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Xenofobia e racismo são pano de fundo dos conflitos na Costa do Marfim

A União Europeia (UE) apelou às partes conflitantes na Costa do Marfim para que protejam a população civil. Laurent Gbagbo, que se recusa a deixar o poder, e o presidente eleito, reconhecido pela comunidade internacional, Alassane Ouattara, devem evitar que o país se afunde ainda mais em uma "guerra civil", declarou a comissária europeia de Ajuda Humanitária, Kristalina Georgieva, nesta segunda-feira (04/04).

A UE admitiu também seu temor de que cidadãos europeus no país possam converter-se em alvos de ataques das tropas do presidente eleito e do mandatário derrotado nas urnas. A França é o país da UE com o maior contingente de cidadãos residentes na Costa do Marfim (12,2 mil), segundo o Ministério francês de Relações Exteriores.

A comissária manifestou também sua preocupação com informações de que poderiam estar havendo massacres e ações de "limpeza étnica" por partidários de ambos os lados em conflito. "Estão sendo cometidos abusos de direitos humanos e matanças, mas é muito cedo para dizer por parte de quem", disseram à agência de notícias DPA fontes da UE que pediram anonimato.

Nos últimos quatro dias, tropas fiéis a Ouattara conseguiram controlar quase todo o país. Desde a última quinta-feira, elas concentram seus esforços na conquista de Abidjan, último bastião de Laurent Gbagbo. Nesta segunda-feira, as tropas do presidente eleito, Alassane Ouattara, iniciaram uma ofensiva final contra seus opositores na maior cidade do país, afirmou o porta-voz de Ouattara.

Segundo a Missão das Nações Unidas na Costa do Marfim (Unoci, na sigla em inglês), tropas francesas tomaram o controle do aeroporto de Abidjan no final de semana. Devido às sangrentas lutas entre grupos armados a favor de Gbagbo e de Ouattara, o governo francês está preocupado com a segurança de seus cidadãos e deverá enviar 150 homens adicionais ao contingente de 1.500 soldados franceses já estacionados no país.

Conceito de "ivoirité"
O ódio entre os marfinenses não decorre somente da luta política entre os que disputaram a presidência em novembro último. Na cidade de Duékoué, no oeste do país, os assassinatos em massa podem ter causado a morte de até mil pessoas. Tais homicídios mostram principalmente que é grande o ódio entre os grupos étnicos – e não somente no oeste do país.

Tensões entre as etnias existem há muito tempo na Costa do Marfim. Como, por exemplo, entre a população do norte do país ou os imigrantes de países vizinhos e a população nativa da região. Essa tensão foi fortalecida pela ideia de identidade nacional criada nos anos 1970 – o conceito de "ivoirité".

Na época, pouco depois da independência, a Costa do Marfim, como também a África como um todo, foi marcada por grandes e importantes questões: O que diferencia os africanos em sua identidade de outros povos? O que mantém a coesão cultural da África? Políticos e intelectuais quebraram a cabeça e inventaram a "ivoirité" como um conceito capaz de enfatizar as características comuns dos marfinenses após o fim do colonialismo.

Ideia instrumentalizada
o entanto, essa ideia foi completamente mal-entendida por alguns e instrumentalizada politicamente. Já nos anos 1980, houve tensões na região Daloa, no centro do país. Rodrigue Koné, sociólogo do Centro de Pesquisas da Paz, em Abidjan, explica como o conceito de "ivoirité" foi utilizado contra a população não nativa. "Este conflito entre a população nativa e a imigrada também é visível no conceito de 'ivoirité': um conceito que dá prioridade à população nativa, principalmente quando se trata da posse da terra", explicou.Foi justamente Alassane Ouattara, hoje reconhecido internacionalmente como vencedor das eleições presidenciais, que introduziu em 1990, na época como primeiro-ministro, novos documentos de identidade com rigorosas regras no tocante à origem. Muitos imigrantes não chegaram nem mesmo a receber esse documento, por não serem marfinenses.

Da ideia de integração surgiu um conceito que excluiu grande parte da população. Para Thiémélé Boa, professor de Filosofia na Universidade Cocody em Abidjan, essa foi uma das principais causas do conflito, para o qual a Costa do Marfim não encontra saída já há dez anos. "Eu chamo isso de uma ironia da história: a partir do momento em que foi introduzido o visto de permanência e foram efetuados controles de passaporte, o país começou a entrar em crise", disse.

Estado multinacional e xenofobia
Sob o pretexto de controlar documentos de identidade, forças de segurança procediam de forma agressiva contra migrantes e pessoas do norte do país. Esses se sentiam perseguidos. Em 1994, o conceito de "ivoirité" foi integrado à lei eleitoral. Somente poderia tornar-se presidente quem vivia no país há mais de cinco anos e cujos pais eram marfinenses.

Assim, por muito tempo, o próprio Alassane Ouattara não esteve apto a concorrer, sob a alegação de que sua mãe teria vindo de Burkina Fasso, onde também teria sido emitido o passaporte de Alassane Ouattara. Com 60 grupos étnicos, a xenofobia se alastrou no Estado multinacional da Costa do Marfim – uma carga explosiva que levou à guerra civil em 2002.

Até hoje, Ouattara é uma importante figura de identificação nacional, especialmente para os imigrantes, que perfazem um quarto da população da Costa do Marfim. Segundo Thiémélé Boa, ele reúne as esperanças de todos os que se sentem excluídos – "porque, de fato, existia uma perseguição a tudo o que de alguma forma parecesse estrangeiro".

Atos de vingança
Parece ter sido justamente isso que agravou as tensões entre as etnias nas últimas semanas, principalmente na cidade de Duékoué, onde centenas de pessoas foram mortas. Segundo as primeiras investigações, ao notar o avanço das tropas de Ouattara, as milícias de Gbagbo mataram pessoas que consideravam ser seguidoras de Ouattara, pessoas do norte ou de origem não marfinense.

Quando as tropas de Ouattara tomaram a cidade, aconteceram então atos de vingança. Dessa vez, as vítimas foram os que presumidamente estariam do lado de Gbagbo, ou seja, a população nativa.

Autor: S. Blanchard / D. Köpp / C. Albuquerque
Revisão: Roselaine Wandscheer

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