Leandra Felipe
Apesar de as disputas entre governo e Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) terem arrefecido nos últimos anos, impressiona a quantidade de lojas dedicadas a produtos militares na capital do país. E teme-se que esse comércio alimente tanto oficiais autorizados como guerrilheiros e paramilitares.
ó Bogotá tem mais de 400 lojas que vendem roupas e acessórios militares, concentradas no centro da cidade, bem próximo à Casa de Nariño (palácio do governo).
Nas vitrines e calçadas, há bonecos vestidos de soldados, manequins infantis com roupa camuflada e também roupas de guarda de trânsito, camisetas, coturnos, boinas, kits de sobrevivência na selva, capacetes e até distintivos militares.
A BBC Brasil visitou algumas lojas para saber por que existe tanta oferta. Segundo lojistas, o público-alvo são os militares e policiais – a estimativa é de que o país tenha entre 450 mil e 500 mil militares, a segunda maior força da América do Sul, atrás apenas do Brasil.
O centro comercial tem certa tensão. Ao serem fotografados, os lojistas perguntam por que e para que as fotos estão sendo tiradas. Alguns permitem, outros não. Em geral, os vendedores das lojas preferem não dar entrevistas. E só aceitam conversas informais.
Os comerciantes dizem que as lojas são bastante frequentadas por oficiais do Exército, mas também por bombeiros, policiais e funcionários de empresas de segurança privada.
"A maior parte dos clientes são policiais e militares, que vêm para repor suas roupas. Compram coturnos, meias e camisetas, essas coisas que usam muito", conta Lucília Herrera, vendedora.
Na Colômbia, os militares não recebem integralmente o uniforme e os acessórios.
"Recebemos um valor anual para comprar roupas e acessórios nas lojas credenciadas. Mas o dinheiro nem sempre dá, e acabamos repondo do nosso próprio bolso", explica um militar que não quis se identificar e que comprava camisetas em uma das lojas visitadas pela BBC Brasil.
O suboficial também explicou que somente os soldados recebem o uniforme completo, ao invés do dinheiro, mas eles também têm de repor peças.
Venda proibida
A venda de peças de uso exclusivo do Exército, como uniformes camuflados com desenho quadriculado — a estampa oficial da corporação —, é proibida para pessoas que não sejam militares ou policiais.
A BBC Brasil fez o teste e, sem se identificar, procurou por um chapéu camuflado quadriculado, de uso restrito ao Exército. A maioria das lojas recusou-se a vendê-lo.
"A gente não pode vender gorros, fardas, capacetes, e qualquer outro acessório com estampa quadriculada verde. Só para o Exército", explica uma vendedora.
Numa outra loja, a dona do estabelecimento avisa: "Só vendemos para oficiais que apresentem a documentação."
Mesmo assim, com um pouco de conversa informal, a proprietária dá a dica. "Aqui nós somos sérios, e só vendemos dentro da lei. Mas umas cinco lojas abaixo, você consegue comprar."
E, de fato, algumas lojas depois, a BBC Brasil verificou ser possível comprar. Diante da demonstração de interesse por um chapéu semelhante ao utilizado pela guerrilheira holandesa Tanja, a vendedora se prontificou a vendê-lo sem qualquer pedido de documento, por 35 mil pesos (R$ 40), fazendo apenas um alerta para que, caso decidíssemos comprá-lo, não o usássemos ali e guardássemos bem a sacola escondida, ou a polícia poderia apreender a mercadoria.
Demanda ilegal
A possibilidade de compra relativamente fácil do produto de uso exclusivo do Exército levanta a suspeita de que as peças de roupas militares possam estar sendo vendidas também para outros lados do conflito armado, como as Farc, o Exército da Libertação Nacional (ELN) e neoparamilitares e grupos criminais (Bacrims) que atuam no país.
Em uma loja, um militar da reserva escuta a conversa entre a BBC Brasil e um lojista e aconselha cuidado. "Não fique entrevistando todo mundo aqui, porque qualquer pessoa pode estar comprando – paramilitar, guerrilheiro, gangues."
A oferta é grande mesmo para os produtos que não são de uso exclusivo do Exército, como os camuflados. Há fardas em tons verde-escuro e centenas de acessórios, de sacos de dormir a cantis de água para selva.
A BBC Brasil procurou o Ministério da Defesa e o Exército da Colômbia para esclarecer as suspeitas sobre a venda de produtos exclusivos do Exército, mas não obteve resposta.
Um coronel aposentado aceitou conversar informalmente. Sobre a aparente falta de fiscalização para a venda destes produtos (como o gorro camuflado), o coronel afirmou que isso precisa ser acompanhado mais de perto pelas autoridades.
"É muito estranho. As peças que podem ser vendidas para o Exército são numeradas e, nas lojas autorizadas, são registradas. Uma loja não deveria nem ter material camuflado proibido para venda e nem deveria ser fabricada uma peça nesses tecidos, sem numeração", observou o coronel.
Mesmo assim, ele admite a dificuldade em controlar essas vendas. "Não é impossível que grupos ilegais também se abasteçam nestas lojas. Infelizmente até do que é proibido."