Eugênio Moretzsohn (1)
Todo entusiasta do tema certamente já se perguntou sobre quantas Agências de Inteligência e de Informação, Serviços Secretos e organismos similares existem no Brasil e mundo. É curiosidade natural para um aficionado, assim como a de indagar como deve ser a atuação dos Serviços de Informação nos globalizados e tecnológicos tempos atuais, especialmente na democracia, regime no qual pressupõe-se ser a transparência a regra e, o sigilo, a exceção.
Antes de prosseguirmos, é mister posicionar-me sobre a importância de se manter “os olhos e os ouvidos do Estado” atentos às ameaças externas e internas, capacidade igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, às empresas privadas diante das incertezas e humores do mercado: a Inteligência e sua complementação especializada, a Contrainteligência, são absolutamente essenciais para a interpretação dos sinais fracos e para a geração de alertas oportunos de várias origens, assessorando, proativamente, o processo decisório, iluminando os caminhos e mitigando riscos de percurso com a entrega controlada de informação privilegiada, pertinente e de qualidade.
O Professor-Doutor WALTER FÉLIX CARDOSO JÚNIOR(2), prócere no estudo da Inteligência Competitiva no Brasil, nos brinda com esta síntese: “Inteligência existe porque pessoas, empresas e governos tentam esconder suas informações mais importantes, enquanto se esforçam para transparecer o que não são”. Seguindo os passos dele, também me posiciono absolutamente favorável à aplicação da Inteligência em proveito do estado democrático e da sociedade livre, condições estas, aliás, umbilicalmente dependentes de uma Inteligência efetiva e eficaz – desde que sirva a um mandatário que a mereça, frise-se.
Estudando o terreno à maneira militar – do afastado para o próximo(3) – tratarei muito superficialmente do número de agências espalhadas pelo mundo, pois, além de ser desafiador encontrar resposta confiável para essa questão, as dificuldades começam com um obstáculo surpreendente: em pleno século XXI, ainda não sabemos, com precisão, quantos países existem no planeta. Dependendo da fonte, os números variam entre 193 e 206, por isso, sugiro tratarmos essa incômoda incerteza à maneira recomendada pela doutrina de redação de documentos de Inteligência: “cerca de 200”.
Outros obstáculos à procura do número de agências surgem à medida que se aprofunda na pesquisa de dados (Coleta para os iniciados) na rede mundial de computadores:
• Há alguns sítios oficiais estruturados apenas no idioma desses países.
• A espartana publicidade na internet sobre tema que em todos os lugares é tratado com reservas, o que é compreensível, e,
• A pouca transparência ainda contumaz em muitos países, o que é lamentável.
Deixando o mundo aguardando, vejamos o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) que integra, atualmente, 42 (quarenta e duas) instituições nacionais e empresas públicas que possuem Agências de Inteligência e Informação orgânicas, incluídas a ABIN e as demais subordinadas aos diversos ministérios:
Portanto, está respondida, ao menos parcialmente, a provocação contida no primeiro parágrafo: o Brasil possui 42 (quarenta e duas) Agências de Inteligência e Informação em sua estrutura de Estado; mas, nenhuma delas satisfaz o presidente(4), que parece bastante insatisfeito com a Inteligência que, em tese, o abastece diuturnamente de informações de nível estratégico.
Quanto aos outros 199 países e suas muitas Agências de Inteligência e Informação, não saberemos se seus mandatários as têm em alta conta ou não, salvo se acompanharmos pari passu as notícias na imprensa especializada dos países mais transparentes, ou se mantivermos relacionamentos com cidadãos cooperativos e bem posicionados na estrutura governamental de lá, e que nos possam fazer avaliações isentas sobre a eficácia de seus serviços de inteligência (quase sempre em troca de pagamento).
Há, ainda, outra possibilidade: nossas representações diplomáticas (incluídos os Adidos Militares) detêm percepções preciosas sobre os serviços de inteligência dos países onde são creditadas, mas, conseguir abertura para abordar tal assunto com seus integrantes é, literalmente, para poucos.
Falando francamente, saber quantas agências existem no mundo e se o presidente de um modesto país do outro lado do Atlântico está satisfeito com seu serviço de inteligência não me faz diferença alguma; desejo, apenas, encontrar justificativa para compreender as razões de o nosso presidente não estar satisfeito com o nosso serviço de inteligência e suas 42 agências, a tal ponto que o mundo inteiro já sabe disso, após a ampla divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril.
O fato é que o desabafo do presidente expôs uma fragilidade que deve ter encantado nossos competidores diretos – o que nunca é prudente – pois, seguindo o aconselhamento do Doutor Wálter Félix, se deveríamos tentar transparecer o que não somos, o presidente fez o favor de deixar transparecer uma fragilidade que não temos.
O SISBIN faz o dever de casa muito bem – posso garantir-lhes – mas, o problema é que não serve o produto que o presidente gosta de consumir no café da manhã, pois, o SISBIN entrega informação de nível estratégico, apoiada em análise, cenários e prospectiva (estudos de futuro), numa compilação servida pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e isso dá trabalho para digerir; o que o presidente quer, além disso, é degustar outro tipo de informação, mas, que não está no radar, nem no alcance, da Inteligência de Estado que há muitos anos se pratica no Brasil.
O presidente, para além da sinopse diária de informações do GSI, anseia ser informado em primeira mão sobre assuntos dos bastidores do submundo político e partidário dos subterrâneos da Capital Federal e das Assembleias Legislativas do Estados-Membros, aquelas conversas usualmente mesquinhas e que, quase sempre, permeiam entre os comissionados apadrinhados nos parlamentos onde passam boa parte do expediente conspirando.
Essa informação não é mais trabalhada pelas Agências de Inteligência desde a extinção do veterano Serviço Nacional de Informações (SNI) por Fernando Collor, em 1990; atualmente, é o tipo de informação que transita somente entre os “integrantes do esquema” e, para garimpá-la, é necessário ter um serviço de informação no partido, fortemente apoiado em relacionamentos e (leiam-se favores e contrapartidas).
Somente os integrantes do partido do presidente ou de algum partido aliado de confiança conseguirão acesso a esses insumos, sussurrados à sorrelfa, e nunca explicitados nos discursos em plenário, pois, estes são expostos à opinião pública de várias formas, principalmente pelas diversas mídias.
Falando nelas, jornalistas especializados em análise política também têm acesso a esse tipo de informação, pois, controlam fontes pelas quais elas transitam; por essa razão, o presidente se irrita quando lê, nos jornais, fatos que desconhece simplesmente porque seu serviço estatal de informações não as produz e se abastece pela imprensa sobre esses temas.
Essa aparente inépcia tem origem e consequência:
• A partir da Constituição de 88, as Agências de Inteligência e Informação passaram a ser imobilizadas e normatizadas de maneira bastante parcial pelo revanchismo ideológico da esquerda que sucedeu o período de presidentes militares.
• Após 8 anos do socialismo de FHC e 14 anos de desmanche do país pelo PT, as restrições orçamentárias e o aparelhamento de boa parte desse sistema com quadros de esquerda colocaram nossas agências de joelhos.
• Limitações no alcance, extensão e profundidade das Operações de Inteligência foram, deliberadamente, impostas para que o Estado permanecesse cego e surdo diante do inacreditável esquema de corrupção que se instalou no país durante o longo período de Lula a Temer; ou alguém duvida que, se as agências estivessem “a pleno” os desvios bilionários na Petrobrás não teriam sido percebidos e informados?
• As Agências de Inteligência e Informação baseiam seus esforços de Coleta e Busca num documento denominado Repertório de Conhecimentos Necessários (RCN), contendo as Necessidades de Inteligência para abastecer o mandatário com informações privilegiadas e que o auxiliarão na condução do Estado. Pois bem, com a esquerda no poder, dos RCN foram retiradas as necessidades de informações sobre os intestinos do espectro político-partidário, pelo entendimento enviesado que não seria politicamente correto, numa “democracia”, os Serviços de Inteligência mapearem o Congresso, os partidos e os porões da política partidária nacional. Retirando-se deliberadamente aquelas necessidades do documento-base (RCN), a Inteligência ficou às cegas.
• Tudo isso causou impacto profundo na qualidade da informação produzida, principalmente pela falta de condições de trabalho e pela desmotivação dos quadros profissionais (muito bem formados, ressalte-se) (5), mas, que não enxergavam finalidade na continuidade de um trabalho esmerado que, ao final, seria entregue a um decisor corrupto. Retornando ao exemplo anterior da Petrobrás, ainda que as agências cumprissem adequadamente as missões de perceber, analisar e informar sobre os desvios, o usuário final das informações (o mandatário) era, justamente, a raposa tomando conta do galinheiro.
Há algo que ainda precisa ser dito: o presidente possui sua própria rede de cooperadores (antigamente tratados por “informantes”). Não há nada de ilegal nisso, embora a Globo, em seus delírios, entenda que sim. Eu também, modestamente falando, possuo a minha, assim como muitas pessoas de bem que cultuam relacionamentos; o presidente, “na estrada” há 30 anos, certamente dispõe de dezenas de pessoas de confiança que lhe abastecem de insumos diários; portanto, quando disse no vídeo que “o meu serviço de inteligência funciona”, estava se referindo, naturalmente, à rede de relacionamentos pessoais dele. Dependendo das atividades profissionais desses contatos, e dos relacionamentos que, por sua vez, cultivam, podem, sim, produzir muitos alertas úteis e oportunos.
Com toda a certeza o presidente foi informado, no início do mandato, qual era a real capacidade de suas agências governamentais; no exercício do cargo, caso tenha se ressentido da falta ou ineficácia de algum assessoramento nessa área estratégica, deveria ter se interessado em corrigi-la, como faria qualquer chefe de repartição e, para isso, ele conta com assessores de muito bom nível, ressalte-se.
O presidente estava numa reunião com o corpo ministerial por ele escolhido, mas, sua contundente manifestação sobre a ineficácia dos serviços estatais de informação foi, no mínimo, injusta e desproporcional, atingindo os ministros do GSI e da Defesa, além do ex-ministro da Justiça.
Devemos procurar elogiar em público e repreender em particular, fundamento primaz da liderança que deve ser praticada sempre, e o presidente certamente perdeu prestígio com seus assessores mais próximos. Ninguém duvide do patriotismo do presidente e de seu genuíno desejo no melhor para o Brasil; mas, para que isso ocorra, com menos sobressaltos, há de se apostar numa Inteligência efetiva e eficaz, valorizando o SISBIN e seus estoicos integrantes.
Obrigado por sua leitura. Fiquem com Deus.
_____________________
(1) Ex-oficial de Inteligência do Exército Brasileiro, hoje na reserva no posto de coronel. É Mestre em Operações Militares, professor e consultor de Inteligência, Contrainteligência e Compliance
(sites.google.com/view/contrainteligenciamoretzsohn).
Pertence ao quadro de consultores do Instituto SAGRES de Política e Gestão Estratégica Aplicadas, em BSA/DF (sagres.org.br/).
É Diretor de Contrainteligência da LINK Inteligência e Estratégia (linkestrategia.com.br/), em FLORIANÓPOLIS/SC.
É Counter Intelligence Director da SOFTWARE PRICING (softwarepricing.com/), na CAROLINA do NORTE/EUA.
(2) Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina, WALTER FÉLIX é Coronel de Infantaria e Estado-Maior, professor e consultor de Inteligência em nível estratégico. Ex-integrante da Secretaria de Assuntos Estratégicos, é egresso do Centro Willian Perry de Estudos de Defesa, da Universidade Nacional de Defesa dos EUA, cursou nas áreas de Planejamento e Coordenação entre Agências de Contraterrorismo; Modelagem de Currículos de Defesa; Forças de Paz e Reconstrução Nacional.
É autor das obras “Inteligência Empresarial Estratégica: método de implantação de Inteligência Competitiva em organizações” (1ª Edição em Tubarão: UNISUL, 2005; 2ª Edição Revisada em Brasília, ABRAIC, 2007) e “Guía de Inteligencia Empresarial: enfrentando el ambiente de la alta competencia (B Aires: Editora Seguridad y Defensa, 2006)”.
(3) A leitura do terreno por faixas é uma técnica militar – dentro da disciplina de Combate e Serviço em Campanha – que preconiza a visualização, a identificação e a interpretação corretas dos acidentes naturais e artificiais, além de outras características do terreno relevantes para sua utilização de forma vantajosa; essa leitura, normalmente efetuada a partir de um ponto de observação (PO), é feita do afastado para o próximo, e, normalmente, da esquerda para a direita.
(4) Declaração dada pelo próprio presidente, em tom de desabafo, em reunião ministerial ocorrida em 22 de abril 2020
(íntegra no youtube.com/watch?v=nfgv7DLdCqA ).
(5) A formação dos agentes e oficias de Inteligência no Brasil é realizada de maneira competente: as escolas especializadas, normalmente vinculadas às Forças Armadas, ABIN, PF e diversas forças policias do país, cumprem muito bem o papel delas.
Se há alguma contribuição a oferecer para aperfeiçoar a formação dos agentes, tenho três:
• Melhorar a fluência em idiomas estrangeiros, especialmente em espanhol;
• Os agentes precisam dominar a arte do teatro, para terem desembaraço na técnica de entrevista e segurança na aplicação de engenharia social, e,
• Os agentes e analistas precisam dominar a navegação na Deep Web.
O que necessita ser aperfeiçoado no nosso SISBIN é o recrutamento dos oficiais e agentes de Inteligência. O concurso público é imposto por lei; porém, concurso apenas seleciona “concurseiros”, como sabemos. A melhor forma de contratação é por processo seletivo, a partir de indicação dos candidatos por pessoas de confiança já inseridas no sistema.