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Extensão dos efeitos jurídicos da decisão proferida na Pet nº 12.404

Yago Morgan e Lucas Mançano

O Supremo Tribunal Federal suspendeu o X (antigo Twitter) no Brasil e fixou multa no valor de R$ 50.000,00 aos usuários que se utilizarem da virtual private network (VPN) para acessar o aplicativo, decisão referendada por unanimidade pela 1ª Turma no dia 02 de setembro de 2024.

Inicialmente, antes de adentra aos termos da decisão, é necessário realizar breves esclarecimentos ao leitor no que diz respeito a um importante ponto da decisão, que é a VPN. De maneira didática, a VPN permite que o usuário mude sua localização aparente, a medida que, ao conectar ao servidor VPN, seu endereço IP real é substituído pelo endereço IP do servidor VPN. Noutros termos, com o uso de uma conexão VPN, é possível ter acesso a aplicativos que estão disponíveis em outras localidades que não exclusivamente o Brasil, como é o caso do “X” e de tantas outras.

Com isso, se o usuário está no Brasil e se conecta a um servidor VPN nos Estados Unidos, os sites e serviços que ele acessar verão seu IP como se estivesse nos Estados Unidos. Isso pode ser útil para acessar conteúdos que são restritos a certas regiões, como o X no Brasil, ou para melhorar a privacidade e evitar rastreamento baseado na localização real do usuário.

Feito esse breve esclarecimento, questiona-se: a multa ao usuário, que sequer faz parte do processo e da disputa judicial que envolve o STF e o empresário Elon Musk, pode ser de fato considerada válida?

No mundo jurídico existe previsão contida no Código de Processo Civil de que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”. Logo, em regra, não se podem alterar as partes vinculadas ao processo e, portanto, não poderia se aplicar multa aos usuários, mas sim, ao Sr. Elon Musk pelo descumprimento de decisão judicial.

O intuito da decisão, por óbvio, é atingir de forma financeira o X e seu proprietário, pois evidente que a suspensão do aplicativo traz efeitos/prejuízos econômicos e reputacionais. Para tanto, o ministro Alexandre de Moraes embasou sua decisão no Código Civil, na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e na Lei Geral de Telecomunicações.

Por meio da decisão, o ministro também destacou que o desrespeito à legislação brasileira e o reiterado descumprimento às inúmeras decisões por parte do X contrariam o Marco Civil da Internet, bem como destacou a necessidade das empresas que atuam na internet terem representantes no Brasil para responder pelos atos da empresa.

No entanto, a aplicação de multa para o brasileiro que utilizar a VPN ultrapassa os limites da linha tênue entre os meios aplicáveis para o cumprimento da medida e passa a atingir direito de terceiros.

Isso porque a decisão não pode restringir o direito de liberdade de expressão e de ir e vir, consagrados pela Constituição Federal, dos usuários de utilizar o aplicativo por meios lícitos, como é a VPN. Além disso, o cidadão não pode ser o efeito colateral do conflito entre o X e as instituições brasileiras.

Para que tenha a completa dimensão do que está a ser dito, imagine a seguinte situação: o consumo de determinada substância com propriedades medicinais é considerado um ilícito em um país determinado. Já no país vizinho a droga tem uso reconhecido e aprovado para fins medicinais sendo amplamente comercializada. Portadores de certa doença viajam para esse país em busca de tratamento. Poderiam tais pessoas sofrer algum tipo de sanção, em decorrência dessas viagens?

O entendimento deste artigo muito se assemelha ao posicionamento adotado pelo ministro Luiz Fux no julgamento do dia 02 de setembro de 2024. O Ministro avaliou que a suspensão do X é válida – desde que “não atinja pessoas naturais e jurídicas indiscriminadas e que não tenham participado do processo”.

Por consequência, considerando que a decisão não pode ser considerada válida perante os mais 215 milhões de brasileiros, tem-se que: a decisão proferida pelo STF é uma oportunidade para o cidadão brasileiro conhecer melhor seu direito, reivindicá-lo e entender que as instituições devem estar sempre ao seu serviço e não buscando interesses próprios, ainda que diga respeito a uma investigação em nível nacional, como é o caso.

-x-

Lucas Mançano – Advogado, especialista em LGPD pela Data Privacy Brasil e analista jurídico do escritório YMorgan Advocacia e Consultoria. Possui experiência em projetos de governança de dados, tendo atuado no projeto de implementação da LGPD na Universidade Municipal de São Caetano do Sul. É membro da comissão de Direito do Trabalho da OAB/DF.

Yago Morgan – Advogado, especialista em Direito Empresarial pelo IBMEC em parceria com a Loyola University. Membro do IAPP – Internacional Association of Privacy Professionals, possui vasta experiências em projetos de governança de dados, tendo atuado como DPO de empresas como a R2 Produções e na administração pública na Universidade Municipal de São Caetano do Sul. É Lead Implementer da ISO 27001 pela ABNT e possui MBA em Cybersegurança pela FIAP.

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