militares sempre são convocados por presidentes a mandar na ABIN, direta ou indiretamente. Nunca deu certo. Não está dando agora, por óbvio. E não dará, caso Lula opte, como é provável, por um político ou delegado para chefiar a Abin que emergirá da crise atual.
O presidente retirou a agência da supervisão dos militares, o que era um problema na gestão de Jair Bolsonaro. Mas Lula, assim como Bolsonaro, insiste em colocar delegados da PF para mandar numa agência de inteligência de estado. (O diretor da ABIN hoje é Luiz Fernando Corrêa, delegado aposentado da PF.)
Policiais federais e agentes de inteligência não se bicam. Brigam por coisa séria e por bobagens. Numa agência que precisa de regras, competência e fiscalização constante para dar certo, o caminho mais curto para seguir dando errado envolve ignorar oficiais de carreira em favor de políticos ou delegados que não têm, por definição, o mesmo compromisso com o sucesso dela.
Os servidores da ABIN alertam que a consolidação da carreira de estado deles requer uma mudança de mentalidade. Além, é claro, da superação da ignorância apalermada que envolve (quase) qualquer debate na política brasileira sobre inteligência de estado.
Se o Brasil não levar a sério seu serviço de inteligência, quem levará? Num momento em que o país precisa enfrentar a ascensão do crime organizado e de ameaças cibernéticas críticas à infraestrutura de Brasília, a falta de inteligência pode custar caro.