O Ano Pós-Farnborough – Cifras, Futuro e Desafios
A maior feira de aviação do Reino Unido, além da celebração de negócios, desperta prognósticos de mercado. A única certeza sobre futuro, no entanto, é de enormes desafios.
por Vianney Jr
Editor-chefe de Avaliação de Aeronaves – DefesaNet
@jrvianney
Com a quebra do recorde de todos os anos anteriores, a edição de 2014 alcançou a sonora marca de 201 bilhões de dólares em movimentação de negócios. Ao longo de cinco dias, intenções de compra e pedidos firmes envolveram mais de 1.100 aeronaves, totalizando US$ 152 bilhões. As negociações de motores a jato civis atingiram o número de 1.600 unidades, ao valor de US$ 34,5 bilhões, além de US$ 14,5 bilhões em contratos de serviços. Mas, por trás destes números positivos (sustentados pela aviação civil), como se adapta a indústria aeronáutica à demanda por uma “próxima geração”?
Next Generation – Decifra-me ou Devoro-te
A entrada de novas tecnologias exige de fabricantes, escolhas decisivas que posicionarão seus produtos de forma competitiva em um mercado em transformação. Os objetivos são basicamente eficiência, segurança, economia e conforto, para a aviação civil; e precisão, multifuncionalidade e vantagem tecnológica em combate, para as aeronaves militares. Mas a que custo? A que tempo?
O F-35, a esperada estrela do show, não chegou a tempo de tomar parte no evento. Ironicamente, uma boa analogia desta conjugação de “Espaço X Tempo”. TTC, ou Tech X Timing X Cost, como eu prefiro definir (algo diferente de cost-effectiveness).
Talvez em raros momentos de sua história, a indústria aeronáutica tenha vivido desafios tão “Esfingegmáticos” como o presente. Sou forçado a concordar que falar em desafio neste segmento empresarial, seja ele civil ou militar, é como que incorrer em vício de linguagem conhecido. Pleonasmo, por certo! Mas, as nuances das presentes demandas do mercado, intersecionadas com a realidade quase universal de arrochos orçamentários, extraem dessa palavra seus mais assustadores sinônimos.
O autor na entrevista coletiva da SAAB sobre o Gripen NG
(Foto – SAAB)
Mercado Militar
Parafraseando Douhet(*), um novo “Il dominio dell'aria”
A ausência do F-35, destaque dos anúncios e cartazes de Farnborough 2014, e certamente, motivador da visita de muitos correspondentes internacionais à feira deste ano, foi como lenha na fogueira das discussões sobre o futuro da aviação militar. E, em particular, sobre o futuro de tradicionais fabricantes europeus.
O “groundeamento” de toda a frota de F-35, em razão de fogo na turbina de uma aeronave do modelo A, nos Estados Unidos, até que fosse concluída a investigação do incidente, inviabilizou o debute internacional do Lightning II. Munição certa para os detratores do caça da Lockheed Martin, fartamente equipado com sensores e sistemas da britânica BAE Systems.
Muito mais caro que o previsto, e atrasado no cronograma de desenvolvimento – pontuado por falhas de sistemas, e até mesmo de projeto – o F-35 compromete os prazos de initial operational capability (IOC) para a US Air Force, Marines e US Navy. Leia-se por consequência, um efeito cascata para todos os demais participantes do programa, e compradores do primeiro caça stealth do mercado a entrar em serviço internacionalmente.
A grande vantagem competitiva (tanto no ar, como no mercado) do F-35 seria a furtividade, ou baixa visibilidade, graças à tecnologia denominada “stealth”, uma combinação entre geometria das estruturas e revestimentos de superfícies, que respectivamente, dispersam e absorvem as ondas emitidas pelos radares inimigos. No entanto, ao tempo que esta tecnologia (até então restrita ao F-22 – não comercializado pelos Estados Unidos) é ansiosamente esperada pelos esquadrões dos sete países (além de prováveis quatro mais) que a utilizarão como principal trunfo aéreo, contra-tecnologias são desenvolvidas notadamente por China e Rússia. Radares baseados em VHF com modificações no comprimento de onda, e detectores de perturbação do espectro, parecem liderar o caminho para reestabelecer o equilíbrio quebrado pelos “caças invisíveis”. Com isso, a principal arma, ou vantagem tecnológica do Lightning II seria grave, ou, parcialmente comprometida.
Porém, se não o F-35, o que então? Quem será o “game changer” depois da esquina, ou, se preferir, depois de mais de um trilhão de dólares investido, e da aposta de países espalhados por quatro continentes?
De quinta!
Se na linguagem coloquial, algo de quinta, é algo de qualidade duvidosa, é exatamente por aí que “queimam a mufa” os profissionais de marketing dos concorrentes de 4ª, para produzir as peças publicitárias que defendem a permanência de seus caças no mercado.
Primeiro questionam a própria definição de “geração”, e depois atacam a operacionalidade limitada e alto custo dos “nascidos” 5ª, desde a prancheta.
Tudo justo, tudo certo. O que não dá pra negar, ou fugir da discussão, é que o caça é um dos ativos de mais extensa vida útil dentro do arsenal militar de uma nação. E aí a grande pergunta: Como se pensar em uma aeronave de combate entrando em efetivo e pleno serviço (com todas as integrações de armamento e softwares de multimissão) em cinco, dez anos, e permanecendo em uso por mais 20, 25 ou 30 anos (média atual de serviço dos caças de diversas forças aéreas mundo a fora)?
Obviamente, é incontestável que em 30 anos, aeronaves oriundas de projetos das décadas de 70 e 80, não possam representar o “cutting edge” do inventário de uma arma aérea. Para os que ainda assim queiram insistir na “upgradabilidade” dos sistemas e sensores, fica uma perturbadora questão: Teríamos atingido o limiar das qualidades aerodinâmicas no século passado?
Persistirão os argumentos contra uma “nova geração”?
Cockpit do F-35
Dança das Cadeiras
Algumas previsões dão conta de que com a diminuição de números totais de caças nas forças aéreas do mundo todo, o F-35 alcançará uma fatia de mercado de aproximadamente 50%, após 2018. Por volta deste ano, está prevista a desativação de linhas de produção de importantes caças da atualidade, isto, caso novos contratos não sejam negociados.
É claro que em toda previsão, paira um quê de especulação. O que parece consenso, no entanto, é que o mundo está ficando pequeno demais para tantos fabricantes. Como na brincadeira de crianças, a cada intervalo da música (ou a cada concorrência tipo F-X, para fins de nossa comparação) uma cadeira é reduzida.
Se nos Estados Unidos, Boeing e Lockheed Martin são os dois fabricantes a disputar as fatias do bolo, na Europa a situação é bem mais complicada. Vale lembrar que apenas sete países já compraram caças de fabricantes não-nacionais por mais de US$ 50 milhões. Se de um lado do Atlântico esta disputa é dura (Leia mais em DefesaNet – HO – Caças: O “X” da Quest…, digo, da Geração ), do outro pode ser mortal! A indústria de caças europeia enfrenta uma batalha por contratos que pode significar sua sobrevivência após 2020.
“Affordability”, ou, em tradução livre, Do Tamanho do Seu Bolso
Estou analisando, assim, que faz sentido o fim da produção, e consequentemente, da compra de um 4ª geração? Definitivamente NÃO!
O sonho da LockheedMartin e Pentágono que os custos do F-35,
evoluam como este maravilhoso spin.
Existe um cost-effectiveness bem plausível para a operação destas aeronaves. Principalmente quando compatíveis às ameaças às quais o operador analisa estar exposto em curto, médio e longo prazo, e o nível de atuação e interesses globais do país. Só para se ter uma ideia, análises apontam que aproximadamente 30 países teriam condições econômicas para suportar um custo de aquisição entre 35 a 55 milhões de dólares por caça (em valores de hoje). Aviões que com tecnologia de 4ª geração adequam-se às necessidades destes países, e que oferecem IMEDIATA operacionalidade. Isto, obviamente, com um custo de operação bem mais acessível que o de caças de 5ª geração.
Na faixa acima dos 55 milhões de dólares, é onde o bicho pega! Aí se encontram os principais concorrentes nos mais recentes certames F-X de importantes países. São os 4+, 4++. Uma forma de rotular o quanto um avião de combate de 4ª geração se aproxima dos critérios adotados para “definir” uma “next generation”. Quão mais sofisticados sejam, e quanto mais tecnologias incorporem, por consequência, mais se aproximam do custo de um F-35, aeronave atualmente tomada como referência para esta “nova geração”.
Comentário: Associado à escolha e aquisição de um caça, comumente é visto como quesito de seleção, a transferência de tecnologia para a indústria do país comprador. Nos casos nos quais a indústria nacional tem capacidade de absorção de tais tecnologias, o benefício faz todo o sentido, até mesmo pelo grau de autonomia gerado pelo fortalecimento de empresas nacionais estratégicas do setor de defesa. O que não se pode confundir, ou pior, sacrificar, é a eficácia da defesa aérea de um país, com a procrastinação de ações de reequipamento, justificadas pelo argumento da TRANSFERÊNCIA. Um importantíssimo fator em matéria de decisões estratégicas das pastas de Defesa, mas que deve ser conduzido paralelamente à manutenção das capacidades operacionais imediatas. (Leia mais em DefesaNet – HO – Ensaio sobre a eficácia de Programas F-X para Forças Aéreas de Países Emergente) |
Futuro Tropical
Curiosamente, parte importante do cenário da fabricação de caças pode encontrar seu futuro ao Sul do Equador. É amplo o reconhecimento por parte de inúmeros analistas, e da própria indústria, de que o Brasil assume uma confortável posição de dar as cartas, dentro de um mercado cada vez menor, e francamente disputado. Com uma necessidade de algo em torno de 120 novos caças, uma base industrial com boa ou relativa capacidade de absorção de tecnologia, múltiplas relações comerciais, e um contrato inicial para 36 aeronaves, o país assegura uma zona de conforto à SAAB, fabricante do selecionado Gripen. Com a decisão brasileira, a empresa sueca se posiciona em melhor situação que seus principais concorrentes: a britânica BAE Systems, a italiana Alenia Aermacchi, e a franco-alemã Airbus Group – que em consórcio produzem o Eurofighter Typhoon; e a francesa Dassault – com o Rafale, no que diz respeito à expectativa de negócios para os caças produzidos pelos fabricantes europeus.
Comentário:
No cenário global, Estados Unidos e Rússia têm, devido aos seus imensos mercados internos e por necessidades estratégicas de uma forte indústria nacional, um pouco menos de dependência de contratos internacionais. A China também tem uma alta demanda interna, porém a produção nacional ainda depende de tecnologia externa. Mesma dependência de Índia, Coréia, e Paquistão, membros mais recentes a ingressar no restrito clube de fabricantes de caças supersônicos. |
A construção conjunta de caças no Brasil, além de um bom negócio para o parceiro estrangeiro, pelas razões óbvias comerciais, pode também oferecer ganhos advindos do capital humano do país. A criatividade e o espírito inovador e empreendedor dos profissionais brasileiros podem representar um bônus nesta relação. A parceria entre fabricantes tradicionais de caças, e o mercado/indústria do Brasil – no atual cenário de “ameaças invisíveis”, digo stealth, ou melhor, de “nova geração” – abre possibilidades para a criação de uma fórmula alternativa às limitações impostas por um futuro tão restritivo.
Mas nem tudo é necessariamente palatável. É também um ingrediente desta fórmula, e capaz de azedar a receita, literalmente, a instabilidade do comprometimento governamental do Brasil com assuntos atinentes à indústria de defesa.
Durante aqueles cinco dias de negócios em Farnborough, em conversas com delegações de diversas Forças Aéreas, e com alguns dos mais respeitados executivos dos mais importantes grupos da indústria aeroespacial mundial, fui questionado repetidas vezes sobre as perspectivas do Brasil, e qual a impressão de mercado para a América Latina como um todo, uma vez que quase todos os países da região enfrentam o envelhecimento dos armamentos de suas respectivas forças armadas.
Farnborough 2014 revelou-se um oráculo que também tem dúvidas. E faz inúmeras perguntas! Aparentemente, ansioso por respostas que apontem para um amanhã mais tranquilo; menos desafiador ao futuro da indústria aeronáutica militar de alta performance no velho continente.
* Giulio DOUHET – militar italiano, que escreveu livros, que influenciaram desde a 1ª Guerra Mundial, sobre o conceito do emprego do Poder Aéreo em combate