Parte 2 – Exército conclui reforma dos kids pretos, grupo envolvido na tentativa de golpe; veja o que mudou

Comando de Operações Especiais será desidratado com a perda de cursos e diminuição de unidades; integrantes da tropa participaram de operações clandestinas durante a tentativa de golpe bolsonarista. Foto – Militares do Comando de Operações Especiais, em Goiânia: dali saíram parte dos oficiais acusados pela Polícia Federal Foto: Isac Nóbrega/PR


Nota DefesaNet

Publicada em duas partes, 03MAR2025 e 14ABR2025, o articulista de O Estado de São Paulo, no Portal Estadão, detalha as ações empreendidas pelo Comando do Exército na desmobilização e fim das Forças Especiais do Exército Brasileiro.

Parte 1 – As medidas do Exército para reformular e diminuir o poder dos kids pretos após o plano do golpe 03MAR2025

Parte 2 – Exército conclui reforma dos kids pretos, grupo envolvido na tentativa de golpe; veja o que mudou 14ABR2025

O Editor


Marcelo Godoy
Portal Estadão
14 Abril 2025

O 1.º Batalhão de Ações Psicológicas (1.º B Op Psc) vai deixar o Comando de Operações Especiais (COpEsp) e será subordinado diretamente ao Comando Militar do Planalto (CMP). A medida considerada saneadora pela cúpula do Exército tem o objetivo de afirmar o caráter estratégico da tropa, que ficaria sob a tutela do comandante da Força, e não mais subordinada a um comando de nível tático.

A mudança do 1.º B Op Psc não significa que ele não possa atuar, quando requisitado, inclusive com o COpEsp. A ideia é que se um comando tático precisar de apoio do batalhão para sua missão, ele a receberá. O Comando do Exército pretende, com a alteração, ter o controle desse instrumento estratégico.

Trata-se da última alteração envolvendo a estrutura dos kids pretos, as tropas especializadas em operações especiais. Foi de lá que saiu parte dos oficiais acusados de envolvimento nas duas ações militares executadas na intentona bolsonarista: a operação psicológica para desacreditar o Alto-Comando do Exército (ACE) e permitir um golpe de coronéis, e a vigilância sobre o ministro do STF, Alexandre de Moraes, e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Entre os acusados na trama identificados pela PF está o então comandante do 1.º B Op Psc, o tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, que foi preso na Operação Tempus Veritatis, em 14 de fevereiro de 2024. Um dos policiais que acompanharam sua prisão contou que o oficial jurou ser inocente ao seu comandante, o general de divisão Ricardo Piai Carmona, comandante do Planalto. Um ano depois, os áudios apreendidos pela PF desmontaram a versão do militar.

Tenente-coronel Guilherme Marques Almeida assumiu o comando do 1º Batalhão de Operações Psicológicas do Exército Brasileiro em 19 de janeiro Foto: Igor Oliveira/Agência Exército

Não só. A análise do celular apreendido em poder de outro acusado, o tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior, mostrou que vários coronéis e tenentes-coronéis se envolveram na operação psicológica para pressionar o ACE – o Exército indiciou quatro dos investigados pela PF em um Inquérito Policial-Militar sobre um desses documentos, uma carta aberta aos oficiais.

Em um diálogo, fica claro como as conversas evoluíram para a ação. Ele envolveu o coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros e o tenente-coronel Ronald, em 28 de novembro. Cavaliere conta que divulgou um documento para pressionar o ACE e incitar a adesão militar ao golpe. Afirmou que sua turma fez “uma Op Psico forte” (Operação Psicológica), demonstrando saber que havia ultrapassado a fronteira dos atos preparatórios para iniciar a execução de uma operação militar.

O Comando do Exército procura não ligar as alterações no COpEsp ao comportamento de quem foi acusado de tramar o golpe. A justificativa técnica para a mudança do batalhão seria o reconhecimento de um erro: as ações para influenciar a opinião pública não podem ficar nas mãos de um comando tático; devem estar afinadas com o Estado-Maior do Exército (EME) e com Centro de Comunicação Social da Força, órgão de assessoramento do comandante.

O general Tomás (centro) e o general Amin (à dir.): ambos foram alvo da operação psicológica montada para desacreditar o Alto-Comando Foto: Alex Silva/Estadão

Ou seja, o trabalho do batalhão têm caráter estratégico. A novidade é baseada no resultado do trabalho de um grupo de estudos criado pelo EME para reformar o COpEsp que entregou seu relatório ao chefe do Estado-Maior, general Richard Nunes, na semana passada. Nesta semana, o tema deve ser analisado pelo comandante do Exército, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva.

Outras Alterações

Outro enxugamento ocorrido no COpEsp tem relação com a Companhia QBRN (Química, Biológica, Radiológica e Nuclear), que teve seu efetivo em Goiânia reduzido para que fosse aumentada a tropa que atua no Rio de Janeiro, o 1.º Batalhão de Defesa QBRN (1° Btl DQBRN). Trata-se de um grupo responsável pelas ações de contraterrorismo, que deve atuar em grandes eventos.

Essa mudança atende a Diretriz para Aprimoramento da Capacidade de Defesa QBRN do Exército, que prevê a criação de um Pelotão de Reconhecimento e Vigilância Mecanizado (Pel Rec Vig Mec) no 1° Btl DQBRN. Além disso, como a coluna noticiou, foi retirado do COpEsp o curso de operações psicológicas. Ele foi transferido para o Centro de Estudos de Pessoal (CEP), no Rio.

Equipe composta de militares do Exército, especializados em defesa química e biológica, trabalha na operação de desinfecção e higienização durante a epidemia de Covid-19 Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Por fim, o Exército diminuiu as vagas no Curso de Ações de Comandos (CAC) de 70 para 48. Este é feito no Centro de Instrução de Operações Especiais (C I Op Esp), em Niterói (RJ), e é obrigatório para quem pretende ser um kid preto. A reforma do COpEsp preservou dos cortes só as unidades centrais do Comando: o 1.º Batalhão de Ações de Comandos (1.º BAC) e o 1.º Batalhão de Forças Especiais (1.º BFEsp). Também foi mantida a subordinação do COpEsp ao CMP.

Reações à anistia

Ao mesmo tempo em que procura deixar as mudanças no COpEsp fora da turbulência que o envolveu em razão da contaminação política em 2022, o Exército está preocupado com a ética profissional para evitar novos episódios de deslealdade à instituição e aos seus comandantes, aspectos ligados diretamente à honra militar. Procura esclarecer o limite dos interesses pessoais e quando estão em desacordo com a instituição. É aí que surge outro desafio: o projeto de anistia bolsonarista.

O que fazer com a deslealdade passada, com os que puseram seus interesses acima daqueles do Exército e da Pátria? Como tratar os que apunhalaram seus comandantes e, pelas costas dos generais, executaram operações clandestinas e criminosas? Não se trata apenas dos casos do general Mário Fernandes e dos coronéis Bernardo Romão Côrrea Netto e Mauro César Cid.

O então presidente da República, Jair Bolsonaro é cumprimentado pelo comandante de Operações Especiais, o general Mário Fernandes, na sede do COpEsp, em Goiânia Foto: Isac Nóbrega/PR

Há aqueles que já foram até condenados pelo Superior Tribunal Militar (STM), como o major João Paulo da Costa Araújo Alves, do 2.º Batalhão de Engenharia de Construção (2.º BEC), em Teresina. Costa Araújo se dizia bolsonarista e pré-candidato a deputado federal. Resolveu desafiar publicamente seus comandantes por meio de postagens em redes sociais. Desobedeceu ordens para que cessasse com sua ação. Fez pouco de generais e coronéis.

É isto que o Congresso quer anistiar? Ou ainda o caso do coronel José Plácido Matias dos Santos, que foi condenado na Justiça Militar a quatro meses de detenção, em regime aberto, por incitar a insubordinação do Exército à Presidência da República? E ainda ofendeu o comandante da Marinha do Brasil, almirante Marcos Olsen, chamando-o de “prostituta”.

Placídio questionou em rede social, no dia 8 de janeiro, onde estavam “os briosos coronéis com tropa na mão?” Incitou o golpe dos coronéis contra os generais que se recusavam a se colocar fora da legalidade constitucional. Fez mais. Divulgou um manifesto: “General Arruda, o Brasil e o Exército esperam que o senhor cumpra o seu dever de não se submeter às ordens do maior ladrão da história da humanidade.” O general Júlio César de Arruda era o então comandante do Exército.

Coronel Placídio pediu golpe, incentivou ação de coronéis e publicou ameaça ao ministro da Justiça no dia 8 Foto: Reprodução

É isto que se quer anistiar? Ou seria o plano de matar Lula, Alckmin e Moraes? Ou ainda a operação psicológica que determinou ataques nas redes sociais contra os generais Tomás, Nunes, Valério StumpfFernando José Sant’Anna Soares e SilvaAndré Luis Novaes Miranda e Guido Amin? Não só a eles, bem como aos seus familiares. Ou ainda o uso de viaturas do 1º BAC na ação contra Moraes?

Se é verdade que é preciso equilíbrio e medida nas punições, também é real o temor sobre a possibilidade de anistia desses militares. O primeiro é o risco de submeter os chefes da Força à ameaça de uma retaliação política por ter sido legalista. A segunda é a consequência na tropa: um efeito semelhante ao que as anistias provocaram nas PMs ao encorajar episódios de baderna e desordem.

Assim, uma anistia, como a querem os bolsonaristas, seria apenas a continuidade da tentativa de golpe contra a democracia e o estado democrático? Para salvar Jair Bolsonaro vale tudo? A anistia, neste caso, corre o risco de se transformar em uma punição a quem cumpriu a lei e um prêmio a desordeiros que deixaram de lado os valores militares.

Nota DefesaNet

Matéria publicada por DefesaNet em 25JAN2023. A única correção a ser feita na matéria é que não foram ativistas do PT e PSOL, mas sim o próprio Alto Comando do EB, que fez o serviço.

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