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Um ano de desinformação sobre a guerra na Ucrânia

A guerra na Ucrânia, prestes a completar um ano, tem sido acompanhada por uma feroz batalha de desinformação, conduzida em particular por agitadores pró-russos que buscam distorcer e transferir a culpa por muitas das atrocidades no terreno, retratar o lado ucraniano como nazista ou sugerir que o apoio ocidental a Kiev está evaporando.

Confira algumas das principais narrativas, falsas ou enganosas, que foram verificadas ao longo do último ano pelas equipes de verificação digital da AFP.

– Tudo uma encenação? –

As próprias autoridades russas propagaram a ideia de que algumas das piores atrocidades – como o massacre de civis em Bucha, não muito longe de Kiev, em abril de 2022 – foram encenadas. Neste caso, dois vídeos de má qualidade foram usados para implicar que as pessoas estavam apenas fingindo estar mortas, o que a AFP conseguiu desmentir graças a seus profissionais no local.

Muitos outros vídeos foram amplamente difundidos nas redes sociais com alegações semelhantes de que alguns dos crimes horríveis foram encenados. Mas as imagens se revelavam completamente sem relação, como um clipe de rap, um filme de ficção científica e uma série de TV russa.

– Imprensa na mira –

Muitas das acusações apontam o dedo para as principais organizações de mídia do mundo. Inúmeras capturas de tela foram compartilhadas sobre este tema, por exemplo, afirmando que a CNN usou imagens antigas completamente sem relação com a guerra na Ucrânia em sua cobertura.

Outros usuários da internet atacaram os canais de televisão, acusando-os de transmitir imagens de pessoas enfaixadas e ensanguentadas apenas fingindo estar feridas. Na verdade, eles eram vítimas reais de ataques russos.

– Ucrânia acusada de nazismo –

Uma enxurrada de afirmações falsas online ecoa a narrativa de Moscou de que o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, seria o chefe de uma gangue de “nazistas” ou “usuários de drogas”.

Assim, postagens nas redes sociais foram compartilhadas em todo o mundo, dizendo que um homem coberto de tatuagens nazistas era um chefe de polícia em Kiev ou que Zelensky havia sido fotografado com uma camisa de futebol estampada com uma suástica.

Acusações relacionadas a drogas circularam ao lado de filmagens manipuladas de qualidade questionável, sob o argumento de provar a dependência de Zelensky em cocaína.

– Narrativa anti-refugiados –

Os refugiados ucranianos também foram alvo, especialmente em países vizinhos como Polônia e Eslováquia. Fotos e vídeos manipulados ou enganosos proliferaram online, buscando mostrar refugiados como neonazistas, criminosos ou a causa de rastros de lixo no transporte público.

Outras mensagens enganosas, compartilhadas em diversas nações europeias, afirmam que os refugiados ucranianos recebem mais em benefícios sociais do que aposentados ou veteranos nos países anfitriões.

– Traído por seus aliados? –

Outro tema recorrente é a suposta traição da Ucrânia por seu vizinho e aliado, a Polônia. Assim, mapas meteorológicos são manipulados para sugerir que a Polônia quer anexar parte do território ucraniano, ou documentos são falsificados para mostrar que Varsóvia está planejando estabelecer um protetorado no oeste da Ucrânia.

Outras publicações nas redes sociais sugerem que o apoio a Kiev não é tão sólido quanto o Ocidente gostaria de acreditar. Há imagens alteradas de cartazes anti-refugiados em Praga e Varsóvia; fotos manipuladas de arte de rua anti-Zelensky em grandes cidades ao redor do mundo; e páginas falsas da revista satírica francesa Charlie Hebdo zombando do líder ucraniano.

– Sanções e crise energética –

A desinformação também se concentrou em questões energéticas diante das sanções ocidentais contra a Rússia e dos preços elevados do petróleo e da eletricidade.

Além de inúmeras alegações incorretas sobre preços ou suprimentos, postagens afirmam que o principal diplomata da União Europeia, Josep Borrell, quer proibir o aquecimento de casas acima de 17 graus Celsius.

Surgiu na Europa uma enorme campanha na qual os principais sites de notícias – sobretudo da Alemanha, mas também de outros países – foram imitados para propagar mensagens pró-Moscou.

O site do maior tabloide da Alemanha, Bild, por exemplo, parecia apresentar um artigo sobre um menino morto em um acidente de bicicleta em Berlim após as luzes serem desligadas à noite, enquanto a maior economia da Europa enfrentava uma crise energética. Mas o site e o artigo eram falsos.

Falsas verificações de fatos tentam camuflar o papel da Rússia na guerra

Desde o começo de sua invasão há um ano, a Rússia e seus apoiadores tentam distorcer o papel de Moscou na Ucrânia com uma arma que os especialistas consideram muito potente em seu arsenal: as campanhas de desinformação.

Os verificadores de fatos em todo o mundo desmascararam uma série de ‘fake news’ (notícias falsas) criadas para desviar a atenção dos possíveis crimes de guerra da Rússia ou, então, difamar seu oponente.

Uma tarefa que se tornou mais complexa devido às falsas “verificações de fatos” ou fact-checking, que ameaçam a confiança deste trabalho.

No mês passado, ao menos 46 pessoas morreram quando um edifício residencial em Dnipro, na Ucrânia, foi atingido por um míssil de cruzeiro russo Kh-22, segundo informações das autoridades ucranianas e de especialistas.

O ataque ao prédio de nove andares se tornou um dos mais mortais na Ucrânia desde o início da ofensiva russa. Entretanto, os propagandistas pró-Rússia possuíam uma contranarrativa inteligente para desviar a culpa de Moscou.

O site “War on Fakes” – disseminador do que os especialistas chamam de propaganda russa -, afirmou em uma “exclusiva” que o edifício teria sido destruído por um míssil de defesa antiaérea ucraniano.

Assim como as agências de verificação de fatos, o portal utilizou imagens com a palavra “falso” estampada em letras vermelhas e em negrito, junto com material de código aberto, vídeo e gráfico – que utilizava trigonometria complexa para defender o caso.

“Desde a invasão russa, a iniciativa ‘War On Fakes’ tornou-se uma fonte de falsas checagens”, disse à AFP Roman Osadchuk, do Laboratório Digital de Investigação Forense da Atlantic Council.

– “Ferramenta eficaz” –

“War On Fakes”, cujo canal no Telegram possui centenas de milhares de membros, se intitula “objetivo” e “imparcial”. Afirma combater a “guerra de informação lançada contra a Rússia”.

Lançado no ano passado pouco após a ofensiva russa, o site não diz quem são os autores e ainda não deixa claro quem está por trás do projeto. No entanto, entre seus amplificadores, estão defensores do Kremlin, incluindo ministérios e embaixadas russas.

“É uma ferramenta eficaz de propaganda estatal e desinformação”, disse Osadchuk.

“Funciona principalmente porque a verificação de fatos geralmente serve aos leitores como uma fonte ‘autorizada’ para ‘informações factuais'”.

Campanhas parecidas com o pseudo ‘fact-checking’ apareceram na televisão estatal russa, que exibe um segmento chamado “AntiFake”, além de um canal pró-Moscou no Telegram chamado “Fake Cemetery” (Cemitério Falso, em tradução livre).

Esses e outros apoiadores da Rússia usaram comprovações de fatos enganadoras para desacreditar relatos da mídia ocidental, inclusive da AFP, procedentes dos diversos incidentes no conflito.

Isso inclui os assassinatos no subúrbio de Bucha, em Kiev, onde centenas de corpos foram descobertos após a expulsão do exército russo em março passado. Além deste, houve o bombardeio de uma maternidade na cidade portuária de Mariupol, capturada por Moscou após um longo cerco.

Alguns Estados, inclusive a Rússia, têm uma “longa tradição de usar técnicas de fact-checking como parte de seus esforços de propaganda”, disse à AFP Martin Innes, diretor do Instituto de Inovação em Segurança, Crime e Inteligência da Universidade de Cardiff.

“Em vez de apenas semear desinformação, eles são normalmente usados para tentar desmentir as afirmações de um adversário ou para lançar dúvidas sobre a veracidade das reivindicações feitas por eles”.

– ‘Minando a confiança’ –

O sequestro do formato ‘fact-checking’ intensificou a guerra de informações – nomeação feita por analistas – que envolve a ofensiva russa, apresentando novos desafios para os verdadeiros checadores de fatos.

“Falsas verificações de fatos correm o risco de minar a confiança na mídia confiável e em instituições legítimas de verificação de fatos”, disse à AFP Madeline Roache, da organização de vigilância NewsGuard.

“Eles também podem distorcer a percepção da Ucrânia e do Ocidente, e fazer parecer que os fatos sobre a guerra são impossíveis de obter”.

Atores pró-Rússia tentam saturar o cenário noticioso com versões variadas e conflitantes de uma história para que fique difícil decifrar a verdade exata, sugerem analistas.

O “War on Fakes” geralmente publica uma série de verificações de fatos sobre o mesmo tópico, às vezes com afirmações conflitantes que sobrecarregam os leitores.

O site publica “tantas alegações falsas que os verificadores de fatos muitas vezes se contradizem”, diz o instituto Poynter, com sede nos Estados Unidos.

“O objetivo é confundir o público, sobrecarregá-lo”, acrescentou o analista sênior do Centro Europeu de Excelência para Combater Ameaças Híbridas, Jakub Kalensky, em entrevista à AFP.

“O resultado ideal será um consumidor que termine dizendo ‘existem muitas versões de fatos, para mim é impossível descobrir qual é a verdade'”, afirma Kalensky.

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