Celina Leão defende o governador afastado, Ibaneis Rocha, e diz que ele foi mal informado sobre questões de segurança pública
Thiago Resende
Danielle Brant
Folha de São Paulo
09 Fevereiro 2023
Um mês após os atos golpistas de 8 de janeiro, a governadora em exercício do Distrito Federal, Celina Leão (PP), disse que também houve erros na área de segurança e inteligência no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Todo o ônus veio para nós [do DF]. [Mas] Você tem falhas no GSI [Gabinete de Segurança Institucional] do palácio [do Planalto]. Você tem falhas em vários locais. Falhas da própria inteligência de outros Poderes, entendeu? Então não aconteceu só conosco, aconteceu de forma generalizada. Mas quem foi mais penalizado com certeza foi o governo do DF”, afirmou Celina em entrevista à Folha.
Ela citou como exemplo a investigação sobre as portas do Palácio do Planalto terem sido abertas para a entrada de golpistas no dia dos atos.
A governadora interina é contra a proposta de criação de uma Guarda Nacional, um dos principais itens do pacote de ações jurídicas apresentadas pelo ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), como resposta aos atos golpistas de 8 de janeiro. Além disso, insiste na criação de um batalhão específico do DF para cuidar da área dos três Poderes.
Celina saiu em defesa do governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). “Ele foi mal informado durante todo o processo que estava acontecendo.”
Segundo Celina, Ibaneis teve “boa fé” ao achar que Anderson Torres seria o mesmo secretário que ele foi na primeira passagem pelo cargo
Como a sra. ficou sabendo dos atos de 8 de janeiro? Hoje, o que a sra. vê que poderia ter sido feito para evitar o que aconteceu?
Eu fiquei sabendo pelo presidente [da Câmara] Arthur, que me ligou, pediu ajuda. Eu consegui contato com o governador Ibaneis, eu pedi a ele para que eu pudesse acompanhar de perto a situação, e ele achou importante que eu fosse acompanhar a situação junto com o ministro Flávio Dino. Acho que esse gesto por parte do Governo do Distrito Federal, que foi combinado com o governador Ibaneis, foi o que evitou a intervenção federal inteira.
Onde estava o governador Ibaneis naquele momento?
Ele estava acompanhando da casa dele, conversando com os secretários, e eu fui acompanhar pessoalmente com o ministro.
Houve sabotagem? Se sim, de quem?
Eu acho que qualquer fala minha nesse sentido é precipitada. Tem inquéritos em curso. São seis inquéritos já que estão em curso. Algumas prisões acontecendo, algumas revogações de prisões acontecendo. A intervenção foi necessária naquele momento na segurança pública porque afastou o governo federal de qualquer possibilidade de estar interferindo na coleta de dados de informações, do relatório final que o Cappelli [Secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli] entregou.
A sra. acha que isso poderia acontecer?
Eu acredito que não, mas dá uma condição de tranquilidade para as investigações. Então, o Governo do Distrito Federal foi colaborativo, ajudou para que a intervenção não tivesse nenhum problema administrativo.
Em 8 de janeiro, a sra. chegou a ser comunicada da ideia de intervenção em todo o Governo do DF, e não só na segurança pública? O que fez para impedir isso?
Eu acredito que o próprio espírito colaborativo nosso, com autorização do governador Ibaneis, deu uma situação de que nós não tínhamos participação naquilo. Então, eu acho que isso pesou muito. Além de sermos um governo que foi eleito também democraticamente no primeiro turno. Poderia parecer para a população que seria uma intervenção na democracia, e não na área que era a área problemática.
E sobre a decisão de afastamento do governador. O que a sra. acha?
Eu defendo o governador Ibaneis, porque jamais passaria pela cabeça dele uma situação daquela. Então, ele foi mal informado durante todo o processo que estava acontecendo.
Por quem?
Eu não tive oportunidade de discutir isso com ele depois, porque logo que aconteceu o processo de intervenção a gente não discutiu mais, nem conversou mais, e teve a medida do afastamento dele. O próprio governador já fez o depoimento dele na polícia. Eu acredito que não houve por parte do governador Ibaneis nenhuma ação para que aquilo acontecesse.
Trinta dias após os atos, quais as falhas que a sra. aponta? A PM errou?
Tudo será esclarecido com os inquéritos. Eu acho que qualquer tipo de julgamento meu nesse momento é precipitado. Eu quero acusar absolutamente ninguém. Eu acho que todo mundo tem o direito de defesa.
O ex-secretário de Segurança Anderson Torres foi preso. Qual sua avaliação sobre a atuação dele e sobre a prisão?
O secretário trocou toda a equipe da Secretaria de Segurança. Eu não sei se realmente essas pessoas estavam habilitadas, se foi intencional ou se não foi, se foi uma sequência de coincidências. Eu acho que o próprio Supremo vai esclarecer isso.
Havia um risco quando Torres voltou para o Governo do DF?
Havia ali um mal-estar político, mas não um mal-estar no sentido de violência, o que foi que aconteceu.
Fica esse mal-estar político com a volta do Ibaneis para o cargo?
Não, porque eu acredito que ele vai demonstrar que ele também não tinha essa previsibilidade desse risco, desse acontecimento. O governador Ibaneis sempre respeitou as instituições. Ele [Ibaneis] entendia que se ele [Torres] voltasse a ser secretário talvez não tivesse nenhum problema, entendeu? A boa-fé de que o Anderson seria o secretário que ele foi [na primeira passagem pelo cargo pesou na decisão de reconduzi-lo].
Mas, como a Folha informou, os ministros do Supremo alertaram sobre esse risco de colocar Torres de volta ao cargo.
Mas eu acredito que ele [Ibaneis] não acreditava que pudesse acontecer isso. O Anderson foi um bom secretário, fez boas ações aqui no governo, depois é que ele virou ministro. Então, quando ele pediu para retornar, o governador Ibaneis tomou a decisão.
A sra. acha que a responsabilidade pelos atos golpistas acabou recaindo mais sobre o GDF do que sobre o governo federal?
Com certeza. Todo o ônus veio para nós. [Mas] Você tem falhas no GSI do palácio. Você tem falhas em vários locais. Falhas da própria inteligência de outros Poderes, entendeu? Então não aconteceu só conosco, aconteceu de forma generalizada. Mas quem foi mais penalizado com certeza foi o Governo do DF, mas as falhas foram várias.
O Palácio do Planalto dispensou todo mundo. As portas [foram] abertas. Isso não é responsabilidade da Polícia Militar. Mesmo com todo o vandalismo e a quebradeira que aconteceu, foi a Polícia Militar que restituiu os Poderes. Eu fiquei com 51 homens feridos. Não foi o Exército que restituiu. Foi a Polícia Militar do DF, com toda a dificuldade, com todo o apagão que aconteceu na segurança pública. Essa tentativa de quebrar patrimônio, não vai quebrar as instituições. Elas estão de pé.
A sra. defende a CPI do dia 8 de janeiro?
Eu não me atrevo falar sobre CPI. CPI é assunto interna corporis da Câmara Distrital e do Congresso. Eu não tenho que falar se eu sou favorável ou se eu sou contrária à CPI. CPI sempre é uma comissão política. Ela não é uma comissão que dá o direito ao contraditório, tudo como acontece no Judiciário.
A sra. foi muito ligada ao ex-presidente Bolsonaro. Qual papel que a sra. acha que o bolsonarismo tem nos atos de 8 de janeiro?
Eu acho que, quando vocês [imprensa] atacam todos que votaram no Bolsonaro, é um gesto errado. Vocês têm que atacar os extremos. As pessoas que votaram no Bolsonaro, pelo menos as que votaram no DF, não concordam com o que aconteceu. O que ficou de bom da crise? O retorno do diálogo, o bom senso.
E como consequência dos atos, o ministro Dino apresentou um pacote de medidas, como a criação de uma Guarda Nacional.
Não há consenso na criação de uma guarda. Isso é uma proposta do governo federal que nós respeitamos também na diversidade de ideias. Mas sabe quanto tempo um policial militar meu fica para ele treinar, para ele ir para as ruas? Um ano. Quem consegue dar pronta resposta para os problemas que nós estamos vivendo é a Polícia Militar do DF, que vai ter um batalhão específico. Nós demos essa solução na primeira semana [após os atos]. Não [somos contra a guarda] por medo ou por achar que seja invasão de competência. É um projeto que pode parecer positivo, mas quem vai ter que continuar dando a solução aqui é a Polícia Militar.
O que livra esse batalhão de interferência política?
A instituição, a Polícia Militar. É vedado pela Constituição de 1988 um policial militar ter filiação partidário-ideológica. A Polícia Militar nunca faltou aqui no Distrito Federal. A Polícia Militar já esteve aqui em impeachments, já esteve aqui em 7 de Setembro. Nunca faltou. Agora, ela precisa também de um suporte de inteligência que eu acho que é onde que teve o problema na Secretaria de Segurança.
Para a sra., não houve insurreição ou desobediência da PM no caso de 8 de janeiro? Você tem que separar a instituição PM de pessoas que foram insubordinadas. E se isso aconteceu essas pessoas estão sendo investigadas. Não se pode punir uma instituição inteira. Nós confiamos na PM do DF.
A sra. tem dito que tem como Ibaneis voltar antes de 90 dias.
Eu acredito que sim, porque o motivo do afastamento era a possibilidade dessa situação na segurança pública. Como a intervenção foi findada e todos os depoimentos, tudo foi colhido e há inquéritos no curso, então, no meu modo de pensar, eu acho que ele tem condição, sim, de pleitear o retorno. Antes dos 90 dias.
Qual a sua posição sobre os pedidos de impeachment contra o Ibaneis e contra a sra. também?
Pedido de impeachment numa situação dessa, em que você foi eleito democraticamente, não tem nem clima para isso. Isso nem andou na Câmara Distrital.
RAIO-X | CELINA LEÃO, 45
Formada em administração de empresas, a ex-deputada federal atuou como secretária de Esporte e Lazer do Distrito Federal de maio a dezembro de 2020, durante o primeiro mandato do governador Ibaneis Rocha (MDB). Na Câmara dos Deputados, coordenou a Secretaria da Mulher.