As Forças Armadas ucranianas estão de prontidão em meio à crise na Crimeia. Mas, se houver realmente um confronto com os russos, não poderão fazer muito. A começar pela desvantagem numérica: enquanto Kiev conta com 130 mil soldados e oficiais, estima-se que Moscou disponha de 800 mil homens preparados para combate.
Há anos as Forças Armadas da Ucrânia não contam com boa reputação internamente. São tidas como corruptas, têm pouca verba, são pouco equipadas e mal formadas. É antiga a queixa dos militares ucranianos sobre o baixo orçamento reservado à corporação.
A redução do número de militares e, após o fim do alistamento obrigatório, a formação de um Exército profissional em 2014 – a última convocação compulsória ocorreu no segundo semestre do ano passado – devem ajudar o governo a contornar o problema do baixo financiamento.
No ano passado, 1,3 bilhão de euros saíram dos cofres do governo em Kiev para as Forças Armadas. Segundo Valentin Badrak, do Centro de Estudos Militares de Kiev, pelo menos o dobro, ou mesmo o triplo deste montante, seria necessário para garantir o bom trabalho das tropas. Em comparação, o orçamento russo destinado às Forças Armadas ultrapassa os 52 bilhões de euros.
Falta de interesse do governo
Nos últimos anos, acidentes envolvendo as Forças Armadas da Ucrânia deixaram ainda mais evidentes as difíceis condições da corporação. Durante um treinamento de tiros em 2000, um míssil acabou atingindo uma residência em Kiev. No ano seguinte, a defesa antiaérea acertou um avião de passageiros russo sobre o Mar Negro. Já em uma apresentação em 2002, um jato de combate caiu em cima do grupo de pessoas que assistiam ao espetáculo no oeste do país.
Badrak ressalta que a maior parte do atual armamento ucraniano data dos tempos em que o país fazia parte da União Soviética. Ele avalia que, quando o assunto é armamento, a Ucrânia está uma geração atrás das nações desenvolvidas. Por conta da falta de peças de reposição, afirma o especialista, hoje em dia são poucos os jatos preparados para o combate.
Ainda segundo Badrak, a maioria dos pilotos precisaria ter à disposição um treinamento teórico, e apenas metade da demanda de combustível da Aeronáutica está coberta. No caso da Marinha, a situação não é muito diferente. Após a divisão das frotas estacionadas no Mar Negro, em 1997, a Rússia ficou com a maior parte. A Marinha ucraniana dispõe apenas de uns poucos navios preparados para ação e de um submarino a diesel. A frota russa posicionada na Crimeia, que conta com dezenas de navios, é claramente superior à ucraniana.
A aparente falta de interesse do governo em Kiev em investir nas Forças Armadas não é algo recente – os militares não foram prioridade na gestão do presidente deposto Victor Yanukovytch nem na de seus antecessores.
"O governo não quer se ocupar disso", escreveu o especialista em Forças Armadas Mykola Sunhurowski, do Centro Rasumkov de Kiev, em um artigo publicado em julho do ano passado.
Armas nucleares sob garantias
Com o fim da URSS em 1991 e a independência dos países que compunham o bloco, o arsenal atômico soviético também foi dividido. A Ucrânia tornou-se, então, a terceira maior potência nuclear mundial – atrás apenas dos Estados Unidos e da Rússia. O controle sobre um eventual uso dos mísseis atômicos, no entanto, permaneceu nas mãos de Moscou – o recém-fundado país não tinha recursos para mantê-los em ponto de uso.
Sob pressão da Rússia e do Ocidente, a Ucrânia então acabou entregando suas armas atômicas. Mísseis intercontinentais que preocupavam as nações ocidentais nos tempos da Guerra Fria, como o SS-18 ("Satan"), foram destruídos. Bombardeiros do tipo Tupolev 160 foram inutilizadas ou entregues à Rússia.
Em contrapartida, a Ucrânia recebeu ajuda financeira e garantias de segurança de quatro potências atômicas, entre elas a própria Rússia. Por isso, agora, o governo de transição em Kiev acusa os russos, que ocupam militarmente a península ucraniana da Crimeia, de ferirem este acordo.
Esperança nos reservistas
Diferentemente das tropas russas, as unidades ucranianas têm pouca experiência em campo, uma vez que até hoje o país nunca se viu envolvido em uma guerra. Elas só atuaram em algumas missões de paz nos Bálcãs e na África. As tropas também realizam treinamentos anuais em conjunto com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Por sua vez, as tropas russas já enfrentaram duas guerras na província separatista da Chechênia e uma na ex-república soviética da Geórgia. Assim, o governo ucraniano deposita suas últimas esperanças na convocação dos reservistas – especialmente dos veteranos da invasão soviética no Afeganistão, na longínqua década de 1980.