Apoiado pela Síria nas últimas duas décadas, o grupo militante palestino Hamas pode deixar Damasco e mudar seu escritório político na capital síria para outro país da região. Segundo analistas e a imprensa árabe, a mudança se daria em razão do isolamento do regime sírio do presidente Bashar al-Assad devido à repressão ao levante popular pró-democracia.
Segundo jornais árabes, o Hamas se vê em uma situação embaraçosa e em um dilema de como responder às mudanças no mundo árabe, que têm forçado governos e movimentos políticos a mudar suas alianças por causa da onda de protestos.
Na mídia se fala do descontentamento de membros do Hamas com a repressão do regime sírio a diversos grupos da sociedade civil, incluindo membros da Irmandade Muçulmana síria, com quem o grupo palestino tem fortes laços e inspiração. Vários líderes do movimento palestino saíram de doutrinas da Irmandade Muçulmana no Egito, na Jordânia e na Síria.
"O Hamas está em alerta e certamente já começa a avaliar suas opções", disse à BBC Brasil o egípcio Emad Gad, especialista em Relações Internacionais do Centro Al-Ahram para Estudos Estratégicos e Políticos no Cairo.
Para ele, os sinais de descontentamento ficaram claros quando, após várias operações militares sírias contra a população, os refugiados palestinos no país também foram atingidos pela violência.
"O Hamas, cobrado pela sua militância, falhou em condenar a repressão, com medo de entrar em choque com seus anfitriões e arriscar uma aliança que já vinha dos anos 1990 e se solidificou na década passada", explicou Gad.
O Hamas, que controla a Faixa de Gaza, mantém um escritório político em Damasco desde 2001, após o grupo ter sido banido da Jordânia, em 1999, acusado de usar seu território para atividades ilegais. O diretor do grupo na Síria, Khaled Meshaal, se tornou também seu principal líder depois que o então chefe do Hamas em Gaza, Abdel Aziz al-Rantissi, foi assassinado em uma operação militar de Israel, em 2004.
Fim da aliança?
“Outro sinal de racha (com Damasco) ocorreu quando o Hamas se negou a condenar os protestos quando foi cobrado pelo governo sírio. Isso o colocou numa situação de risco também com outro aliado, o Irã, que se mantém aliado da Síria contra a pressão internacional”, aponta o analista.
Apesar de sua posição em se manter silencioso em relação aos distúrbios na Síria, o Hamas dispersou um protesto anti-Síria em Gaza, em agosto, quando mostrou que não toleraria demonstrações que desagradassem seu aliado estratégico.
“Se essa aliança terminar, significará um enorme prejuízo para o Hamas, que deixaria de contar com um apoio de dois governos de peso na região – o sírio e iraniano”, completou Gad.
Apesar do silêncio oficial, colunistas políticos da região já dão como certa a saída do Hamas do território sírio. Ainda em abril deste ano, o jornal árabe Al-Hayat citava fontes dentro do grupo e outros políticos palestinos falando sobre a possibilidade de transferir seu escritório de Damasco.
O mesmo jornal também obteve de outras fontes dados sobre uma suposta ordem emitida pelo regime sírio para que o grupo palestino deixasse o país, por seu posicionamento diante dos levantes populares na Síria.
Outros jornais, como o egípcio Al-Masry al-Youm mencionaram que o Hamas estudava outras opções como Egito, Jordânia e Catar, o que foi negado por um porta-voz do Hamas em Gaza, que também rebateu as especulações de que o governo sírio havia pedido que se retirasse de Damasco.
Mas, no dia 9 de setembro, o chanceler do Hamas em Gaza, Mahmoud al-Zahar, declarou que todos os palestinos na Síria, incluindo membros de seu grupo político, estavam em uma situação de perigo, e que Egito era uma das opções possíveis para uma recolocação. Al-Zahra frisou, no entanto, que “nenhum pedido oficial havia sido feito às autoridades egípcias nesse sentido”.
Um dia depois, porém, outra autoridade política do Hamas, Moussa abu Marzouk, assistente de Meshaal, declarou que o grupo não tinha qualquer intenção de deixar Damasco.
Poucas opções
Segundo o analista Walid Kazziha, professor de Ciência Política na Universidade Americana do Cairo, à medida que os protestos na Síria continuam, a pressão sobre o Hamas para que tome uma posição está crescendo, deixando-o em situação cada vez mais delicada.
“Mas não vejo muitas opções para o grupo para alguma mudança de capital árabe”, salientou.
Para Kazziha, a Jordânia, apesar de ter refeito sua relação com o Hamas, não seria uma opção viável dada sua forte relação com os países ocidentais e seu tratado de paz com Israel.
Ele cita como possibilidade o Egito, país que passou por uma revolução popular e luta para realizar as reformas democráticas.
“(Mas)a situação no Cairo não dará segurança ao Hamas. Além disso, há forças políticas poderosas no Egito que veem o movimento palestino como uma ameaça à segurança nacional”, explicou Kazziha à BBC Brasil.
O professor lembra que Egito e Israel continuam em acordo sobre o monitoramento da fronteira entre os dois países e o combate ao tráfico de armas através dos túneis entre Egito e Gaza.
O jornal Al-Hayat citou que o Catar parecia disposto a receber um escritório do Hamas em sua capital, Doha. Entretanto, disse o jornal, o Catar apresentou uma série de precondições, aparentemente explicitando “seu desejo de acolher a liderança política do Hamas que cerca Khaled Meshaal, mas proibindo a presença da liderança militar do grupo”.
Segundo o jornal, o Hamas discute a possibilidade de Meshaal se mudar para Doha enquanto que seu assistente, Moussa Abu Marzouk, fixar outro escritório no Cairo.
“Mas também não vejo uma opção no Catar para o Hamas por uma simples questão geográfica – o país do golfo Pérsico está a milhares de quilômetros de Gaza”, enfatizou Kazziha.
Já Emad Gad, do Centro Al-Ahram, acha que o Catar pode ser uma opção viável.
“O Catar pode sim ser uma alternativa, é uma nação rica e que vem buscando um papel diplomático cada vez maior na região.”