O adiamento da cúpula da Comunidade dos Estados da America Latina e do Caribe (Celac), que deveria se realizar em Caracas na próxima terça-feira para coincidir com a celebração dos 200 anos da independência da Venezuela pelas mãos de Simon Bolívar, equivale a um alerta sobre a saúde do caudilho Hugo Chávez. Há três semanas, ele foi submetido ao que teria sido uma cirurgia de emergência para a remoção de um abscesso pélvico. Desde então, permanece em Havana, em tratamento "sumamente estrito".
O seu mais recente sinal de vida foi um vídeo de 20 minutos, levado ao ar anteontem, em que aparece, emagrecido, com o seu mentor Fidel Castro, este reduzido a pele e ossos. Os dois fingem estar concentrados em ler e comentar a edição da véspera do Granma, o órgão oficial do regime cubano. O cinegrafista foi orientado a focalizar a data do jornal para que não houvesse dúvidas sobre a atualidade da cena. Mas quase tudo são dúvidas sobre o estado clínico de Chávez – e, evidentemente, o futuro da Venezuela.
A única certeza é de que, vítima de um abscesso, ou de um câncer de próstata, como se especula, ou ainda de outra enfermidade, o protoditador vai muito mal. Ou porque não está se recuperando tão rapidamente como desejaria de seja lá o que o tenha acometido ou porque a sua condição pode ter se tornado terminal. Na semana passada, o chanceler venezuelano Nicolás Maduro deixou escapar que Chávez "luta pela vida". De fato, só uma adversidade extrema o impediria de ser o protagonista do grande espetáculo coreografado para o 5 de julho.
Ele teria a glória de presidir a um encontro, reunindo dirigentes de uma trintena de países, do organismo que concebeu para isolar da comunidade hemisférica o vilipendiado Império, como se refere aos Estados Unidos. E isso no dia ideal para confundir definitivamente a sua imagem com a do libertador Bolívar, de quem se pretende a reencarnação. Mais do que nunca Chávez precisa legitimar perante os venezuelanos essa fictícia identidade. No seu terceiro mandato desde que ascendeu ao poder, em 1999, com uma nova eleição no ano que vem para governar até 2018, tem pela frente uma oposição finalmente unida e provavelmente apta a capitalizar os desastres do chavismo.
A Venezuela é uma antevisão do que poderia ser o "socialismo do século 21" propagado pelo autocrata para cobrir a nudez de suas ambições pessoais. A economia do país cambaleia, a inflação é alta, a escassez de produtos e os apagões de eletricidade tornaram-se crônicos, a administração combina incompetência, corrupção e favorecimento, a criminalidade é endêmica, o controle dos órgãos estatais foi em boa medida terceirizado para Cuba, a imprensa vive intimidada e as instituições democráticas se parecem com o decrépito casario da Velha Havana depois de meio século de castrismo.
Fosse o vizinho país um efetivo Estado de direito, Chávez não só não poderia governar do exterior, como os seus aliados alegam (ou alegavam) que faz, nem tampouco as autoridades venezuelanas poderiam escamotear a verdade sobre o quadro clínico do chefe. Mais importante ainda, ele já teria se licenciado, deixando o Palácio Miraflores aos cuidados do vice-presidente, Elías Jaua. Mas, sendo o que é a Venezuela bolivariana, nem é certo que ele assuma caso tarde a recuperação de Chávez ou o seu impedimento venha a ser definitivo.
São ominosos os rumores de que, em qualquer dessas hipóteses, ascenderá outro Chávez – o seu irmão mais velho, Adán, de 58 anos, governador de Barinas, Estado de origem e feudo político da família. Para se ter ideia, ele é considerado mais radical que o caçula. No vácuo político que se abriu na Venezuela desde a permanência forçada de Chávez em Cuba, não escapou aos observadores a desenvoltura com que Adán passou a se movimentar, além de ir e vir de Havana. No último fim de semana, Adán advertiu que seria "imperdoável" privilegiar as eleições, em detrimento do uso da força, como método para "aplicar e desenvolver o programa revolucionário" no país.
Em Cuba, Raúl Castro se revelou menos dogmático do que o irmão Fidel. A sina da Venezuela poderá ser pior.