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Guerra Híbrida Latina – Lula atuou em operação para banco emprestar US$ 1 bilhão à Argentina e barrar avanço de Milei

Presidente pediu a Tebet para autorizar financiamento do CAF; com o dinheiro, o ministro Sergio Massa, candidato à Casa Rosada, conseguiu novo acordo para liberar recursos do FMI

Vera Rosa
O Estado de São Paulo
04 Outubro 2023

Era uma sexta-feira do fim de agosto quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que tinha urgência em falar com Simone Tebet. A ministra do Planejamento não estava em Brasília, mas foi logo contatada por telefone. A pressa de Lula não era à toa: o Brasil precisava autorizar, ainda naquele mês, uma operação para que o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) concedesse empréstimo de US$ 1 bilhão à Argentina.

Com participação de 37,3% no capital do CAF, batizado em seu nascimento como Comunidade Andina de Fomento, o Brasil tem o maior peso e influência nas decisões do banco.

Em situação econômica dramática, com inflação de mais de 100% ao ano e sem dólares na praça, a Argentina necessitava do empréstimo-ponte para o Fundo Monetário Internacional (FMI) liberar um desembolso de US$ 7,5 bilhões.

Tebet é a governadora do Brasil no CAF e por isso a operação de socorro precisava do seu aval. A rigor, o país vizinho não poderia mais ter acesso aos recursos porque já havia esgotado o limite de crédito.

Lula solicitou a Tebet que desse aval urgente ao financiamento

Lula, porém, entrou em cena e os países-membros do CAF aprovaram a transferência de US$ 1 bilhão diretamente para o FMI, em nome da Argentina. Dos 21 países que compõem o CAF, somente o Peru votou contra. Resultado: o FMI autorizou novo acordo e soltou o dinheiro.

De lá para cá se passou um mês e hoje faltam menos de três semanas para a eleição que vai definir o sucessor de Alberto Fernández na Casa Rosada. A possibilidade de vitória de Javier Milei, político visto como a versão piorada de Jair Bolsonaro, provoca cada vez mais pânico no Palácio do Planalto.

Líder populista que se apresenta com um discurso antiestablishment, Milei prega a dolarização do país, a saída do Mercosul, a extinção do Banco Central e o fechamento de vários ministérios para reduzir o tamanho do Estado.

Javier Milei, em imagem publicada pelo deputado Eduardo Bolsonaro  Foto: Reprodução/Redes Sociais Eduardo Bolsonaro

Javier Milei, em imagem publicada pelo deputado Eduardo Bolsonaro  Foto: Reprodução/Redes Sociais Eduardo Bolsonaro

Auxiliares de Lula classificam a eventual ascensão do deputado argentino, que é amigo de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), como um verdadeiro desastre. Tanto que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a dizer que “o Mercosul está em risco”.

Defensor do libertarianismo, Milei já insultou os dois principais parceiros comerciais da Argentina: chamou Lula de “socialista com vocação totalitária” e descreveu a China como “governo de assassino”.

O Planalto tem feito tudo para dar uma força ao ministro da Economia, Sergio Massa, que disputa a cadeira de Fernández e esteve com Lula, em Brasília, no dia 28 de agosto. Mas a briga está cada vez mais difícil para o candidato do peronismo.

A eleição na Argentina é no próximo dia 22 e tudo indica que haverá segundo turno. Diante do cenário de incertezas, Lula decidiu partir para o “tudo ou nada”, na tentativa de evitar o colapso.

A estratégia é ancorada por um diagnóstico político e pragmático: o possível triunfo de Milei ressuscita um polo de extrema direita ainda mais radical na América Latina. Perto dessa hecatombe, a partilha de mais cargos com o Centrão virou apenas uma pimentinha nos olhos de Lula.


Resposta do Planalto
Guerra Híbrida Latina – Planalto diz que empréstimo é para ajudar Argentina e nega ter atuado para prejudicar Milei

Redação
estadao.com.br
04 Outubro 2023

BRASÍLIA – A Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência divulgou nota nesta quarta-feira, 4, para dizer que o empréstimo de US$ 1 bilhão feito pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) à Argentina teve como único objetivo “ajudar o país com escassez de reservas”.

A informação sobre o empréstimo-ponte concedido à Argentina para que o Fundo Monetário Internacional (FMI) pudesse liberar um desembolso de US$ 7,5 bilhões ao país vizinho foi revelada pelo Estadão. O Brasil agiu porque, a rigor, o país vizinho não poderia mais ter acesso aos recursos, uma vez que já havia esgotado o limite de crédito.

A nota da Secom diz que “diferentemente do que vem sendo repercutido” (pela imprensa), o empréstimo não teve intervenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O comunicado afirma, ainda, que Lula não conversou sobre o empréstimo com a ministra do Planejamento, Simone Tebet. Segundo revelou a colunista Vera Rosa, Tebet deu aval à operação após pedido do presidente. A ministra é governadora do Brasil no CAF.

Depois da publicação da notícia, começaram a ser veiculadas no X (ex-Twitter), mensagens com a hashtag #impeachment, por causa da atuação do presidente brasileiro para ajudar a Argentina. As postagens acirraram a disputa política entre apoiadores de Lula e do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O contato do Palácio do Planalto com Tebet ocorreu no fim de agosto, às vésperas da visita do ministro da Economia, Sergio Massa, nome apoiado pelo presidente Alberto Fernández para a sua sucessão. Partiu do gabinete do ex-chanceler Celso Amorim. Ele despacha no terceiro andar do Planalto, perto do gabinete do presidente, e atua hoje como assessor especial de Lula para a área internacional. Foi preciso telefonar várias vezes para a ministra, na tentativa de localizá-la. Tebet estava fora de Brasília, em compromisso particular, e só ligou de volta depois.

O empréstimo-ponte do CAF não é ilegal e passou pelo crivo de 21 países-membros do banco. O que incomodou o Planalto, porém, foi a notícia da interferência do presidente para destravar a operação, criticada pelo candidato de direita à Casa Rosada, Javier Milei, nas redes sociais. Em postagem publicada no X, Milei disse que “comunistas furiosos” estavam agindo contra ele em seu espaço. Era uma referência a Lula.

Oficialmente, o governo brasileiro afirma que não age para ajudar nem barrar o avanço de qualquer concorrente na eleição da Argentina, marcada para o próximo dia 22. Massa é o candidato do peronismo e esteve no Ministério da Fazenda e no Planalto no dia 28 de agosto.

A possibilidade de vitória de Milei provoca grande preocupação no governo porque pode desestabilizar a região, criando um polo de extrema-direita na América Latina. O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a dizer que “o Mercosul está em risco”. Milei defende a saída da Argentina do Mercosul, prega a dolarização do país e a extinção do Banco Central.

Durante audiência na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, Simone Tebet foi questionada pelo deputado Vicentinho Junior (PP-TO) por conta do empréstimo a Argentina. Ele disse que não chegou a consultar diretamente Lula sobre o assunto.

“Não é que eu não fui consultada, eu que não consultei o presidente Lula. O presidente Lula não me ligou, não entrou em contato comigo, porque é natural: eu sou governadora desse banco”, respondeu a ministra. Ela ressaltou que o Brasil tem participação no CAF e que a instituição se reúne como um banco para ajudar os países da América Latina, incluindo o Brasil, seus Estados e municípios.

A ministra admitiu que recorreu ao Itamaraty para fazer consultas sobre como os demais países membros do CAF pretendiam votar em relação ao pedido da Argentina. “O que aconteceu neste caso, e em outros casos, nós temos às vezes, via Ministério das Relações Exteriores, um grande apoio onde a gente consulta para sentir se os embaixadores de outros países, como vão votar, é muito natural”, disse.

Tebet relatou que houve uma demanda por um empréstimo de US$ 1 bilhão para a Argentina por um período de dez dias, pedido que foi votado por 21 países. “Minha secretária, por minha determinação, foi autorizada a votar favoravelmente, como 20 de 21 países votaram favoravelmente. Todos os países que fazem parte do CAF, esse banco que não é nosso, não tem dinheiro federal, e foi aprovado (o pedido de empréstimo)”, afirmou.

A ministra ressaltou que a Argentina já quitou o empréstimo e não deve nada ao CAF. Ela ainda justificou que pesou para a decisão do Brasil ao aprovar o empréstimo o fato de a Argentina ser o terceiro maior parceiro comercial do País e que, sim, há uma preocupação com a situação do país vizinho. “Esse processo é comum. Sou governadora de alguns bancos, temos processos e pedidos diários, como nós pedimos também. Não é nada incomum, é muito natural”, reiterou. (Com Broadcast

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