Em 2008, o comerciante de armas russo Viktor Bout, conhecido como o “Mercador da Morte”, foi preso na Tailândia durante uma operação secreta em que agentes antidrogas americanos se passaram por rebeldes colombianos que queriam comprar centenas de mísseis terra-ar.
Isso deu uma excelente matéria de capa, porque há muito tempo, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) cobiçam esses mísseis portáteis lançados do ombro, conhecidos como SAMs, para conter a eficaz guerra aérea do governo colombiano contra a guerrilha.
Mas, como mostra a operação na Tailândia, tais mísseis nem sempre são fáceis de serem adquiridos por grupos ilegais armados.
Neste caso específico, controles internacionais mais rígidos, falta de cooperação de governos solidários que possuem SAMs e as dificuldades de manter armamentos sofisticados durante as movimentações pela selva parecem ter evitado que as FARC construíssem uma capacidade antiaérea poderosa. Mas isso tudo não impede a tentativa dos rebeldes.
Jeremy McDermott é codiretor da InsightCrime, um grupo de reflexão que acompanha o crime organizado na América Latina. Ele destaca que o poder aéreo confere uma grande vantagem estratégica aos militares colombianos, com os bombardeios respondendo pelos maiores golpes contra as FARC — tais como as operações que mataram os comandantes rebeldes Raul Reyes e Jorge “Mono Jojoy” Briceño, e o ex-líder máximo Alfonso Cano.
Auerra aérea contínua corrói liderança das FARC
A guerra aérea também atingiu o moral das FARC, levando a deserções em massa. Muitos dos rebeldes desmobilizados afirmam que a vida na selva se tornou insuportável porque eles nunca se sentiam seguros, nem mesmo à noite, devido à possibilidade de serem bombardeados.
“Como uma forma de retaliação, as FARC querem essas armas”, afirma McDermott. “Um míssil Stinger derrubaria qualquer aeronave que a Força Aérea colombiana possui atualmente.”
Nos e-mails recuperados dos computadores dos rebeldes após incursões em seus acampamentos na selva, os comandantes das FARC referem-se constantemente à necessidade de adquirir SAMs. Tais mísseis permitiriam aos rebeldes disparar “fortes ataques contra o poder aéreo inimigo”, escreveu Cano em um e-mail de 16 de agosto de 2009 interceptado pela inteligência militar colombiana.
As FARC parecem ter uma certa capacidade antiaérea, seja ela artesanal ou mais sofisticada.
Os rebeldes são conhecidos por amarrar fios entre topos de montanhas para impedir que aviões fumiguem suas plantações de coca e ópio, as matérias-primas da cocaína e da heroína. Muitas vezes, eles disparam suas potentes metralhadoras .50 contra helicópteros e aviões, mas essas armas são muito imprecisas ao mirar aeronaves militares que se movem rapidamente.
Operações revelam armamentos sofisticados das FARC
Após uma operação em julho de 2008 em um acampamento das FARC, soldados recuperaram três lança-foguetes antitanques AT-4 de fabricação sueca, vendidos pela Suécia aos militares venezuelanos. Isso provocou temores de que o governo populista do presidente Hugo Chávez estaria ajudando a armar o grupo terrorista.
Dois anos depois, a polícia do departamento de Cauca, no sul do país, parou um táxi que transportava dois fuzis Ultramag .50 de fabricação americana capazes de perfurar blindagem e derrubar aeronaves. Segundo a polícia, os fuzis tinham como destino as FARC.
Mas, dada a necessidade estratégica das FARC por mísseis, seu acesso a milhões de dólares provenientes do tráfico de drogas e das extorsões, e suas ligações com o mercado negro de armas internacional, os guerrilheiros pareciam ter um leque de possibilidades de adquirir os SAMs — como fez a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, de El Salvador, e a resistência afegã Mujahadeen nos anos 80.
Douglas Farah, membro sênior do Centro Internacional de Avaliação e Estudo, com sede na capital americana, diz que os SAMs podem ser comprados no mercado negro das Américas Central e do Sul por cerca de US$ 15.000 (R$ 30.000).
Mas tanto em El Salvador como no Afeganistão, os mísseis chegaram através dos governos amigos durante a Guerra Fria. Os rebeldes salvadorenhos adquiriram os SAMs do governo Sandinista da vizinha Nicarágua, enquanto a CIA, sob a batuta do lendário legislador texano Charlie Wilson, forneceu mísseis de ombro aos rebeldes afegãos que combatiam as forças de ocupação soviéticas.
SAMs ficam mais raros depois do 11 de setembro
Hoje em dia, no entanto, os controles de armas estão mais rígidos. Desde o 11 de setembro, o governo americano está promovendo uma busca e recomprando antigos SAMs da Nicarágua e de outros países por temer que os mísseis sejam usados por terroristas para derrubar aeronaves militares e nacionais, de acordo com Adam Isacson, do Escritório de Washington para Assuntos da América Latina.
Alfredo Rangel, diretor da Fundação de Segurança e Democracia — um grupo de reflexão de Bogotá — diz que, embora os militares venezuelanos tenham comprado inúmeros SAMs da Rússia, o governo Chávez parece ter achado arriscado demais transferir alguns deles para as FARC, embora os e-mails dos rebeldes indiquem que a guerrilha pressionava a Venezuela pelas armas.
As FARC sempre se orgulharam de sua autonomia. Antes de a guerra aérea colombiana começar para valer, os líderes da organização não precisavam tanto dos SAMs e estavam determinados a desenvolver sua própria tecnologia armamentista, segundo o analista político Álvaro Jiménez, de Bogotá.
Durante a grande militarização das FARC na década de 1990, por exemplo, os rebeldes aprenderam a fabricar potentes morteiros e foguetes utilizando cilindros de gás propano, que foram usados contra delegacias de polícia, bases do exército e cidades sem segurança.
A partir de 2000, uma grande ofensiva terrestre do exército, junto com constantes ataques aéreos, reduziu o contingente das FARC de 16.000 para cerca de 8.000. À época, a rede financeira da organização estava espremida, enquanto seu plantel de comandantes de médio escalão altamente treinados — que podiam manusear armamentos sofisticados — foi amplamente reduzido.
Os SAMs podem influenciar o resultado da guerra
Além disso, é difícil manter os componentes do SAM, como baterias, em bom estado na selva quente e úmida colombiana — especialmente quando o grupo terrorista é perseguido pelas tropas do governo. “As unidades das FARC não tem uma localização fixa, então o armazenamento climatizado dos SAMs não seria fácil”, afirma Farah.
Ainda assim, os analistas afirmam que não ficariam surpresos se as FARC um dia adquirirem SAMs. “É apenas uma questão de tempo”, diz Jiménez.
Se isso acontecer, diz Farah, o impacto na guerra colombiana pode se equiparar aos efeitos dos SAMs nos últimos anos da guerra civil de El Salvador. Os mísseis deram aos rebeldes da FMLN um impulso militar e psicológico, e forçaram os pilotos da Força Aérea salvadorenha a mudar seus padrões de voo de ataques diretos relativamente rápidos para voos baixos e rápidos, evitando serem vistos à distância por rebeldes portando SAMs.
Na Colômbia, os SAMs nas mãos dos rebeldes poderiam limitar a capacidade dos militares de perseguir as FARC, deixar e pegar soldados, e manter as linhas de suprimento e a presença de tropas em grandes faixas de território sem estradas.
“Com o tempo, os militares se ajustariam e se recalibrariam”, diz Farah, “mas isso certamente daria fôlego às FARC e lhes abriria espaços operacionais.”