Search
Close this search box.

Entenda por que o hino do Rio Grande do Sul é considerado racista

“Mas não basta pra ser livre / Ser forte, aguerrido e bravo / Povo que não tem virtude / Acaba por ser escravo”. Esse trecho do Hino do Rio Grande do Sul repercutiu nas redes sociais depois que vereadores do PSOL se recusaram a cantá-lo durante a cerimônia de posse na Câmara de Porto Alegre, na última sexta-feira. Considerados racistas, os versos integram a terceira versão do hino, composta por um militar no século XIX e adotada oficialmente na década de 1930.

No evento, os cinco parlamentares que compõem a bancada negra do partido permaneceram sentados durante a execução do hino. O ato foi criticado pela vereadora Comandante Nádia (DEM), que pediu a palavra e afirmou que “o avanço de uma nação passa também pelo respeito aos símbolos”.

Em seguida, o vereador Matheus Gomes entrou com uma questão de ordem e justificou o protesto de seus colegas de partido. “Como bancada negra pela primeira vez na história da Câmara de Vereadores, talvez a maioria dos que já exerceram outros mandatos não estejam acostumados com a nossa presença. Não temos obrigação nenhuma de estar cantando o verso que diz que o nosso povo não tem virtude, por isso foi escravizado”, afirmou o parlamentar.

Gomes, que é historiador, também lembrou que a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) não executa mais o hino do estado em cerimônias oficiais. Por meio de nota, a instituição confirmou que o hino não é mais tocado em colações de graus desde 2018, e afirmou que a decisão foi tomada "em função de a execução do hino estadual não ser obrigatória em instituições federais".

Letra modificada

Em 1934, por ocasião do centenário da Revolução Farroupilha, a letra escrita pelo militar e poeta Francisco Pinto da Fontoura, mais conhecido como Chiquinho da Vovó, foi escolhida pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul como a versão oficial do hino do estado. Até então, duas outras também eram cantadas em cerimônias: a original, composta pelo tenente-coronel do exército farroupilha Serafim Joaquim de Alencastre, e uma segunda, de autor desconhecido, que se popularizou após ter sido publicada pelo jornal "O Povo", então órgão oficial da República Rio-Grandense, em 1839.

Antes de todas as versões, no entanto, veio a melodia composta pelo maestro negro Joaquim José de Mendanha, em 1838. Em abril daquele ano, o músico mineiro estava no Rio Grande do Sul lutando ao lado do Exército na Guerra dos Farrapos. Acabou capturado na Batalha do Barro Vermelho.

Autora de uma tese de doutorado sobre Mendanha, a professora do Instituto Federal do Mato Grosso Letícia Marques explica que há divergências entre especialistas quanto à afirmação de que o maestro teria sido forçado a compor o Hino dos Farrapos enquanto era mantido como prisioneiro de guerra. De todo modo, a ele coube a elaboração da melodia que, mais tarde, daria origem ao hino do Rio Grande do Sul.

— Seja por falta de outros compositores que pudessem ter cumprido a solicitação dos Farrapos, seja, realmente, por seu talento e qualidade, a música de Mendanha fez com que ele conseguisse se articular entre as duas forças e manter uma condição um pouco mais favorável neste período. Enquanto prisioneiro de guerra, ele recebeu soldo dos farroupilhas, o que evidencia algum tipo de cumplicidade com o grupo. Essa participação foi uma porta de entrada para a sociedade sulina, e colaborou para seu estabelecimento em definitivo em Porto Alegre — conta a professora.

Na década de 1930, a melodia passou por uma revisão do professor de música Antônio Côrte Real, que buscava adequá-la aos versos escritos por Fontoura. No entanto, a letra passou por alterações em 1966, quando o hino foi oficializado pela lei 5.214/1966. À época, o então deputado Getúlio Marcantonio pediu a exclusão da segunda estrofe, que dizia: “Entre nós reviva Atenas / Para assombro dos tiranos / Sejamos gregos na Glória / E, na virtude, romanos”.

O parlamentar argumentava que os versos não tinham relação com o povo gaúcho. O pedido foi acolhido pela Assembleia Legislativa e, desde então, o trecho foi eliminado do hino. Em 2007, um projeto de lei tentou reincorporá-lo, mas acabou arquivado.

Na avaliação de Marques, uma nova revisão do hino é necessária para garantir o respeito às origens diversas de toda a população do Rio Grande do Sul.

— O maestro Mendanha é um dos muitos indivíduos que tiveram as suas origens invisibilizadas. O hino Rio-Grandense é cantado nos estádios gaúchos, sem que as pessoas saibam que o compositor de sua música era um maestro negro de uma família egressa do cativeiro. Pensar em uma revisão do hino hoje é importante para buscar que todos os rio-grandenses se sintam acolhidos e incluídos.

Compartilhar:

Leia também
Últimas Notícias

Inscreva-se na nossa newsletter