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Relatório Otálvora: Maduro ameaça guerra, mas Lula não acredita nele

Com o zelo nacionalista contra a Guiana, o regime chavista tenta recuperar o controle da agenda política interna da Venezuela. Na foto uma aeronave Su-30Mk2 da FANB tem pintado na asa a propaganda “Venezuela Toda”.

Edgar C. Otálvora
Diário das Américas
2 de Dezembro de 2023

Durante 10 dias, tropas norte-americanas e brasileiras realizaram um exercício de guerra na selva, que ocorreu nos estados amazônicos do Pará e Amapá.

Desde o dia 06NOV2023, 300 militares do Exército dos EUA e da Guarda Nacional do Estado de Nova York se reuniram com mil soldados do Exército Brasileiro para realizar os exercícios do Vanguarda 24.
Tropas norte-americanas e brasileiras em exercício de assalto aéreo no Amapá, Brasil, em 08NOV23. Exército dos EUA/Spc. Joshua Taeckens

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A ditadura venezuelana tem espalhado o boato de que prepara uma ação militar na Guiana de Essequibo, território localizado a oeste do rio Essequibo sobre o qual existe uma disputa territorial desde antes da existência da atual República Cooperativa da Guiana.

Movidos pelo interesse do governo brasileiro em reativar o extinto esquema sul-americano UNASUL no dia 05OUT2023 os governos da América do Sul aprovaram o documento “Roteiro para a integração da América do Sul”, que contempla diversas áreas de atuação incluindo a área militar.

Nesse contexto, no dia 22NOV2023, ocorreu uma reunião de chanceleres e ministros da defesa da América do Sul, no Palácio do Itamaraty, sede da diplomacia brasileira. Na declaração final assinada, os ministros e enviados declararam a América do Sul como uma “região de paz e cooperação” e concordaram em “retomar o diálogo regular sobre questões de interesse estratégico”.

O clima de camaradagem entre diplomatas e soldados foi quebrado pelos enviados de Maduro, seu chanceler Yvan Gil e o vice-ministro da Educação para a Defesa Félix Osorio. Segundo o jornalista Ricardo Della Colleta, da Folha de São Paulo, citando os participantes do evento, os enviados de Maduro fizeram ameaças abertas contra a Guiana, país cujos representantes estavam na sala. Gil e Osorio teriam afirmado que o governo Maduro “poderia ser forçado pelo povo” a tomar “certas atitudes” após realizar um referendo convocado pelo chavismo para 03DEZ2023. Através de seus representantes e tendo como cenário a sede diplomática brasileira, Maduro deu a conhecer aos governos sul-americanos sua intenção de uma aventura militar contra a Guiana.

O Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Mauro Luiz Iecker Vieira, participa da 1ª Sessão de Trabalho da I Reunião de diálogo político-militar sul-americano. Foto: Márcio Batista/MRE

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No mesmo dia, 22NOV2023, o assessor presidencial e chefe de facto da diplomacia brasileira Celso Amorim esteve em Caracas. No Palácio Miraflores, Maduro recebeu Amorim que levava uma mensagem direta de Lula preocupado com uma possível ação militar no território de Essequibo. Os detalhes da reunião Maduro-Amorim não foram divulgados. Segundo um telegrama amplamente distribuído pela agência espanhola EFE de 29NOV2023, o Brasil teria “reforçado a sua presença militar na fronteira norte do país como resultado das tensões diplomáticas entre a Venezuela e a Guiana sobre a região de Essequibo”.

Citando um “comunicado do Ministério da Defesa brasileiro”, a EFE assegurou que “as ações de defesa foram intensificadas na região da fronteira norte do país, promovendo uma maior presença militar”. Mas, na realidade, Lula não ordenou qualquer mobilização militar na zona fronteiriça.

A agenda de Lula para o dia 01DEZ2023 em Dubai, onde foi realizada a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, incluiu um encontro com o presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali.

Diversas fontes sediadas no Brasil e que acompanham a questão militar, consultadas para este Relatório, confirmam que as forças militares brasileiras colocaram em alerta os contingentes baseados no estado fronteiriço de Roraima. Mas o governo brasileiro, ao contrário do que parece sugerir o telegrama publicado pela agência EFE, não tomou nenhuma medida de declaração de “mobilização nacional” (os preparativos logísticos para enfrentar um cenário de guerra) e muito menos de movimentação de tropas em direção à fronteira.

O Chanceler Mauro Vieira, junto com o Ministro da Defesa Múcio recebem o chanceler Yvan Gil da Venezuela e o vice-ministro da Educação para a Defesa Félix Osorio. ver link matéria acima Foto: Márcio Batista/MRE

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Em 23OUT2023, o regime chavista convocou um referendo sobre a questão do território de Essequibo, pedindo que a população se manifestasse sobre os limites com a Guiana, rejeitasse a Corte Internacional de Justiça como árbitro da disputa com a Guiana sobre esses limites e aprovasse a incorporação do território de Essequibo como um novo estado da república. O chavismo, governante na Venezuela desde 1999 e dependente ideológica e politicamente do regime cubano, nunca prestou atenção à questão fronteiriça, lembrando mesmo declarações de Hugo Chávez a favor da Guiana para conceder concessões para a exploração do território disputado. Entretanto, a Guiana, especialmente desde a chegada de Maduro à Presidência em 2013, tem sido muito ativa na concessão de licenças de exploração petrolífera em águas sujeitas a delimitação e processou a Venezuela em 2018 perante o TIJ. O atual zelo nacionalista do regime chavista é, sem dúvida, o caminho escolhido para recuperar simpatias políticas, compensar as tendências de oposição e recuperar o controlo da agenda política interna. O aparato de propaganda do regime chavista foi acionado, como numa feira eleitoral, para estimular e obrigar a população a participar do referendo.

Em 30OUT2023, o governo da Guiana, que também joga a carta nacionalista, recorreu à CIJ pedindo medidas provisórias que ordenassem a Maduro que suspendesse o seu referendo e ordenasse que a Venezuela não adotasse “qualquer medida que vise preparar ou permitir o exercício de soberania ou controle de fato sobre qualquer território que foi concedido à Guiana Britânica na Sentença Arbitral de 1899. Além disso, a Guiana pediu à CIJ que ordene que “a Venezuela se abstenha de qualquer ação que possa agravar ou ampliar a controvérsia perante a Corte ou impedir sua resolução”.

De acordo com a decisão proferida em 01DEZ2023 pela CIJ, a partir dos depoimentos dos enviados de Maduro perante a Corte (Delcy Rodríguez e o embaixador da ONU Samuel Moncada), do chefe militar Vladimir Padrino e do próprio Maduro, os magistrados entendem que o regime venezuelano “está tomando medidas com vista a adquirir o controle e administrar o território disputado.”

A decisão da CIJ considera credíveis as ameaças militares do regime venezuelano e, consequentemente, considera que estão reunidas as condições para ditar “medidas provisórias”. Como lembrou a própria CIJ em sua decisão de 01DEZ23, ela tem o “poder” de “indicar medidas provisórias” quando houver estado de “urgência”, no sentido “de que haja risco real e iminente de dano irreparável à os direitos reivindicados antes que o Tribunal emita sua decisão final.” E acrescenta que “a condição de urgência é quando eventos suscetíveis de causar danos irreparáveis” podem “ocorrer a qualquer momento”.

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Embora a CIJ não tenha se pronunciado em 01DEZ2023 sobre o referendo promovido pelo regime ou, por exemplo, sobre as concessões petrolíferas que a Guiana concedeu em áreas indeterminadas, decidiu “indicar medidas provisórias. Indicou ao regime chavista que “abster-se-á de adotar qualquer medida que modifique a situação que atualmente prevalece no território disputado, uma vez que a República Cooperativa da Guiana administra e exerce controle sobre essa área”. Além disso, indicou a ambas as partes que se absterão “de qualquer ação que possa agravar ou ampliar a controvérsia perante a Corte ou dificultar sua resolução”, o que corresponde a um dos pedidos feitos pela Guiana.

Para os efeitos do mais alto tribunal internacional, existe uma ameaça latente do regime chavista.

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Nos planos estratégicos brasileiros desde pelo menos a década de oitenta do século XX, independentemente dos governos que passaram por Brasília, tem havido um interesse constante na construção de uma estrada larga e pavimentada que ligue a costa atlântica da Guiana à Amazônia brasileira. Para os governos da Guiana, também tem sido de interesse a construção daquela rodovia que atravessaria o território reivindicado pela Venezuela.

Em 2022, o governo da Guiana concedeu à empresa brasileira Construtora Queiroz Galvão SA um contrato de US$ 190 milhões para construir o trecho rodoviário entre Linden e Mabura, ambos localizados a leste do rio Essequibo. Aliás, a empresa Queiroz Galvão foi uma das construtoras envolvidas no escândalo de pagamento de propina ao partido de Lula em troca de contratos na petrolífera estatal Petrobras. Para o que constitui o primeiro trecho da estrada asfaltada até a fronteira com o Brasil, a Guiana recebeu financiamento de US$ 112 milhões do Banco de Desenvolvimento do Caribe (do qual o próprio governo venezuelano é membro) e de US$ 66 milhões do governo britânico.

O plano guianense e brasileiro é levar a rodovia Linden-Mabura até Lethem, em território reivindicado pela Venezuela e que faz fronteira com o estado brasileiro de Roraima. No dia 14SET2009, o próprio Lula da Silva, acompanhado do então presidente guianense Bharrat Jagdeo, inaugurou a ponte sobre o rio Takutú, construída ao custo de US$ 5 milhões pagos integralmente pelo Brasil. Essa ponte construída em território disputado pela Venezuela seria a ligação entre o Brasil e a capital guianense através da rodovia que agora está sendo alargada e pavimentada pela construtora brasileira. Em 2009, o chavismo dominante na Venezuela não se opôs ao projeto construído em Essequibo pelo seu aliado político Lula da Silva.

No dia 14SET2009, o próprio Lula da Silva, acompanhado do então presidente guianense Bharrat Jagdeo, inaugurou a ponte sobre o rio Takutú, construída ao custo de US$ 5 milhões pagos integralmente pelo Brasil. Foto via Edgar Otalvora

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A Bolívia tornou-se membro de pleno direito do Mercosul, o esquema de integração económica do sul do continente. Em 17JUL2015, a Bolívia havia assinado a versão final de sua adesão ao Tratado de Assunção, documento base do Mercosul, mas sua entrada como membro pleno dependia da aprovação dos parlamentos dos países membros. Uruguai, Argentina e Paraguai aprovaram a entrada da Bolívia entre 2016 e 2018, estando a decisão do Brasil pendente até agora. O Senado brasileiro votou por unanimidade em 28NOV2023 pela aprovação da lei que permite à Bolívia entrar no Mercosul como membro pleno.

A entrada da Bolívia no esquema de integração do Sul ocorre mais como um gesto político do governo Lula da Silva para com os seus parceiros políticos bolivianos do que como um reflexo da dinâmica do Mercosul. O esquema de integração do Sul vive uma clara estagnação com confrontos entre os seus membros devido às restrições que impõe à assinatura de acordos de comércio livre com países terceiros.

O próximo presidente argentino, Javier Milei, tem dúvidas sobre a continuidade do seu país no Mercosul, mas como parte da viragem pragmática que a sua equipa imporia ao próximo governo, espera-se que a Argentina permaneça no Mercosul e trabalhe para conseguir a assinatura do acordo comercial há muito negociado com a União Europeia. Tanto no Brasil como na Argentina, foram desencadeadas ações de grupos económicos com elevada influência política para reverter as más relações entre Lula da Silva e Milei.

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No domingo, 26NOV2023, vestida informalmente, ela chegou à sede do Itamaraty Diana Mondino. Ela é uma das figuras mais influentes no círculo de Javier Milei e que, ainda antes das eleições presidenciais, foi designada como a próxima ministra das Relações Exteriores da Argentina. No Palácio Itamaraty Mondino foi aguardada, de jeans e sem gravata, pelo chanceler brasileiro, Mauro Vieira. Participaram do encontro o embaixador argentino em Brasília Daniel Scioli e o embaixador brasileiro em Buenos Aires Julio Bitelli. Segundo diversas fontes, a reunião foi planejada e executada pelo embaixador argentino que aparentemente será ratificado em seu cargo apesar de ter sido nomeado pelo governo Kirchner. A informalidade do vestido não foi casual, foi uma forma de amenizar a tensão que já existe entre Brasília e o governo argentino e que ainda não começou.

A viagem de Mondino à Brasília, para entregar em mãos de Vieira o convite para que Lula da Silva assista a posse de Milei em 10DEZ2023, marcou uma mudança nas expectativas sobre o que será a política exterior do governo da “nueva derecha” na Argentina. “Comunista corrupto” foi um dos vários rótulos que Milei usou em sua campanha eleitoral contra Lula, alertando que seu governo não manteria relações com ditaduras comunistas. Milei, como integrante da chamada nova direita, mantém uma relação especial com a família Bolsonaro, tanto o ex-presidente Jair quanto seu filho Eduardo Bolsonaro que participaram de diversas atividades na campanha eleitoral argentina.

O setor privado argentino, que promoveu o “anarcocapitalista” Milei, agiu intensamente para garantir que as ofertas e promessas feitas pelo agora presidente eleito sejam abandonadas ou adiadas. A dolarização imediata da economia, a ruptura com o Mercosul, a redução drástica do aparelho de Estado, o distanciamento com o Brasil e a China teriam perdido progressivamente a urgência do programa de Milei após a sua vitória.

A futura Chanceler de Javier Milei cumprimenta seu contraparte Brasileiro Mauro Vieira, em reunião inusitada no domingo, 26NOV2023. Foto Itamaraty

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