Vera Saavedra Durão e Ivo Ribeiro | Do Rio |
Valor Econômico – 27/06/2011 |
Ao completar um mês no comando da Vale, o novo presidente executivo da companhia, Murilo Ferreira, se diz firme e determinado a manter a mineradora no topo do ranking de players globais. Para cumprir essa meta, ele pretende centrar sua gestão em três pilares: retorno para os acionistas, sustentabilidade, e um clima de motivação interna, para que as pessoas possam ter o melhor desempenho na empresa. De viagem marcada esta semana para a Ásia, onde visitará clientes na China e no Japão, Ferreira acaba de solicitar do quadro técnico da Vale uma análise de risco de todos os projetos da empresa para ver a viabilidade econômica e financeira e o estágio atual de implantação de cada um.
Há duas semanas, o executivo foi recebido pela presidente Dilma Roussef, com quem conversou por mais de uma hora sobre as atividades da empresa e pediu o apoio do governo em obras de infraestrutura – hidrovia e porto – fundamentais para viabilizar a siderúrgica Alpa, em Marabá, no Pará. Até agora, Ferreira, um mineiro que gosta de falar pouco – "para tristeza dos jornalistas", diz – não fez nenhuma troca no time de diretores executivos herdado de Agnelli. Apenas Carla Grasso deixou a equipe, substituída por Vânia Sommavilla. Dizendo-se uma pessoa "muito humilde", afirmou não ter problema em trabalhar com a equipe do antecessor. Seguidor da cartilha de bons e velhos políticos de Minas Gerais, dá sua receita de como fazer bons negócios: só enviar a carta depois de saber a resposta, como fazia Tancredo Neves.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Valor: Faz um mês que você assumiu a Vale. Poderia fazer um balanço da sua gestão nesse período?
Murilo Ferreira: Tem três pilares que considero muito importantes na gestão da nossa equipe – o retorno para os acionistas, uma visão abrangente de sustentabilidade e o clima organizacional. O retorno para os acionistas – nossa obrigação e preocupação de todos os dias mais excelência operacional – vai dar todas as motivações aos conselheiros para irmos em frente com esta legião de projetos da empresa. E uma empresa que não seja alinhada com sustentabilidade não pode sobreviver neste século. Tem de ter todas as preocupações, em todos os níveis de extensão da palavra. Sobre clima organizacional, francamente não acredito que as pessoas possam ter seu melhor desempenho, trazer criatividade e inovação se não estiverem no ambiente propício, para que se sintam motivadas na equipe. Tive a honra e a felicidade de fazer parte da gestão da Vale desde a sua privatização, com Benjamin [Steinbruch], Jório Dauster e Roger [Agnelli]. É uma responsabilidade muito grande continuar gerando resultados. Ao fim desse primeiro mês, estou extremamente energizado. Recebi alguns clientes e alguns fornecedores. E deverei iniciar uma viagem à Ásia na próxima semana, onde vou rever amigos.
Valor: O senhor esteve, inclusive, com a presidente Dilma?
Ferreira: Sim. Ela admira a Vale e acha que a empresa construiu uma história importante na indústria de mineração no Brasil. Mostrou muito entusiasmo pelos planos de investimento que mostrei a ela, que são bastante audaciosos. Como sou uma pessoa detalhista e a presidenta também, tivemos a oportunidade de discorrer pelos diversos projetos da carteira da Vale, que é enorme.
Valor: Pode citar alguns dos planos pelos quais ela se entusiasmou?
Ferreira: Viu como muito positiva nossa inserção em minério de ferro no Brasil e na África. Também falamos sobre fertilizantes, assunto que temos dado muita ênfase na empresa, discorremos sobre logística, falei um pouco sobre siderurgia, sobre projetos de Carajás e Simandou, na Guiné
Valor: Ela chegou a sugerir algumas prioridades para a Vale?
Ferreira: Não sugeriu, apenas ouviu atentamente. Pedi o apoio dela, pois nesses diversos projetos é importante que haja colaboração com o governo federal. Por exemplo: no assunto da Alpa (projeto siderúrgico do Pará) precisamos do apoio dela para a hidrovia e o porto Vila do Conde. Ela ficou bastante entusiasmada com notícias que dei dos projetos [siderúrgicos] do Ceará e do Pará e me disse da importância do desenvolvimento dessa parte da infraestrutura pelo governo.
Valor: Ela chegou a tratar da questão dos royalties com você?
Ferreira: Esse assunto passou muito de relance, pois ela tinha mais compromissos na agenda. Quanto aos royalties e qualquer outro tributo, a industria de mineração brasileira precisa ser competitiva. Para que isso ocorra, devemos incorrer em tributos que não nos deixem em desvantagem com os países tradicionais em mineração, como Austrália e Canadá, e com os emergentes, especialmente na África e na Ásia. Caso contrario, os investimentos serão reduzidos e talvez em montante significativo. As empresas brasileiras são tributadas até quando fazem investimentos, apesar de ainda não gerarem um centavo de receita. Estou confiante, e tenho certeza, que o governo da presidente Dilma entende a necessidade de sermos competitivos.
Valor: No programa estratégico da Vale, o que está sendo acelerado e o que está em revisão? Os US$ 24 bilhões de investimento para este ano estão mantidos?
Ferreira: Eu solicitei que fosse feita uma análise de risco dos projetos para ver todas as fases em que cada um se encontra, fisicamente e do ponto de vista de viabilidade econômico-financeira. Quero verificar isso nessa carteira enorme da Vale. Especialmente nos maiores projetos. Deverei recebê-la nos próximos 30 a 40 dias. Não é nenhuma auditoria, é uma avaliação interna. Como disse o presidente do conselho, Ricardo Flores, no dia da minha posse, o planejamento estratégico e o orçamento estão mantidos. Não estamos fazendo uma revisão, apenas atualizando. Sabemos que há hoje no Brasil problemas relacionados a fornecedores, empreiteiras, licenças ambientais, de mao de obra qualificada e de diversas origens. Se há problemas, vou mitigar a tempo.
Valor: Fertilizantes é uma área estratégica na Vale. Quais são os projetos que vocês estão pretendendo avançar mais nesse negócio?
Ferreira: Temos a operação de Taquari-Vassouras (em Sergipe) e estamos analisando o projeto de Carnalita, ao lado. Vamos esclarecer pendências com a Petrobras em relação à concessão e ao preço do gás. Há o projeto de Salitre, de fosfato, em Patrocínio, Minas Gerais, que estamos em fase de avaliação, e o de Regina, no Canadá, que está um pouco mais atrasado. Em potássio, há três países no mundo com posições salientes: Canadá, Rússia e Bielorússia.
Valor: A Vale vai fazer mais aquisições nessa área?
Ferreira: A Vale tem um plano de investimento nos próximos cinco anos muito agressivo. Mas aquisições só em situações especiais e oportunas. Só com este projeto da Argentina (potássio), a empresa dá um salto muito grande na produção. Hoje, estamos concentrados na nossa eficiência operacional, nos ativos existentes e em realizar esse plano extenso da Vale da forma mais segura – em implantação e dispêndio de capital.
Valor: Parece que com sua carteira de projetos em todas as áreas, até 2015, a Vale dobraria de tamanho em produção de bens minerais.
Ferreira: Não usaria esta expressão. Mas a gente permaneceria com uma posição confirmada de liderança, especialmente no minério de ferro e no níquel. Podendo crescer muito em fertilizantes, cobre e carvão.
Valor: Como está o projeto de minério de ferro Simandou, na Guiné?
Ferreira: Ao retornar da Ásia fico alguns dias no Brasil e depois vou à Guiné. Esse projeto é uma iniciativa muito importante da Vale. A Vale fez um acordo para investir nos lotes 1 e 2 do projeto Simandou e Zogota, que é uma mina menor. Após a decisão da Vale houve muitas mudanças políticas no país. O presidente Condé foi eleito pelo voto democrático e com isso houve uma negociação com a Rio Tinto, que está consorciada com a Chalco (da China) em um projeto ao lado Chegaram a um acordo. Nós, da Vale, estamos aguardando para fazer reuniões com o governo, uma conversa ampla sobre as diversas implicações – em logística, de cooperação com a comunidade, responsabilidade social.
Valor: Você acha que vai caminhar para um acordo parecido ao da Rio Tinto/Chalco, que estão pagando US$ 700 milhões?
Ferreira: Também fizemos uma transação ao comprar 50% do projeto. E alguém vendeu. Parece que o governo está solicitando do vendedor ajustes. Ou seja, é responsabilidade de quem nos vendeu. É o recolhimento dos tributos, assunto que não nos diz respeito. A Vale acertou valor de US$ 2,5 bilhões pelo controle do projeto: pagou US$ 500 milhões e o restante depende de uma série de eventos que vão ocorrer nos próximos anos para se fazer jus ao pagamento total. Com a Vale, no momento, o governo da Guiné quer renegociar o projeto num pacote único.
Valor: Mas o governo da Guiné não quer ter também uma participação no negócio, de 35%?
Ferreira: Nunca recebemos esta informação. Devem estar se referindo ao fato de que a Rio Tinto fez um negócio com eles pelo qual o governo, no longo prazo, poderá ter até 35% do projeto. A Vale não tem nenhuma correspondência que trate desse assunto. Parte do projeto, o de Zogota, já está sendo tocado. Tem serviços importantes adiantados, como a terraplenagem. Este é um projeto menor e já deveremos estar produzindo 1 milhão de toneladas em 2012. Está projetado para atingir 15 milhões de toneladas. Com as fases norte 1 e 2 de Simandou, serão mais 50 milhões de toneladas. É um projeto gigante.
Valor: A Vale está presente em vários países na África.
Ferreira: Tenho muita alegria em participar de todos esses projetos que ajudam a trazer empregos e oportunidades de redução de desigualdade. Temos muito interesse em Moçambique, Guiné, Zâmbia, Malawi, Congo e Libéria.
Valor: Quais são suas projeções para o minério de ferro até 2015?
Ferreira: Estaremos com produção em torno de 469 milhões de toneladas em 2015, vindo de 296 milhões toneladas no ano passado. Pretendemos confirmar nossa posição de liderança em minério de ferro e níquel.
Valor: Como você vê a conjuntura internacional nesse momento. Esse ciclo virtuoso do minério já vem desde 2003/2004 e há agora muitas incertezas no cenário global, com economias esfriando, inclusive a da China. Você está confiante no cenário de demanda de minério?
Ferreira: A companhia tem uma disciplina de capital muito forte e só vai investirá nos projetos que atendam as premissas básicas. Temos muito respeito por uma lei chamada oferta e procura. Sobre o cenário econômico mundial, vejo que as medidas dos Estados Unidos de revigoramento da economia se mostraram insuficientes, com crescimento bem abaixo do esperado. A Europa está se defrontando com problemas oriundos, inclusive, do euro, enfrentando hoje essas situações de tensões. Isso é o Velho Continente. Por outro lado, ocorre uma inclusão – e eu dou graças a Deus por pertencer a esta geração – das grandes populações mundiais, que passaram a ter acesso a conforto básico nas suas vidas. Podemos apontar China, Índia, Brasil, Indonésia, países que estão crescendo de forma muito relevante. Acredito, pelo tanto de pessoas que são incluídas socialmente, que haverá demanda muito forte na construção civil, por utensílios domésticos, automóveis…
Valor: E a China?
Ferreira: Acho que vive dois problemas. Embora a inflação do mês passado tenha sido 5,5%, a de alimentos bateu em 11%. Isso fez com que o governo, desde outubro, tomasse nove medidas macroprudenciais. Os resultados já estão à vista: redução do nível de atividade, uma certa indisponibilidade de capital de giro – as empresas, especialmente as pequenas e médias, estão com mais dificuldade de acesso ao sistema bancário. Mas o governo já fez um relaxamento nos depósitos compulsórios. Essa é uma situação que preocupa, mas vemos sinais de abrandamento. O outro problema, até pouco discutido no Brasil, é que a China passou por um período de seca muito intenso este ano, reduzindo a disponibilidade da sua energia hidráulica. O governo teve que adotar medidas de racionamento em algumas regiões. Mesmo assim, estou muito confiante que veremos, ainda este ano, a China voltando a crescer em níveis de 9%. Cada vez mais, sob o ponto de vista absoluto, serão taxas menores, pois a base é muito maior. A China já é a segunda economia do mundo.
Valor: Qual é a estratégia da Vale para a siderurgia? A empresa vai continuar mantendo projetos com parceiros exportadores e consumidores do produto? O mundo hoje está com excesso de aço.
Ferreira: A China, no ano passado, produziu 630 milhões de toneladas de aço e este ano, em abril, atingiu 715 milhões de toneladas em base anualizada. O que quero dizer é que os chineses continuam fazendo usinas siderúrgicas. Esse excesso que pode haver não está na China, está em unidades mais antigas, obsoletas, em outras partes do mundo, de empresas que perderam competitividade. Essa é a realidade: os países com forte crescimento, com populações enormes, continuam demandando suas matérias-primas para conversão de produtos elaborados.
Valor: E a Vale…
Ferreira: A empresa tinha 70% do mercado interno de fornecimento de minério de ferro. Hoje, está em torno de 50%. E a previsão para 2014 é baixar para 29%. Ora, sabemos que a economia tem ciclos de altas e baixas. E temos passado por ciclos muito positivos no passado recente. Eu quero ter um mercado cativo no Brasil de minério. Queremos, portanto, recuperar nossa participação e, para isso, estamos agindo como indutores de projetos. O da usina de Pecém (Ceará), por exemplo, é uma associação com as coreanas Posco e Dongkuk. No início, vai começar com 50% da Vale e 50% das coreanas. Mas já está combinado que até 2013/2014 vamos reduzir nossa participação para 20%. A Posco vai adquirir 30%. Este projeto é muito importante e vai criar uma situação muito agradável ao trazer o progresso para uma região brasileira que agora cresce a dois dígitos.
Valor: E sobre a Alpa, no Pará?
Ferreira: Esta usina terá sua implantação, assim como a de Pecém, submetida ao conselho da Vale no segundo semestre. No caso da Alpa vamos começar com 100% de participação, mas sabemos que daqui a pouco tempo vai gerar interesse de outras empresas mundo afora, quando verem os percentuais de crescimento do Brasil, especialmente no Norte e Nordeste. Mas a Alpa já tem uma aliança com o grupo Aço Cearense para transformar parte do aço em laminados. O governo tem um pacote importante que é o da infraestrutura hidroviária e do porto de Vila do Conde. Esperamos no segundo semestre deslanchar.
Valor: E a questão da construção des barcaças para transportar o minério da mina de Corumbá? Vão ser mesmo construídas na China?
Ferreira: Quando cheguei na Vale e vi essa solução, não concordei com os estudos que indicavam a logística de barcaças e empurradores. Estou reavaliando o assunto internamente. Houve atraso de mais de oito meses na entrega por parte da Rio Maguari, empresa contratada, causando perda de praticamente 500 mil toneladas de minério de ferro. Quero uma solução mais competitiva e menos onerosa para a Vale. Encomendando no Brasil ou no exterior, achei caro.
Valor: A Vale vai entrar na mineração de terras raras?
Ferreira: Vamos. E me deixa muito feliz porque vai ser no Triângulo Mineiro (Araxá, Uberaba e Uberlândia), a região onde nasci. Temos jazidas em Araxá e em Catalão (GO). Considero esses minérios estratégicos e hoje a China tem 96% desse mercado. Estamos na fase de exploração mineral, de análises e eu mandei acelerar esses estudos.
Valor: E energia? Além de Belo Monte, vão entrar em alternativas?
Ferreira: Sou entusiasta de energia alternativa. Espero ter a alegria de aprovar projetos de eólica, de biomassa. Há uma melhoria grande na tecnologia e em custos.