- Claudia Jardim
A ausência prolongada do presidente da Venezuela, Hugo Chávez – há 20 dias em Cuba, recuperando-se de uma cirurgia – pode colocar em risco a governabilidade do país, que dá sinais de fragilidade sem o líder venezuelano no comando, acreditam especialistas.
A falta de informação sobre o real estado de saúde do presidente é um dos sinais de "vulnerabilidade" do governo, que foi pego de surpresa, na opinião de analistas políticos ouvidos pela BBC Brasil.
Desde a cirurgia do presidente para a remoção de um abscesso pélvico, nenhum boletim médico foi divulgado para explicar à população como está a saúde do presidente.
Para o sociólogo Carlos Luis Rivero, a ausência de Chávez demonstrou que o processo político venezuelano "depende e está sujeito à vulnerabilidade de uma pessoa", afirmou.
"Essa fragilidade pode afetar a governabilidade a médio e longo prazo, porque é o presidente quem põe em ordem os desajustes do governo causados pela manifestação das diferentes correntes quando cada uma puxa para o seu lado", afirmou.
Os três principais grupos que estariam em disputa pelo poder no interior do governo bolivariano são a esquerda chavista, que defende o aprofundamento do projeto socialista, o consolidado grupo militar nacionalista e o setor reformista, que defende o populismo como caminho para implementar pequenas reformas.
"Há uma disputa ideológica aberta e Chávez transita entre os três setores, garantindo estabilidade e unidade em torno ao governo", afirmou à BBC Brasil o cientista político Carlos Romero. "Neste momento, Chávez é a garantia de ordem social", acrescentou.
Vazio de poder
De acordo com Carlos Romero, uma ausência prolongada do presidente tende a gerar um vazio político que pode ser utilizado por grupos radicais para desestabilizar o país. "Por isso é importante que o governo comece a dialogar com a oposição democrática", argumenta.
A seu ver, o problema de saúde do presidente venezuelano reacendeu os ânimos da ala opositora golpista. "O setor golpista da oposição estava adormecido, mas pode reaparecer nessa situação, aproveitando a maré de incertezas", afirmou Romero.
É evidente o esforço de grande parte do gabinete em mostrar que o governo continua firme no seu rumo, com Chávez governando a partir de Havana. O vice-presidente Elias Jaua, um dos homens de confiança do presidente – encarregado do governo desde que Chávez adoeceu – tem participado de ao menos dois atos públicos diários, que vão desde inaugurações de obras à entrega de créditos a empresários. Ministros das áreas consideradas estratégicas seguem o mesmo ritmo.
Essa situação, no entanto, não convence a oposição. "Isso é um atentado direto à soberania, pretender governar nosso país a partir de outra nação", afirmou a deputada opositora Maria Corina Machado.
Opositores exigem que o governo dê explicações sobre a doença que tirou de cena o líder venezuelano e abriu espaço para especulações de que Chávez estaria batalhando contra um câncer de próstata, que circularam imprensa venezuelana.
A crise tem mostrado que Chávez também faz falta à oposição. Com as eleições primárias previstas para o próximo ano, a ala antichavista não tem um líder capaz de capitalizar o evidente desconcerto do governo sem o comando do presidente.
"A oposição está encurralada. Não pode enfrentar a situação atual porque não tem liderança para capitalizar politicamente a ausência do presidente", afirmou Romero.
"Inimigos" da Celac
Na quarta-feira, o governo da Venezuela anunciou a suspensão da cúpula de lançamento da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos), prevista para 5 de julho, devido ao estado de saúde de Chávez.
Por meio de um comunicado, o governo afirmou que o presidente está sendo submetido "a um processo de recuperação" e "tratamento médico muito estrito". A medida foi interpretada pela oposição como um sinal de que Chávez "não está bem".
No entanto, para o cientista político Carlos Romero, a saúde do presidente foi um dos motivos, "não o único", que provocou o adiamento da Celac. Segundo Romero, não havia quórum que sustentasse politicamente o lançamento do organismo.
Outra hipótese ventilada é que alguns países questionavam o "tom radical" do documento proposto pela Venezuela como base para a discussão e aprovação dos presidentes.
"A atual correlação de forças na região, aliada à pressão dos Estados Unidos, que ficou fora do grupo, não favorecia a criação do bloco neste momento", afirmou o sociólogo Carlos Luis Rivero.
Mesmo sem a Celac – uma das prioridades do governo Chávez neste primeiro semestre – os caraquenhos ainda têm esperanças de que o presidente apareça para as comemorações do bicentenário da independência do país, que será celebrado com um megadesfile em 5 de julho.
"Não está vendo que estão pintando e decorando tudo? Claro que ele (Chávez) vem e vai voltar novinho", disse à BBC Brasil o operário Jenismar Pérez, em frente à sede do Parlamento, onde trabalham dia e noite nas obras de restauração do centro da cidade.