Foi um fim de semana atípico para Zinjibar, uma estratégica cidade situada 800km ao sul da capital, Sanaa, às margens do Golfo de Áden. No sábado, os 20 mil moradores foram surpreendidos por cerca de 300 militantes islâmicos que tomaram os prédios do governo e ocuparam as principais ruas. As autoridades locais e os habitantes denunciam que a operação foi levada a cabo por extremistas da Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP) — a organização que chegou a conspirar para derrubar aviões dos Estados Unidos no ano passado. “Não creio que 300 membros da Al-Qaeda conseguiriam tomar uma cidade, simplesmente porque a população não permitiria isso”, afirmou ao Correio o médico iemenita Hamza Al-Shargab, que vive em Sanaa. Ele não descarta que o presidente Ali Abdullah Saleh tenha cedido o controle de Zinjibar aos terroristas. “Saleh talvez queira fazer com que o mundo urine nas calças, com medo da AQAP”, ironiza. “Todos por aqui sabem que isso é propaganda dele, a fim de distrair a população.” O chefe de Estado enfrenta com punho de aço uma revolta popular que dura quatro meses. A repressão aos opositores deixou ontem mais seis mortos em Taez (sul).
Um documento intitulado Declaração Número 1 — divulgado ontem pelo general dissidente Ali Mohsen Al-Ahmar — coloca a tomada de Zinjibar sob suspeita. No texto, o oficial acusa Saleh de “render a província de Abyan a um grupo terrorista armado” e apela para que “as forças do Exército se unam à revolução popular pacífica”. O presidente reagiu com ira e classificou os desertores de “traidores” e de “promotores da guerra”. “Nós entendemos as demandas da revolução juvenil, mas pedimos a eles que se livrem dos elementos corruptos e traidores que abandonaram o Exército”, alertou Saleh, por meio de uma nota. Com base em relatos de médicos e de autoridades do setor de segurança, a agência de notícias France-Presse divulgou que os intensos combates entre as tropas e os extremistas mataram 23 pessoas desde sábado, em Zinjibar. Cinco civis teriam ficado na linha de fogo e acabaram mortos ontem.
Sob a condição de anonimato, um político de Zinjibar contou à AFP que os militantes da AQAP cercaram todas as brigadas mecanizadas do Exército iemenita. “Os homens armados executaram os soldados que haviam se rendido e nos impediram de enterrar os militares; seus cadáveres ficaram expostos ao sol”, relatou outro morador da região, que também preferiu não se identificar. Fontes citadas pela agência Global Arab Network (GAN) afirmam que os extremistas controlam o banco central da província de Abyan — da qual Zinjibar é a capital —, a agência postal, o centro de telecomunicações, entre outras instituições. Jaar, cidade situada a 10km dali, também foi alvo dos integrantes da AQAP, que teriam libertado todos os prisioneiros. A região de Abyan é reconhecidamente um dos locais de pouca ou nenhuma influência do governo. A Al-Qaeda aproveita-se da impunidade e da falência do Estado para controlar áreas e montar campos de treinamento terrorista.
Morador de Sanaa, o ativista Ibrahim Mothana, 22 anos, também tem sérias dúvidas em relação ao que ocorreu em Zinjibar. “Há grupos extremistas em Abyan, mas sua habilidade de controlar uma grande cidade como Zinjibar não é uma perspectiva realista”, afirmou ao Correio, pela internet. “À medida que a pressão internacional sobre o governo aumenta, o presidente Saleh tenta aterrorizar o Ocidente, com a possibilidade de a AQAP tomar o controle do país”, acrescentou. Ibrahim recorda que o próprio líder citou essa ameaça durante um discurso recente. Ele tem razão nesse ponto. Em 21 de maio passado, Saleh foi à tevê e disse que a Al-Qaeda poderia capturar importantes partes do país, caso ele se visse obrigado a deixar o poder. “Eu envio uma clara mensagem ao Ocidente (…) de que a Al-Qaeda será bem-sucedida e controlará a situação aqui, e tais países perceberão que isso é pior”, declarou.
A ferro e fogo
De acordo com a rede de TV Al-Jazeera, pelo menos seis manifestantes morreram em Taez depois que forças de segurança tentaram afugentar ativistas que acampavam na Praça da Liberdade. Os militares queimaram barracas e usaram canhões d’água e gás lacrimogêneo contra a multidão, que exige a saída de Saleh. A ação também deixou pelo menos 100 feridos. O Conselho de Defesa Nacional reuniu-se ontem em caráter de emergência e declarou sua completa rejeição a qualquer interferência externa na crise.
Denúncias e apelo à insurreição
O Correio teve acesso à versão em árabe do comunicado. No texto, o general condena e “denuncia fortemente” a entrega de províncias a “grupos de bandidos, sabotadores e terroristas”. Segundo o documento, o presidente Ali Abdullah Saleh ordenou aos militares e às autoridades de segurança que facilitassem o controle das instituições do governo por parte dos extremistas. Também explica como o mandatário permitiu que marginais utilizassem organismos militares em Sanaa e compara o Iêmen a uma nova Somália. “Nós apelamos ao resto de nossos irmãos, às brigadas e unidades (do Exército) a declararem total apoio à revolução, para que se alinhem ao povo e à nação”, acrescenta.