O alerta (o sempre alerta) a respeito da Desinformação
Como Falar com Crianças e Jovens sobre Guerra
Flávio César Montebello Fabri
Colaborador – DefesaNet
O assunto em voga trata-se do conflito que ocorre no Leste Europeu. As redes sociais explodem com uma quantidade enorme de imagens, vídeos e posicionamentos. Muita “informação”. Um volume enorme. Mas com uma ausência mais que indesejável, nota-se pouco a respeito da história, cultura local, fatores diversos e motivações a respeito do conflito. Na verdade, muitos fazem difundir à exaustão um vídeo (por exemplo), com diversas “informações” para, dias depois, verificar-se que era totalmente fora de contexto. A desinformação reina.
Procurar informar-se, para ao menos possuir uma vaga idéia do que ocorre, cada vez mais torna-se difícil. Quanto mais, ainda, tentar conversar a respeito do tema, quando indagado por outras pessoas (principalmente as mais jovens). Assim sendo, foi adequadamente disponibilizado, pelos Escoteiros, um folder a respeito de como abordar o tema com crianças e jovens.
O material pode ser consultado clicando na imagem abaixo e acessar em formato PDF, Cortesia Escoteiros do Brasil:
Imagem: Folder a respeito de como abordar sobre a guerra. Material produzido pelos Escoteiros da República Tcheca e difundido por intermédio do site dos Escoteiros do Brasil (fonte: https://escoteiros.org.br/)
Tão adequada quanto essa iniciativa (abordar sobre um tema atual e polêmico), são as orientações a respeito de como instrumentalizar tal. “Os Escoteiros da República Tcheca prepararam … dicas para escotistas, que também podem ser úteis para educadores, pais ou voluntários que trabalham com crianças e adolescentes em outras organizações”. Em tempo, o termo “escotista” refere-se ao adulto que atua no movimento escoteiro. Entre vários pontos (criar espaço para diálogo, ser bom ouvinte, compreender o que os jovens entendem sobre o tema, atentar-se aos fatos ao invés de especulações etc.) o que chama a atenção no folder é:
Orientando as crianças e jovens sobre onde encontrar informações, como reconhecer preconceitos e notícias falsas. Deixe-os saber que podem falar com adultos de confiança quando se sentirem ansiosos ou tiverem dúvidas. Especialmente para Escoteiros, Sêniores e Pioneiros, vocês podem pesquisar juntos onde encontrar informações confiáveis, conversar sobre como verificar fontes e saber distinguir notícias verdadeiras das falsas. A guerra da desinformação também faz parte de qualquer conflito, e devemos preparar os jovens para não sucumbir a ela.
Antes que alguém “sucumba” à tentação de pensar que o Movimento Escoteiro resume-se a acampar, aprender a fazer fogueiras, vender biscoitos (ou se preferirem, bolachas) ou fazer uma boa ação por dia, posso garantir que é extremamente mais amplo em seus objetivos que isso. Muito mais.
Pertenço a um Grupo Escoteiro (o Grupo Escoteiro Desbravador 008/SC), que está sediado em uma pequena e agradável cidade do interior de Santa Catarina. Este tradicional Grupo (por sinal o único atualmente desta aprazível cidade), por ocasião das restrições impostas pela pandemia não pôde, por longo período, efetuar atividades presenciais. Mas isto não significou permanecer inerte e menos ainda alheio ao compromisso com seus jovens. Para os diversos ramos escoteiros (e suas faixas etárias), foram elaboradas atividades remotas e encontros regulares em ambiente virtual. Afinal de contas, a restrição era para atividades coletivas presenciais, não para um isolamento intelectual, de atividades de pesquisa ou prática individual motivada.
Um dos debates, com incentivo à leitura (sugerindo-se aos jovens, inclusive, a conversa com os pais) e exposição em ambiente virtual das convicções que os jovens passaram a ter, neste período, foi justamente sobre desinformação. Exatamente isso. Enquanto diversos atores públicos e “formadores de opinião” digladiavam-se, gerando por vezes mais dúvidas do que orientações que fomentariam a calma tão como a plena consciência do que de fato ocorria, foi incentivado e efetivamente debatido a respeito da desinformação, seus objetivos e impactos na vida cotidiana. Isso, em um Grupo Escoteiro (Desbravador – 008/SC).
Novamente, antes que alguém “sucumba” à tentação de pensar sobre pretenso ativismo, desvirtuar finalidade, entre outras falácias, de um adulto voluntário em relação aos jovens escoteiros, faço recordar aos incautos que o Movimento Escoteiro possui um número impressionante de manuais, regramentos, cursos e atividades. A literatura é excepcionalmente vasta. Dentro destes “manuais”, somente para me fazer entender, cito o POR (Princípios, Organização e Regras), onde em sua regra 2, se lê:
O propósito do Movimento Escoteiro é contribuir para que os jovens assumam seu próprio desenvolvimento, especialmente do caráter, ajudando-os a realizar suas plenas potencialidades físicas, intelectuais, sociais, afetivas e espirituais, como cidadãos responsáveis, participantes e úteis em suas comunidades, conforme definido pelo seu Projeto Educativo.
Se para alguns, a conclusão (precipitada) de que o tema “Ucrânia” tenha chegado para os escoteiros como algo “recente” tendo em vista a “popularidade” do assunto, faço recordar da campanha Escoteiros pela Ucrânia, lançada pelos Escoteiros do Brasil em março de 2015, que beneficiou 380 refugiados. A fonte da informação? O site da Embaixada da Ucrânia no Brasil (em 24 de outubro de 2015). Posteriormente, outras notícias mostraram que o total de beneficiados aumentou para mais de 850. Portanto, não é mero interesse momentâneo.
Brinca-se muito, a respeito de que em redes sociais, agora, ao invés “de especialistas em COVID”, temos uma quantidade impressionante de “especialistas em geopolítica”, conflitos etc. Nada mais exato e tristemente verdadeiro que isso. É um dos aspectos da desinformação (gerando “certezas” acaloradas para alguns).
Aliás, também foi recentemente veiculado (como uma triste, também, constatação) a respeito da defasagem dos alunos, que foi potencializada pelas restrições impostas pela pandemia. Faço esse parêntese pois, se um dos focos a respeito da abordagem em relação ao que ocorre na atualidade é alertar sobre a “guerra da desinformação”, por outro nota-se que a oferta de “conhecimento formal” (por intermédio da rede pública de ensino) não atingiu patamares tão adequados. Torna-se relevante a pergunta a respeito da capacidade de compreensão dos mais diversos temas.
Corrobora-se tal posicionamento por intermédio de notícias como “aluno do ensino médio sai da escola com defasagem de quase 6 anos” (https://educacao.uol.com.br/noticias/2022/03/02/aluno-ensino-medio-desafagem-saresp-2021.htm), onde se lê que:
“um estudante da rede estadual de São Paulo terminou o ensino médio em 2021 com uma defasagem de quase seis anos em matemática. Em língua portuguesa, este aluno saiu da escola pública com um desempenho adequado para adolescentes que estão no 8º ano do ensino fundamental — ou seja, quatro anos antes”.
Em outra fonte (G1 – SP), lemos que:
“Com pandemia, aluno do ensino médio de SP tem pior desempenho da história…
96,6% dos alunos da rede estadual terminaram a escola 2021 com desempenho abaixo do adequado em matemática. Na prática, o aluno da 3ª série do ensino médio saiu da escola com proficiência de matemática adequada a de um estudante do 7º ano do ensino fundamental. Secretário admite que o ensino que 'já era ruim, ficou pior' “.
Circunstâncias como essas (ensino com péssimo desempenho), a questão de, em redes sociais, promover-se a exposição de convicções (como se fosse uma necessidade irresistível) sem a devida análise de contexto ou uma mera e elementar pesquisa (para pura e simplesmente expor qualquer coisa com o fulcro de se ganhar visibilidade no ambiente virtual), questões de ordem ideológica, entre várias outras, podemos falar então que o período é o verdadeiro paraíso para aqueles que operam intencionalmente a desinformação. A Guerra Híbrida mostra-se mais que eficaz e atual.
Falando em Guerra Híbrida, talvez fosse mais que adequado citar, então, as Revoluções Coloridas. O livro Guerras Híbridas – das revoluções coloridas aos golpes (Andrew Korybko – Editora Expressão Popular – 2018), ao menos pela ótica russa, elucida um pouco a respeito do tema.
Tais revoluções, que seriam planejadas com antecedência, com larga aplicação de operações psicológicas, ferramentas de propaganda, intenso uso de redes sociais, objetivam a desestabilização de governos por intermédio de grandes manifestações de massas, protestos “pela democracia” etc. São a “fagulha que incendeia uma situação de conflito interno”. Curiosamente, os estudos do autor (Andrew Korybko) desta relevante obra, concentram-se a respeito da Síria e, especialmente, da Ucrânia. O objetivo da revolução seria desestabilização de um governo (subjugando as instituições que o representam), derrubando a liderança do Estado. Um conjunto de movimentos no início dos anos 2000, a Revolução das Rosas na Geórgia em 2003, a Revolução Laranja na Ucrânia em 2004 e a Revolução das Tulipas no Quirguistão em 2005, fez com que países da ex-União Soviética passassem a ter governos menos alinhados com a Rússia.
O nome Revolução Laranja foi escolhido pelo fato desta cor ser a da campanha eleitoral do candidato da oposição, Viktor Yushchenko, durante as eleições à presidência daquele país. Os protestos populares eram imensos, trazendo milhões de ucranianos à Kiev. O êxito da revolução se deu em 23 de janeiro de 2005, com Yushchenko sendo conduzido à presidência. Houve apoio oficial da Polônia para que ocorressem mudanças democráticas na Ucrânia, o que levou à tensões com a Rússia. É fato que a partir do final de 2010, uma onda de protestos também surgiu a partir da Tunísia, dirigindo-se para a Argélia, Jordânia e Iêmen (no que ficou conhecido como Primaveras Árabes) e, protestos com características similares passaram a ocorrer na Europa para, por fim chegarem à América (e Brasil).
É um tema que deveria interessar a todos. Até pelo fato de estarmos em plena “corrida eleitoral” em nosso país, havendo posicionamentos por vezes “apaixonados” nas mais diversas partes. Não somente o que ocorre na Ucrânia, mas também sobre a desinformação. Alguns atores públicos (ou personalidades, com objetivo de angariar uma carreira política) deveriam ser uma fonte fidedigna de informações. Independente da linha ideológica. Mas não é o que ocorre. De minha parte, como assessor parlamentar que fui por algum tempo, gostaria de externar a respeito de uma conclusão (equivocada ou não, mas totalmente pessoal), pela limitada atuação que tive nessa atividade. Trata-se somente de uma convicção que criei.
Uma cautela adequada em tempos atuais, mais do que nunca, é lembrar que políticos (ou quem, em determinado momento, com interesses a respeito de projeção pessoal, com o foco de representar determinada categoria ou grupo) são uma imagem. Afinal, preocupam-se em demasia com isso.
A palavra “imagem” possui como significado (singelo) o “aspecto particular pelo qual um ser (ou objeto) é percebido”. Assim, o conteúdo em si (valores, cultura, conduta etc.) por vezes é deixado de lado (ou mesmo torna-se, por várias circunstâncias, irrelevante momentaneamente) pelo impacto causado única e simplesmente pela “imagem”, por discursos inflamados ou pela rápida exposição de idéias, massificadas por intermédio das redes sociais (idéias estas que não necessariamente partiram do político ou dito representante de determinada categoria em si, mas de um grupo de assessores, por exemplo), fomentando simpatia (ou não) a respeito de determinada pauta. Com os mais diversos interesses, que podem ser pessoais ou não, de efetiva resolução de determinada demanda (ou para justificar que tal demanda é irreal, face interesses públicos), para prover consciência situacional ou expor determinada linha ideológica. Ser um “representante”, “esperança” ou “salvador” de determinada categoria, linha ideológica ou público, trata-se de uma imagem (meticulosamente) construída. Falo de uma forma genérica. Existem excelentes parlamentares tão como outros, nem tanto. Da mesma forma que existem assessores com formação primorosa e conhecimento adequado para atuar na atividade legislativa, tão como outros que não se sabe como estão naquele ambiente (que não o motivo pessoal ou interesse pelo qual determinado parlamentar o escolheu). Assim, não necessariamente toda figura pública é uma fonte de “verdades”.
De qualquer forma, opino para que o tema atual seja debatido, estudado e que a desinformação combatida. Conversar com os mais jovens e que procuram criar uma convicção, torna-se mais que adequado. Buscar boas fontes, checá-las, observar se não há qualquer outra intenção que a de informar.
DefesaNet constantemente busca orientar sobre temas relevantes (e complexos, que exigem muito mais que uma mera análise simplista). Necessário citar também que vários atores (como os Escoteiros e, porque não, como exemplo, o próprio grupo que integro, o Grupo Escoteiro Desbravador – 008/SC) buscam incentivar a pesquisa e salutar debate (independente das convicções individualmente criadas). De qualquer forma, ambas as fontes (DefesaNet e Escoteiros) já saíram na frente há muito tempo. Buscam elucidar, informar e fomentar a pesquisa. São excelentes opções para aqueles de NÃO desejam tornarem-se meros “especialistas” de rede social ou “guerreiros” de ambiente virtual.